Há 30 anos, António Pinto se tornava o primeiro (e único) português a vencer a Maratona de Berlim

António Pinto disputou quatro edições dos Jogos Olímpicos e se eternizou como um dos grandes maratonistas de Portugal

6 minPor Leandro Stein
António Pinto, de Portugal
(Julian Herbert /Allsport)

O atletismo produziu alguns dos maiores atletas da história de Portugal, em especial a maratona. Os Jogos Olímpicos são prova disso, com os ouros de Carlos Lopes (LA84) e Rosa Mota (Seul 1988). António Pinto não subiu ao pódio Olímpico, apesar de quatro participações nos Jogos. De qualquer maneira, se eternizou pela lista de vitórias em algumas das maiores maratonas do mundo.

A maior ligação de António Pinto é com a Maratona de Londres, que ganhou três vezes e somou outros quatro pódios, estabelecendo inclusive o recorde europeu da distância em 2000. A carreira do maratonista, contudo, incluiu outros feitos em “majors”. Há 30 anos, ele se tornou o primeiro (e ainda hoje único) português a conquistar a Maratona de Berlim.

A marcante vitória de António Pinto na Alemanha aconteceu em 25 de setembro de 1994. O português completou a prova em 2h08min31s, 19 segundos à frente do queniano Sam Nyangincha, o segundo colocado. Era um triunfo que confirmava seu alto nível, dois anos após seu primeiro título na Maratona de Londres.

Em 2024, a Maratona de Berlim comemora 50 anos. A próxima edição da prova acontecerá no domingo, 29 de setembro. Aproveitamos, então, para relembrar os 30 anos da conquista de António Pinto e a sua história.

António Pinto, de Portugal

(Jamie McDonald /Allsport)

Do ciclismo às maratonas

António Pinto nasceu em 22 de março de 1966, em Amarante, ao norte de Portugal. Sua história no esporte começou através do ciclismo, modalidade que adorava praticar. Contudo, as dificuldades para ter os melhores equipamentos o levaram a outro terreno: o atletismo. Tinha 15 anos quando participou de uma corrida em sua cidade e ficou na segunda colocação. A partir de então, dedicou-se às longas distâncias.

"O atletismo é um desporto muito exigente em termos físicos, onde tem de se ter uma vida de sacrifício se o objetivo for de atingir bons resultados, perseguindo a ideia de se ser um atleta de nível mundial", declarou António Pinto, à Sociedade Portuguesa de Matemática, em 2013.

A eclosão de António Pinto no atletismo aconteceu num momento prolífico para Portugal. Como iniciante na Associação Desportiva Amarante, pôde acompanhar de longe as glórias de Carlos Lopes e Rosa Mota nos Jogos Olímpicos LA84, respectivamente vencedores do bronze e do ouro na maratona. Já em Seul 1988, aos 22 anos, o novato fez sua estreia.

A primeira participação de António Pinto nos Jogos Olímpicos aconteceu na prova dos 10.000m. O português terminou no 13° lugar, com um desempenho que demonstrava seu potencial para voos maiores. Como parte da delegação, desta vez pôde ver de perto o sucesso de Rosa Mota ao arrebatar o ouro na maratona.

António Pinto, de Portugal

(Chris Cole/ALLSPORT)

Status de futebolista

Ainda em 1987, António Pinto passou a representar o atletismo do Futebol Clube do Porto. Já em 1991, o fundista trocou o norte de Portugal pela capital, Lisboa, contratado pelo Benfica. Sua transferência curiosa foi uma “vingança” de um torcedor benfiquista, incomodado com a ida do atacante Rui Águas para o time de futebol do Porto.

"Toda a gente ficou surpreendida na altura. Foi um investidor benfiquista doente, o Marcel de Almeida, que tinha ficado magoado por o FC Porto levar o Rui Águas e investiu do bolso dele para nos levar para o Benfica. Tinha muito dinheiro: fizemos um contrato ao nível de um futebolista", rememorou Pinto, ao Diário de Notícias, em 2017.

