Gabi assume a liderança da seleção brasileira de vôlei: "O Brasil tem um diferencial no conjunto"

Medalha de prata em Tóquio 2020, ponteira vive o melhor momento da carreira após vencer o europeu de clubes e ter sido escolhida a melhor jogadora do torneio. Em entrevista para o Olympics.com, Gabi comentou sobre a atual fase e as expectativas para a Liga das Nações e o Mundial deste ano, já com os olhos nos próximos Jogos. 

12 minPor Virgílio Franceschi Neto
Gabi durante jogo contra a República Dominicana, nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020.
(2021 Getty Images)

Um dos nomes mais lembrados do plantel que foi ao pódio nos Jogos Tóquio 2020, Gabi tem uma carreira incontestável. Da sua natal Belo Horizonte às seleções brasileiras (de base e adulta), até os clubes por onde passou, a ponteira colecionou títulos.

O último deles foi há poucos dias, quando venceu a Liga dos Campeões da Europa, pelo VakifBank, de Istambul. Na finalíssima, vitória sobre o Conegliano (ITA), de Paola Egonu. De quebra, foi escolhida como a melhor jogadora do torneio. O VafikBank já havia conquistado nesta temporada a Copa Turca, o Campeonato Turco, a Supercopa Turca e o Mundial de clubes.

Desde Antalya, na Turquia, onde tira alguns (raros) dias de descanso, Gabi conversou com o Olympics.com sobre a recente conquista e também o que vem pela frente.

Ela está na lista de José Roberto Guimarães para a Liga das Nações deste ano. Poucos meses depois, acontece o Campeonato Mundial. Serão os primeiros compromissos de uma seleção em um novo ciclo que sugere renovação, com os olhos já voltados para Paris 2024.

Olympics.com (OC): Gabi, este é o melhor momento da sua carreira? Você se sente a melhor do mundo?

Gabi: Sem dúvida nenhuma eu me sinto no melhor momento da minha carreira. Hoje com recém 28 anos completados, me sinto muito mais madura, experiente. Ainda tenho muita coisa para poder aprender e enfrentar. Mas muita gente tem feito essa pergunta: você se sente hoje a melhor jogadora do mundo? Eu não me considero a melhor jogadora do mundo. Acho que seria até uma loucura grande dizer isso, porque temos grandes jogadores, como a Paola Egonu...a Jordan Larson. Então, para ser considerada a melhor do mundo, teria que estar num patamar ainda acima.

Tenho muita coisa que eu acho que posso melhorar. Acho que fiz uma temporada muito boa, consegui conquistar muitas coisas nesse último ano, depois de Tóquio. Venho de uma constância grande, mas acho que tenho que me firmar ainda, fazer alguns anos muito bons para talvez entrar realmente nesse patamar dessas grandes jogadoras...realmente, o meu foco hoje realmente é melhorar 1% a cada dia, então será ser a minha melhor versão a cada dia. O que eu tenho feito na minha preparação de ser melhor que a Gabi todos os dias, acho que tem me ajudado muito. Acho que tem sido o grande diferencial.

Tenho feito um trabalho mental muito grande nos últimos anos e eu acho que esse foco em mim, sem pensar muito no que as pessoas querem e esperam, ou querer superar alguém, apenas focar em mim, e o que eu posso fazer pra equipe, pela seleção, pelo clube...acho que tem me ajudado muito e espero continuar crescendo.

(Milad Payami)

OC: Você se surpreendeu em ter sido escolhida a MVP do torneio, em uma competição que teve a Paola Egonu, que vai ser sua colega no ano que vem?

Gabi: Pra ser sincera eu fiquei bem surpresa, nem esperava...eu estava muito emocionada. Era realmente um sonho de conquistar a Champions League. Eu não estava com expectativa, então meu objetivo realmente era ganhar a partida.

Fiquei muito surpresa exatamente pela Egonu não ter ganho, porque queira ou não, apesar de não ter vencido a partida, ela fez 39 pontos na final e um campeonato incrível. Para mim a Egonu é de longe a melhor jogadora do mundo, fisicamente e mentalmente, como uma jogadora que realmente vai para cima e atacando por cima, você vê que o jogo inteiro eu tentava buscá-la e eu saltava, passando a cabeça, mais ou menos o peito da rede, e ela passando por cima. É realmente uma jogadora diferenciada. Eu acho que nos próximos anos vai ser a grande jogadora no mundo. É difícil pará-la, só quando ela erra mesmo. Tanto é que nesse jogo acho que se não me engano ela cometeu oito erros que na verdade foram de ataque. A gente não conseguiu bloqueá-la, conseguimos amortecer alguns momentos, defender uma bola ou outra, mas ela é realmente imparável.

OC: Tem algo no seu jogo que você gostaria ainda de melhorar, de evoluir?

Gabi: Eu sempre falo que tem que melhorar de tudo um pouco. Nesses últimos anos eu tinha o objetivo muito grande de conseguir me firmar um pouco mais ofensivamente e realmente ajudar mais a equipe, tanto na seleção quanto no clube.

