Nos últimos 18 meses, a ginasta Rebeca Andrade fez história – e muita.
Nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, realizados no verão de 2021, a jovem de 23 anos se tornou a primeira brasileira a conquistar o ouro na ginástica, com o título do salto, e também a primeira do país a subir ao pódio do individual geral, quando ficou em segundo, atrás de Sunisa Lee, da equipe dos Estados Unidos.
Ela deu sequência nos bons resultados com ouro no salto e prata nas barras assimétricas durante o Mundial de Kitakyushu, no Japão.
Mais recentemente, ela conquistou mais um primeiro lugar inédito, tendo sido ouro no individual geral do Mundial de Liverpool, na Inglaterra.
Observando-a no último um ano e meio, Rebeca Andrade fez com que tudo parecesse fácil, pois ela dominou e aperfeiçoou o salto e o equilíbrio.
Mas, por trás de toda essa história, o mundo da ginástica esperava que o talento único de Rebeca se concretizasse desde que ela fez sua estreia internacional sênior, em 2015.
As lesões em 2015, 2017 e 2019 teriam dado a ela todas as desculpas para deixar o esporte. Em vez disso, seguiu em frente, fazendo história como uma recompensa.
“Queria muito uma conquista assim no individual geral, porque acho que é onde tenho mais chances também com o salto, com o solo também”, disse Andrade em entrevista exclusiva ao Olympics.com após o encerramento do Mundial. “Mas de ter na minha carreira mesmo, pelo menos uma vez na vida, ser a atleta mais completa do mundo foi bem importante para mim. Este ouro é muito importante para mim, então estou bem feliz.”
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Rebeca Andrade: ‘Baile de Favela’
A história de Rebeca Andrade tem um começo humilde, para dizer o mínimo.
Uma dos oito filhos de mãe solo, Rosa, o talento de Rebeca foi reconhecido desde cedo. Ela caminhava por horas pela sua cidade natal, Guarulhos, na Grande São Paulo, para poder treinar. Lá viveu até os 10 anos.
Seu talento a levou para o Rio de Janeiro e para o Clube de Regatas do Flamengo, onde ela ainda hoje treina e, eventualmente, seus sucessos permitiram que ela ajudasse a mudar a vida de sua família, inclusive comprando um apartamento.
Ela lembrou a sua origem humilde nas últimas duas temporadas com uma coreografia definida como 'Baile de Favela'.
Tem sido um clássico instantâneo para a ginasta.
“Acho que todo mundo gostou muito e foi uma música que combinou comigo, que eu gostava de me apresentar, ainda gosto e acho que vai ser bem difícil a gente achar uma música que faça tanto sucesso quanto essa", disse Rebeca sobre a rotina, que pretende mudar para a temporada 2023. “Mas espero que a gente consiga encontrar."
Ela também espera que a música e toda a sua sequência sejam lembradas por oferecerem algo muito maior do que simplesmente ser uma icônica rotina da ginástica.
“Acho que dá para acreditar, de saber que mesmo com todas as dificuldades, você tem capacidade para alcançar o que você quiser”, disse Rebeca Andrade sobre a história por trás da escolha musical. “Não só escutando a música, mas também vendo minha trajetória, vendo a minha história para as pessoas não só dentro do esporte, mas fora também de saber que é difícil mesmo, mas que se você quer, se tiver vontade, se quiser fazer acontecer, você consegue. Acho que essa é a mensagem que ela passa.”
A crença que Rebeca tem naquilo que é capaz, que a impulsionou em tempos difíceis e momentos de alto risco, veio, diz ela, em parte por ter visto sua conterrânea Daiane dos Santos fazer história como a primeira brasileira campeã mundial de ginástica.
“Eu sei como é importante para você ter alguém para ser um espelho, para se inspirar”, disse Andrade.
“Eu tenho a Daiane dos Santos como isso para mim. Então, hoje fazer esse papel, como ela fez pra mim, é muito bom. É muito importante para as crianças e adolescentes, para os adultos. Gosto muito de ser essa referência e tento sempre ser o melhor que eu posso para que as pessoas continuarem se espelhando em mim.”
Rebeca Andrade: 'O objetivo principal é estar saudável e feliz'
Ela, junto com o técnico, Francisco Porath, foi cautelosa nos anos seguintes à sua terceira ruptura do ligamento cruzado anterior. Selecionando e escolhendo minuciosamente quando fazer o solo.
Em 2022, ela só fez exercícios de solo duas vezes antes do Mundial e, mesmo quando o fez, optou por um grau de dificuldade menor.
"Converso muito com meu treinador e confiamos um no outro. Sempre tentamos estar realmente seguros e fazer o solo nos momentos certos. Ele acredita em mim. Não vou mentir para não fazer algo", disse Andrade através de tradução em Liverpool, sobre a estratégia. “Então, quando eu realmente digo a ele que não posso, é porque não posso e ele sempre respeita isso.”
Essa abordagem parece estar funcionando - e Rebeca não dá sinais de parar.
Ela quer uma vaga em Paris 2024, a que pode ser sua terceira participação Olímpica, mas não está focada em medalhas.
“O objetivo principal é estar saudável e feliz”, comentou ela sobre os próximos Jogos.
E, claro, estar lá com sua equipe. Em 2019, com Rebeca sentada nas arquibancadas no Campeonato Mundial, de fora por conta de uma lesão, ela viu suas companheiras de equipe sofrerem com mais lesões e rotinas perdidas.
Eles terminaram em 14º, a dois lugares da colocação necessária para classificação Olímpica.
“E o outro (objetivo), que é o principal, é a gente se classificar como equipe”, disse Rebeca. “Acho que vai ser bem importante para mim, para a minha equipe, e o foco é esse, o que acontecer lá o resultado é consequência do nosso trabalho, do nosso empenho. Mas eu realmente muito estar lá com minha equipe e estar feliz e saudável”.