Pioneira do skeleton no Brasil e enfermeira, Nicole Silveira mostra que tudo é possível

Depois de um excelente oitavo lugar no evento-teste da modalidade na pista de Yanqing, a gaúcha de Rio Grande não vai ter descanso nos próximos meses a fim de somar pontos, classificar-se e preparar-se para os Jogos Olímpicos de Inverno, em fevereiro. Primeira parada: Copa América, neste fim de semana em Whistler, no Canadá. Confira a entrevista do Olympics.com com a atleta brasileira.

6 minPor Virgílio Franceschi Neto
NS

O Centro Nacional de Esportes de Pista de Yanqing será o palco do skeleton em Beijing 2022, entre 10 e 12 de fevereiro. É lá que o Brasil poderá ser representado nesse esporte pela primeira vez em Jogos de Inverno. Nicole Silveira tem grandes chances de classificação e ser a pioneira. O Olympics.com conversou com ela sobre a sua história na modalidade, como foi o início deste sonho, o caminho que precisa seguir até Pequim e como ela concilia as atividades como enfermeira e atleta de rendimento.

O início

Os esportes sempre fizeram parte da vida desta brasileira de 27 anos, quase 20 deles vividos no Canadá. Foi atleta de futebol, era fisiculturista e no rugby atuava como abertura, centro e full-back. O skeleton surgiu por acaso, através do bobsled, quando estudava Enfermagem e trabalhava em uma loja de suplementos, em Calgary. Um amigo que estava na loja descobriu que era brasileira e comentou com ela que o Brasil procurava por atletas para fazerem parte do time feminino do bobsled.

"Não," ela respondeu. Mas quis o destino que uma amiga da família também comentasse isso com os seus parentes. Nicole encarou como uma segunda chance e que não podia desperdiçar.

Era agosto de 2017.

Aos poucos tomou gosto pelo esporte e passou a levá-lo mais a sério. No entanto, para obter uma vaga em PyeongChang 2018, precisava pedir licença da faculdade. Era o último semestre do curso. Foi uma escolha decisiva para ela, determinante para a carreira, uma vez que nunca havia se afastado dos estudos. Com o apoio da família, dos amigos e do corpo docente, passou a se dedicar ao sonho Olímpico.

A classificação para os Jogos não aconteceu. Nicole retornou ao Canadá e pôde terminar a graduação.

O skeleton

A paixão pelos esportes de pista ficou, mas se fosse para ficar no bobsled, ela tinha a certeza de que não queria ser a breakwoman (a atleta que empurra e aciona o freio durante a descida), mas sim piloto. A outra alternativa era praticar o skeleton. "Queria ter o controle. Ou seria piloto ou iria para o skeleton."

Como nunca antes o Brasil teve uma representante no skeleton, teve o sinal positivo do presidente da Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG) e, assim, passou a se dedicar à modalidade.

Era fevereiro de 2018.

Como sem grandes pretensões, meses mais tarde, em outubro, partiu para temporada de treinos em Whistler, cidade próxima a Vancouver, sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2010. Tamanha foi a evolução em duas semanas que ela se perguntou: "Por que não competir?"

Quando perguntada para descrever o skeleton, Nicole não hesita: "Loucura (risos). Estimulante, muita adrenalina. Eu amo muito."

É inegável que esse esporte envolve vários riscos. Por mais experiente que seja o atleta, o medo existe. É preciso lidar com ele e com o pânico. Tudo o que for do instinto do ser humano, é preciso colocar de lado. Para ela, o importante no skeleton é manter a velocidade no trenó, ter noção de localização e sentir a pressão que a descida faz sobre o corpo, a fim de entrar nas curvas de maneira correta.

(2020 Getty Images)

Os Jogos Beijing 2022

Com segurança, paciência e bastante trabalho, Nicole progride no skeleton. Há três anos, ela e o treinador, Joe Cecchini, vislumbravam a classificação parra Beijing 2022. Há dois, já imaginavam-na estar entre as 20 do mundo. No ano passado, estar entre as 15 não era tão distante.

No passado mês de outubro, passou por três semanas de treinos na pista oficial dos Jogos Olímpicos de Inverno do próximo mês de fevereiro, em Yanqing. Era uma pista que poucos tinham noção de como era. Entre muitas descidas, erros e acertos, uma oportunidade de se conhecer mais enquanto atleta. Ao final desse período, a realização do evento-teste para os Jogos e a conquista de um oitavo lugar, à frente da medalhista de PyeongChang 2018, Laura Deas (GBR).

Este resultado foi um incentivo a mais para a brasileira buscar um sonho, que é de estar entre as 10 melhores atletas do mundo.

Rumo a Pequim

Para se classificar para os Jogos, Nicole precisa estar entre as 25 melhores do mundo até meados de janeiro. Para que isso aconteça, ela não vai ter descanso nos próximos meses. A agenda está repleta de competições.

A primeira delas é no fim-de-semana de 7, 8 e 9 de novembro, com a Copa América em Whistler, no Canadá. Na sequência, dias 13 e 14, a Copa Intercontinental, também em Whistler. Ainda em novembro ela ruma a Park City, no Utah (Estados Unidos), para a disputa de duas Copas América e duas Copas Intercontinentais.

Em dezembro ela embarcará para fase europeia dos torneios, para competir na Copa do Mundo IBSF. Serão duas etapas em Altenburg e Winterberg (ambas na Alemanha), uma em Sigulda (Letônia) e outra em St. Moritz, na Suíça.

É bastante importante participar de eventos de Copa do Mundo, uma vez que ajudarão a somar pontos para o ranking, que será divulgado pela IBSF (sigla em inglês para Federação Internacional de Bobsled e Skeleton) em 16 de janeiro.

Na disputa por uma vaga nos Jogos, ela terá como principais adversárias as competidoras de nações emergentes. Os dois primeiros países do ranking têm direito a três vagas. Os quatro países seguintes levam dois trenós. Sobram 11 lugares destinados a países que só podem levar uma atleta. Entre as principais concorrentes de Nicole estão: Áustria, França, Letônia, Países Baixos, Itália, Porto Rico, Suécia, Bélgica e República da Coreia.

Quase todos eles são países com bastante tradição nos esportes de gelo e neve.

Atleta e Enfermeira

Nicole ainda precisa conciliar toda essa programação com a carreira de Enfermeira, em Calgary. Por conta do calendário no esporte, ela tem atuado apenas durante o verão canadense, mas trabalhado o máximo possível de horas, já que precisa exercer determinada carga horária para manter o registro profissional.

"Gosto do que faço e faço porque também preciso. O esporte não é barato e preciso guardar dinheiro suficiente durante o verão para a temporada que vem no inverno," completa Silveira.

Apesar de tanto tempo fora do Brasil, ela tem orgulho em ser brasileira. Mesmo o tempo e a distância não deixaram-na perder o sotaque gaúcho. Natural de Rio Grande, no sul do Rio Grande do Sul, durante a conversa deixou perceber suas raízes através do vocabulário típico dos brasileiros daquela região.

Sente-se feliz em falar para o mundo de onde é e ter a oportunidade de representá-lo. Apesar de poder ter competido por um país com muito mais histórico em esportes de gelo e neve como o Canadá, ela optou pelo Brasil.

"Meu sonho é mostrar que nações pequenas também podem competir," finaliza.

Mais de