Amor ao basquetebol, amor à família e amor ao país. Não nesta exata ordem, mas talvez estas sejam dentre todas as impressões que Oscar Daniel Bezerra Schmidt deixa, as mais marcantes. Afinal, são estes os pilares de uma vida repleta de vitórias, conquistas e reconhecimento, mas também de reveses e situações que colocaram-no à prova. "Faz parte da vida...não mudaria nada. Faz parte", comenta Oscar.
Com o número 14 nas costas, em alusão ao dia em que pediu Cris, sua esposa, em namoro, encantou o mundo com o seu incontestável talento, dedicação ao esporte e profissionalismo. Do Palmeiras, no fim dos anos 70 foi para o Esporte Clube Sírio e ganhou o planeta, literalmente, sendo campeão mundial de clubes em 1979. Entre os anos 80 e 90 foram mais de 10 temporadas na Itália. Voltou ao Brasil e vestiu as camisas das duas instituições de maior torcida do país: Corinthians e Flamengo, onde encerrou a carreira em 2003.
Não acabou aí. Não é por acaso que Oscar está no "Hall" da Fama da FIBA (Federação Internacional de Basquetebol).
Tem o mais importante. A seleção brasileira. Foram 20 anos com a equipe adulta, em cinco participações Olímpicas. Entre Moscou 1980 e Atlanta 1996, tornou-se o maior cestinha da modalidade no evento, com 1093 pontos. Mas não apenas isso. Foram partidas, adversários, treinadores, lances e situações que não lhe saem da memória.
Uma memória que ele compartilhou em entrevista exclusiva para o Olympics.com.
Os primeiros arremessos
Observado em uma aula de educação física aos 13 anos, Laurindo Miura foi o primeiro treinador de Oscar, dando-lhe preciosos ensinamentos, até hoje em sua lembrança. Um ano depois, em 1972, lembra-se de ter visto pela televisão um jogo do Brasil no basquete dos Jogos de Munique e pensou: "Puxa, posso um dia estar aí."
Não demorou muito e aos 15 já estava convocado para a seleção brasileira juvenil e jogava diversos campeonatos. "Eu era um cara, assim, duro", comentou. Isso chamou a atenção do Palmeiras, que foi até a casa dos Schmidt a fim de que o jovem se mudasse para a capital paulista e vestisse a camisa do alvi-verde.
Aprovação concedida e ele partiu para São Paulo. Primeiro o Palmeiras e depois o Sírio, por onde venceu o Mundial de clubes de 1979, diante de um ginásio do Ibirapuera lotado. Presença constante nas seleções de base, já havia sido parte do plantel adulto terceiro colocado no Mundial de 1978, nas Filipinas, o que praticamente garantiu o seu lugar no time para a primeira participação em Jogos: Moscou 1980.
A primeira participação Olímpica
"Tivemos duas grandes chances, contra a Iugoslávia e a União Soviética", recorda Oscar sobre os Jogos de 1980. "Ganhávamos da Iugoslávia por seis pontos e deixamos escapar a vitória...não entendo o porquê! Contra a União Soviética, perdemos no fim", acrescentou. Os iugoslavos foram ouro e os soviéticos, bronze.
Aquela primeira participação Olímpica traz excelentes recordações para Oscar, como a interação com atletas do mundo todo, de diversas modalidades e a aproximação que teve com João do Pulo. "Um dia ele (João do Pulo) apareceu no nosso treino e nós o desafiamos: 'consegue enterrar?' e ele disse: 'moleza!' Não é que ele pega a bola e de costas enterrou? Eu não podia acreditar", lembra-se.
Aliás, é João do Pulo o primeiro a ser mencionado por Oscar quando perguntado sobre qual é o seu ídolo no esporte: "É um orgulho do Brasil", refletiu sem hesitar.
Seul 1988 e a medalha que escapou
O Brasil não foi bem em Los Angeles 1984, com uma vitória (sobre o Egito) em cinco partidas. Na segunda fase, triunfos sobre a França e a República Popular da China deixaram a equipe em nono lugar geral.