Acho que essa temporada eu consegui participar um pouco melhor. Sempre tive uma dificuldade muito grande no bloqueio, por ser baixa e, apesar de saltar bastante, tecnicamente eu acho que isso é um ponto que eu preciso evoluir muito. Acho que o meu saque melhorou muito. Na recepção e no fundo de quadra eu sempre tive uma facilidade maior, treinei muito para isso também por ser mais baixa.

Sempre tive isso na minha cabeça, que para jogar em qualquer time do mundo, realmente tinha que ser um nível acima, um percentual acima, tudo faz a diferença.

OC: Você vai jogar a partir de qual momento na Liga das Nações?

Gabi: Eu conversei um pouco com o Zé (José Roberto Guimarães, treinador da seleção). Ainda não tenho certeza de que momento eu me apresento. Acho que ele está tentando ver como as coisas vão acontecer. Eu sei que essa primeira semana eu volto dia 31 ao Brasil. Ele está preocupado porque eu tive uma pequena lesão no tornozelo na Copa Turca, então é um cuidado que tenho que ter um pouco maior. Não é que eu esteja com problema, com muitas dores, mas é um cuidado que a gente tem que ter. É bem provável que ele me dê pelo menos uma semana, dez dias, aí eu volto a treinar com a seleção.

Mas estou bem animada, eu quero me juntar o quanto antes à seleção. Eu gosto, o pessoal, fala: "Gabi, não é possível...você precisa de folga, você tem que descansar a cabeça", sei que é importante, até que estou tirando um tempo agora para poder realmente descansar mentalmente, para quando me juntar à seleção, voltar 100%. Mas eu realmente gosto, eu gosto de vestir a amarelinha, eu gosto de estar com a seleção, quero estar com as meninas. Sei que vai ser importante estar com elas também.

Então, quem sabe apareço aí em Brasília? Não tenho certeza, ainda não posso dar uma data certa, mas eu posso dizer que eu estou bem animada e é um ano muito importante, ano de Mundial. Então quero me juntar o mais rápido possível para poder ajudar, enfim, estar lá e representar o país.

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(Milad Payami)

OC: Vai ser uma agenda repleta com a seleção a partir de agora até meados do segundo semestre. Como você está fisicamente, como continuar dando o máximo?

Gabi: Sem dúvida nenhuma foi uma temporada muito desgastante, uma temporada longa, mais ou menos emendada já no meu segundo ano com o VakifBank, direto para a seleção, sem tanto tempo de folga, que foi o ano de Tóquio.

Então foi muito pesado. Estou cansada, cansada também mentalmente. E, é claro, a gente tem essa coisa que a gente quer treinar, que quer voltar e que está bem fisicamente. Até o Zé falou, "Não, Gabi você tem que ter, você tem que ter um descanso, você precisa disso, porque você está em alta performance há muito tempo." Então, se não tiver esse descanso, essa pausa para o corpo, você colocar o seu corpo no máximo o tempo inteiro, realmente o perigo de lesão é muito grande, então não vale a pena arriscar.

Mas, ao mesmo tempo estou tentando durante a temporada fazer um trabalho mental muito grande. Mantenho os meus trabalhos físicos, porque eu sei que se eu paro, eu perco na condição física.

Eu não tenho muita folga e eu preciso muito do meu corpo...então assim, é maximizar o que eu puder, o potencial físico e mental, tudo para realmente dar conta e continuar mantendo um alto nível.

OC: Em Tóquio, vocês chegaram um pouco desacreditadas e foram prata. Qual é o segredo da força desse time?

Gabi: Sem dúvida nenhuma a gente mostrou a força do time em Tóquio. Eu falei muito sobre isso, continuo falando que as pessoas julgaram muito a gente, não acreditavam que poderíamos ter feito aquela final contra os Estados Unidos, né? Muito em decorrência também de que não tivemos um ciclo Olímpico tão vitorioso, um mundial que a gente não foi tão bem, que a gente não conseguiu ganhar, vencer tantos campeonatos.

Mas eu sempre falo, né...a Seleção brasileira conquistou duas medalhas de ouro nas edições de Pequim e Londres, pelo fator time. Não tem uma jogadora como é a Egonu para a Itália, como é a Bošković na Sérvia, como são outras jogadoras que jogam individualmente e que conseguem levar as equipes a finais e campeonatos.

Então o Brasil tem um diferencial muito grande na equipe, no conjunto. A gente vai passar por um processo de renovação muito grande, de jogadoras novas e que mais uma vez, não acredito que a seleção nesse ciclo vai depender de uma jogadora só. Eu tenho certeza que a gente vai fazer, vai fazer um ciclo muito bonito.

OC: Você se vê como uma líder da seleção nesse ciclo?