Aquele foi um momento importante para o amadurecimento esportivo de António Pinto. Em abril de 1992, o português teve sua primeira grande vitória em uma maratona, ao ganhar a Maratona de Londres. Repetia o feito de Rosa Mota, campeã da mesma prova em 1991. Naquele mesmo ano, Pinto esteve presente em Barcelona 1992, mas não encerrou a maratona.

A partir de então, o nome de António Pinto era constante no circuito mundial das grandes maratonas. "Abdicávamos de estar noutras provas para prepará-las, chegar lá e dar espetáculo. Em Londres gostavam de mim por isso: porque eu dava espetáculo", recontou o veterano, também ao Diário de Notícias.

António Pinto, de Portugal

(Clive Mason /Allsport)

Campeão em Berlim

O ano de 1994 marcou a saída de António Pinto do Benfica rumo ao Maratona CP, que representou até o fim da carreira. Um grande momento naquele ano já ocorreu na Maratona de Paris, em que o lusitano terminou na segunda colocação. Naquela mesma temporada, ele ficou em nono nos 10.000m do Campeonato Europeu de Atletismo realizado em Helsinque. Isso até que a Maratona de Berlim oferecesse um resultado excepcional.

Aquele foi o melhor tempo de António Pinto nas principais maratonas do mundo até então, ao correr pela primeira vez abaixo de 2h10min. A marca de 2h08min31s permitiu que o português vencesse a forte concorrência dos quenianos, com cinco atletas entre os dez primeiros da competição. Portugal, ainda assim, teve outro Top 10: Juvenal Ribeiro, na oitava colocação, quase quatro minutos atrás do campeão.

"Tens que treinar muito. Se treinar muito, consegue teus objetivos. Claro que, se não tiver as qualidades, não adianta treinar muito. E depois é fazer as coisas com prazer. Quando nós fazemos as coisas com prazer e se treina, os resultados aparecem", comentou António Pinto, em 2016, ao Porto Canal.

António Pinto voltou a Berlim para defender seu título em 1995, mas não conseguiu o bicampeonato. A terceira colocação, de qualquer maneira, era bastante honrosa. Também foi o terceiro na Maratona de Londres em 1995. Já em 1996, foi vice-campeão da Maratona de Tóquio e alcançou o 14° lugar nos Jogos Olímpicos em Atlanta.

António Pinto, de Portugal

(John Gichigi/Getty Images)

O hábito que se mantém

A Maratona de Londres representou mesmo o ápice de António Pinto. O português foi campeão da prova britânica mais duas vezes, em 1997 e 2000, ambas com o recorde do evento. Nesta última, inclusive, estabeleceu o recorde europeu da maratona. Entre uma e outra, ainda teve o gosto de ganhar os 10.000m do Campeonato Europeu de Atletismo Budapeste 1998.

O melhor resultado de António Pinto em Jogos Olímpicos aconteceu em Sydney 2000, com o 11° lugar na maratona. Se não deu para ganhar medalha, as quatro participações enriquecem a história de um maratonista de elite. Em 2001, ele ainda voltou ao pódio da Maratona de Londres pela sétima e última vez, com o terceiro lugar.

A despedida de António Pinto da carreira competitiva aconteceu em 2005, aos 39 anos. Estava saturado da rotina de atleta, mas não do atletismo. As corridas seguiram como parte do dia a dia do veterano, enquanto se dedicava a outros prazeres – estudou, criou uma escolinha para incentivar os mais jovens e também passou a cuidar de sua quinta.

"Treino quase todos os dias. Só não o faço quando está muito mau tempo. Agora posso desfrutar do verdadeiro atletismo, sem pressão: vou a duas ou três meias-maratonas por ano e a provas de 10 ou 12 km, com os amigos, pela diversão. Temos sempre o bichinho cá dentro", contou, ao Diário de Notícias. Um bichinho que o levou a façanhas e o mantém como triplo recordista nacional dos 5.000m, dos 10.000m e da maratona.

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