Seul 1988 foi completamente diferente. Assim como em 1980, o Brasil teve oportunidade para uma medalha. No entanto, um lance nos últimos instantes contra a União Soviética está na cabeça de Oscar até hoje, e sobre ele, é direto: "Tivemos a grande chance. Era a cesta de empate ou de virada. Eu errei. Não tem um dia na minha vida que eu não pense neste arremesso, juro por Deus."
A seleção atravessava excelente momento. Tinha sido ouro nos Jogos Pan-americanos Indianápolis 1987 sobre os donos da casa, os Estados Unidos, em uma final que mudou os parâmetros do basquete. Depois dela passou a se dar mais importância às cestas de três pontos. Naquela partida Oscar acertou sete, fazendo jus ao apelido de "mão santa". Além disso, foi o ponto de virada para os estadunidenses repensarem suas seleções masculinas nos Jogos, com a formação do "Time dos Sonhos" para cinco anos depois, em Barcelona.
Em Seul, brasileiros e norte-americanos voltaram a se enfrentar, mas desta vez a vitória não se repetiu: "Eles (Estados Unidos) se preocuparam muito com a gente, mas se esqueceram da Iugoslávia e da União Soviética", recorda Oscar em meio às gargalhadas. No entanto, a alegria termina de repente. Ele fecha o semblante e volta a falar sobre a cesta que não aconteceu contra os soviéticos: "Se eu coloco aquela bola (contra a União Soviética), a gente ia ganhar o ouro em Seul... foi um lance normal...o Cadum me deu a bola como se dissesse: 'vai, ganha o jogo', e eu errei. Devia ter forçado o arremesso de três, muito mais fácil."
Em 1988 Oscar fez 55 pontos contra a Espanha, cestinha da partida, um recorde que dura até hoje: "Toda bola entrava", mas mais uma vez ele tira o sorriso do rosto e completa: "...mas nem sei em qual lugar terminamos (o torneio). Queria era ter feito a final Olímpica."
O Brasil terminou em quinto lugar, enquanto que os soviéticos foram ouro.
Mais um quinto lugar: Barcelona 1992
Oscar chagava para os Jogos seguintes, na Espanha, depois da sua melhor temporada. Em 1991, aos 33 anos, pelo Pavia (Itália), terminou o ano esportivo com uma média de 44 pontos por partida. Em Barcelona, mais uma vez enfrentou os Estados Unidos, no entanto desta vez foi contra o "Time dos Sonhos" de estrelas da liga profissional norte-americana (NBA) e esteve frente a frente com os seus ídolos: Michael Jordan e Larry Bird.
Neste momento ele aponta para um porta retrato daquele jogo. Na foto, Jordan, Bird, Magic Johnson e Oscar estão às gargalhadas no meio da partida. Como se fossem velhos conhecidos e bons amigos. Na verdade, são. "Quase levei minha câmera fotográfica para o banco de reservas...jogamos de igual para igual, mas em uma certa altura eles se distanciaram no placar e foi inalcançável", admitiu. Uma partida inesquecível para Oscar, que nela conheceu o seu rival mais duro: "Foi o Scottie Pippen, ele pisava no meu pé. Foi o meu melhor marcador, mas fiz 24 pontos em cima dele."
Os Estados Unidos acabaram indo ao topo do pódio de uma maneira incontestável, mas foi o Brasil de Oscar a equipe que mais fez pontos sobre os estadunidenses naquele torneio Olímpico, 83. Pela segunda vez seguida o brasileiro foi o cestinha dos Jogos e a seleção terminou em quinto lugar.
Atlanta 1996 foi a sua despedida nas participações Olímpicas, em grande estilo. Pela terceira vez, tornou-se o cestinha do torneio. Ultrapassou a marca dos 1000 pontos em Jogos, terminando com impressionantes 1093. O Brasil acabou na sexta posição.