Gabi: Acho que sim. Porque eu tive a oportunidade desde nova de de viver muita coisa com a seleção brasileira. Mas acredito que não só eu, como a Macris também, a Carol, jogadoras que também estão remanescentes de Tóquio que continuam.

Mas eu acho que a gente vai ter um processo importantíssimo para essas meninas que estão chegando agora, de realmente mostrar que o time é força, não é o individual. É o trabalho, a entrega, o foco, a determinação e, principalmente, a resiliência. A gente sabe que o vôlei feminino do Brasil realmente espera sempre o pódio, sempre o ouro.

Então, acho que a gente vai ter que ter muita paciência também. Vai ser um ciclo de muita renovação e de novas caras entrando, mas que, sem dúvida nenhuma, a gente vai entrar com a mesma força, a mesma entrega e a mesma determinação.

OC: Você acha que jogar na Europa dá uma vantagem na questão de jogar mais com as atletas das outras seleções?

Gabi: Sem dúvida. Esse foi um planejamento que eu fiz na minha carreira. O voleibol europeu é diferente do voleibol brasileiro, da Superliga principalmente. São jogadoras muito altas, é um jogo de físico, de potência, de muita força. As melhores do mundo estão aqui, né...você vê a final de Champions League, praticamente duas seleções disputando uma final.

Acho que amadureci muito tecnicamente, mas principalmente porque é realmente uma pressão diária. Os times realmente montam, trazem estrangeiras principalmente para rendimento. É uma pressão boa. Acho que que eu cresci muito, que foi e me ajudou muito. Inclusive é um motivo que eu tenho de continuar aqui fora até Paris, acho que vai ser uma preparação muito importante para mim.

OC: O título da Liga das Nações ainda falta para a seleção feminina. Qual na sua opinião é o maior desafio que o torneio coloca pela frente?

Gabi: Acho que o que mais difícil da Liga das Nações é que são muitos jogos em um curto espaço de tempo, e principalmente por começar muito próximo ao fim dos campeonatos de clubes, muitas jogadoras não conseguem participar.

É um campeonato muito desgastante, de muitas viagens, a gente cada semana está em um país, com alimentação diferente, fusos horários diferentes. A preparação física ser feita para quatro jogos seguidos, para muitas viagens, pouco descanso, o fuso horário completamente diferente e acaba que tem que trocar o time. Você não consegue jogar as mesmas jogadoras todos os jogos. Então, até por um entrosamento também é um pouco difícil.

Mas é sem dúvida nenhuma uma oportunidade muito grande, porque você acaba jogando com todas as seleções e você tem a oportunidade de entender o que as seleções estão fazendo, estão se preparando para os campeonatos. Esse ano a gente tem o Mundial, então a gente poder entender e ver o que é as seleções vão apresentar.

OC: Quais países você vê como favoritos pra Liga das Nações este ano?

Gabi: Sempre a grande favorita vai ser os Estados Unidos. São 14 jogadoras que se uma não está jogando bem, entram outras de qualquer posição e entram com a mesma qualidade. Eu colocaria junto a seleção da Itália, a Sérvia e a seleção da China, também. Tem a Polônia com a volta da Wolosz, acho que vai dar um ganho muito grande no time, então acho que vai ser uma seleção que vai crescer bastante com a volta dela. A seleção dos Países Baixos que no ano passado já mostrou qualidade muito grande...a seleção da Turquia, estou vendo de perto a evolução e o crescimento das jogadoras, principalmente com o Guidetti, que na minha opinião, hoje é um dos grandes treinadores do mundo.

Então, eu não diria que vamos ter apenas um favorito. Acho que teremos muitas surpresas e não consigo chutar nenhum que seriam os grandes finalistas. Acho que a gente vai ter muita surpresa bacana. Vai ser uma VNL (sigla em inglês para Liga das Nações de Voleibol - Volleyball Nations League) muito disputada.

OC: A Sheilla se aposentou recentemente, um grande nome do vôlei. Qual foi sua reação e o que você acha que ela representa?

Gabi: Eu fiquei muito triste. Eu acho que o que ela representa vai ficar eternizado por tudo o que ela fez pelo vôlei, eu acho que muito mais pelo exemplo, a gente sabe de todas as conquistas, mas acho que é um exemplo realmente de dedicação, de amor, de paixão, de entrega, de realmente vestir a camisa da seleção brasileira, e se entregar completamente, abrir mão de família, abrir mão de tudo.

E eu acho que é isso, é uma jogadora que, enfim, fez história com a seleção.

OC: O que os Jogos Olímpicos significam para você?

Gabi: Acho que é a realização de um sonho. Eu sempre tive o sonho de disputar os Jogos. Eu participei de duas (edições) e é um momento mágico. Tem que trabalhar para realmente conseguir participar dos Jogos, porque é a realização de um sonho. Tive a oportunidade de realizar meu sonho...conquistar uma medalha de prata.

Agora o meu grande sonho é ser campeã Olímpica e espero conseguir realizá-lo também.

(Milad Payami)
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