A chance na NBA
Em 1984 teve a oportunidade de atuar pela liga profissional de basquete dos Estados Unidos, a NBA. No entanto, recusou porque isso o afastaria de atuar pela seleção brasileira. Não se arrepende: "Se não fosse isso, não teríamos vencido em 1987 (o Pan) e talvez o basquete não mudaria tanto", comentou. "Merecia jogar na NBA? Não! Merecia jogar onde eu joguei: a seleção brasileira. Isso não tem preço", completou.
Mais lembranças
A família é a base para a vida de Oscar: "Eu e a Cris fomos para a Europa recém casados, está ao meu lado em tudo, voltamos falando quatro idiomas". A esposa era exemplo de dedicação nos clubes por onde o marido passou. É quando Oscar se lembra do treinador Bogdan Tanjević a mencionando em uma preleção antes de um jogo quando atuava na Itália.
Aliás, Tanjević é um dos quatro treinadores que marcaram a carreira do Mão Santa. Foi o montenegrino que o levou para o mundo, tendo o conhecido quando comandava o Bosna Sarajevo, que fez a final do Mundial de clubes contra o Sírio, em São Paulo, em 1979. Também não se esquece de quem o introduziu ao jogo, Laurindo Miura, além de Cláudio Mortari e Ary Vidal. Para Vidal, ele não economiza elogios: "Um gênio do basquete...quando criaram a linha do arremesso de três pontos, ele me chamou, chamou também o Marcel e disse: 'sabe para quem foi feita essa linha? Para vocês dois, 'chutem' daí que eu garanto'."
O basquete e a vida
Ao refletir sobre o que o esporte lhe deu, Oscar fita os troféus e as medalhas em sua sala. Observa tudo, passa os olhos e resolve falar: "Fiz quase tudo o que quis no basquete, quase tudo...a medalha Olímpica me faz uma falta que você não tem ideia...na cabeça me dá uma ideia de ser um jogador incompleto." Uma declaração forte, sem dúvida, mas em seguida abre um fácil sorriso e diz: "Sabe? Não trocaria a medalha Olímpica pela minha carreira, porque a minha carreira foi bonita."
Na Rio 2016 ele carregou a bandeira Olímpica durante a Cerimônia de Abertura. "Aquilo foi bonito, inesquecível, mas me arrependo de não ter levado a bandeira do Brasil na Cerimônia de Abertura de Seul...vieram me convidar, mas eu tinha jogo no dia seguinte (contra Porto Rico) e preferi me concentrar. Ganhamos o jogo, valeu a pena...mas não valeu a pena, né?" disse Oscar aos risos.
Aos 64 anos, hoje quer dedicar-se mais à família, ser melhor marido, filho, pai e irmão: "eu corri atrás de bola a vida toda e minha família ficou em segundo plano", comentou. Uma família que não ficou sem a medalha Olímpica. Seu sobrinho, Bruno Schmidt, foi ouro no vôlei de praia na Rio 2016.
Ídolo de Bruno, o tio Oscar se rende e ri bastante: "Que orgulho e que inveja eu tenho dele...inveja boa...ele tem a medalha que eu não tenho...nosso orgulho, eu estava no Rio de Janeiro, sem palavras em ver o meu sobrinho campeão!"
Em cada frase, em cada olhar e em cada lembrança, Oscar mostrou o quanto buscou a excelência e o amor em representar o país, além da dedicação ao esporte e à família. Uma vida e uma história repleta, que servem de exemplo.
Um ídolo que deixa claro as máximas de que "o amor vence tudo" e "nada supera o trabalho".
Alguns números de Oscar na carreira
- Jogador de basquete com mais participações em Jogos: cinco, mesmo número de Teófilo Cruz (PUR) e Andrew Gaze (AUS);
- Jogador com o maior número de pontos na história dos Jogos Olímpicos: 1093;
- Jogador com o maior número de pontos em um jogo de uma competição Olímpica: 55 (contra a Espanha em Seul 1988);
- Maior média de pontos por jogo em uma edição de Jogos: 42,3 pontos por jogo;
- Três vezes o principal cestinha dos Jogos: Seul 1988, Barcelona 1992 e Atlanta 1996;
- Maior cestinha da seleção brasileira, com 7693 pontos.