Marta sente seu maior orgulho em Jogos Olímpicos e deixa o sonho como dádiva
Marta havia indicado anteriormente que Paris 2024 seria sua “última dança” no futebol dos Jogos Olímpicos. A Rainha vinha para a sua sexta participação, com uma história repleta de grandes momentos. As companheiras, então, ganharam um motivo a mais para jogar: ganhar a medalha não só por elas ou pelo Brasil, mas também pelo grand finale de Marta. Ninguém merecia mais. E conseguiram oferecer uma prata que é bastante representativa à craque. Que a orgulha.
“Essa medalha aqui representa o resgate, o resgate do orgulho que a gente tem em ver que o futebol feminino do Brasil, sim, pode ser competitivo. Tem talento, mas precisa ser mais valorizado”, declarou Marta, depois da final. Nenhum futebolista do Brasil, homem ou mulher, tem mais medalhas Olímpicas do que a camisa 10. Entre as mulheres de todos os esportes, apenas Rebeca Andrade a supera. Com três medalhas, a craque iguala Thaísa (vôlei), Fofão (vôlei) e Mayra Aguiar (judô).
“Eu estou chorando aqui de gratidão, de felicidade. Não estou chorando aqui lamentando que a gente ficou com a prata. Olha o quanto a gente teve que se superar nessa competição para chegar nessa final. Então essa prata é o resgate do orgulho que a gente tem que sentir quando coloca a camisa da seleção brasileira e representa o nosso país.”
A mobilização das companheiras por Marta, de certa maneira, lembrou o que aconteceu com a seleção da Argentina durante a Copa do Mundo de 2022. Os argentinos dariam seu máximo em campo para que Lionel Messi saísse com a grande glória que lhe faltava. Algo parecido ocorreu com Marta, até pelas circunstâncias, com sua expulsão na fase de grupos. Todas se uniram para que a capitã disputasse um jogo mais em Paris 2024. Mais poético ainda, valendo ouro. Nem sempre os finais são os ideais, mas não deixou de ser também feliz. Pela terceira vez, Marta ficou com a medalha de prata.
A derrota na final para os Estados Unidos está distante de representar um pesar à craque. Muito pelo contrário. O orgulho prevalece: “Eu acho que, quando eu ganhei a medalha de prata as duas vezes anteriores, em 2004 e 2008, não senti tanto orgulho como estou sentindo nesse momento. Foram 16 anos esperando voltar a uma final de Olimpíada. E, pelo histórico das competições anteriores da seleção, vamos ser sinceros, quase ninguém estava acreditando que o Brasil iria chegar a uma final, que iria sair daqui com a medalha.”
MAIS: Brasil é superado pelos EUA na final e termina com a prata
O legado oferecido por Marta: que os sonhos virem realidade
Marta ensinou muitas das jogadoras presentes nos Jogos Olímpicos a gostarem de futebol -- mesmo as adversárias, algo que americanas e espanholas declararam publicamente nos últimos dias. Os shows da camisa 10, ao longo de duas décadas, nenhuma outra futebolista deu na história. As companheiras mais novas sequer devem se lembrar da Seleção sem a craque. Os Jogos Olímpicos foram também sobre ela.
"Este foi um momento muito emocionante. Estou muito orgulhosa por ter conquistado essa medalha e ser parte desse time, jogando junto com a nova geração. Acho que meu legado pode ser sentido e visto quando você assiste ao nosso time, com tantas jogadoras jovens, tendo grandes conquistas como essa medalha mesmo após as dificuldades e lesões que sofremos", declarou Marta, depois da final.
O sonho vivido em Paris 2024 é o recorte de algo muito maior para a seleção brasileira e para a craque. Marta ensinou a muitas meninas que era possível virar profissional no futebol e chegar aos Jogos Olímpicos. Mais do que medalhas, recordes ou seis prêmios de melhor do mundo, esse é seu maior feito: a possibilidade do sonho que se concretizou a tantas de suas súditas.
A história, contudo, ainda poderia ser maior. E isso ajudou a seleção brasileira a crescer em Paris 2024 mesmo sem Marta. A Rainha sempre deu o exemplo de como “lutar como uma garota”. Nesta campanha fantástica, elas lutaram também por Marta. E nunca deixarão de ter motivos para lutar, e também sonhar, quando o futebol feminino segue com mais espaço a conquistar. Com mais meninas a serem inspiradas. Gerações anteriores a Marta plantaram essa semente que a craque fez florescer mais do que qualquer outra.
"Joguei minha primeira edição dos Jogos Olímpicos quando tinha 18 anos. Agora estou cercada por jogadoras que são muito jovens, e espero que todas as dificuldades e lutas que eu encarei desde que comecei tenham ajudado a pavimentar o caminho para elas", disse a craque, depois da final. Muitas garotas que se identificam com essa trajetória são aquelas que se doaram em campo nestes Jogos Olímpicos e seguirão se empenhando por mais ao futebol feminino. Elas têm uma referência. Ela sempre terão Marta.
Os passes magistrais de Marta em Paris 2024
Marta também se preparou para viver a sua última edição dos Jogos Olímpicos. Isso ficou nítido em campo. A Rainha pode não ter evitado uma campanha oscilante na fase de grupos, mas os toques de genialidade do time vinham dela. A campanha só seguiu em frente também por conta da camisa 10.
A vitória sobre a Nigéria na estreia se abriu por causa de Marta. Foi num lançamento magistral da craque que surgiu o gol de Gabi Nunes. A capitã poderia até ter inaugurado a contagem, num gol que a tornaria a maior artilheira da história dos Jogos Olímpicos, igualando Cristiane, mas o tento foi anulado. Importante também a forma física da veterana, que correu durante os 90 minutos mais acréscimos. Exibiu um preparo físico superior ao dos últimos ciclos.
Quando a vitória sobre o Japão estava nas mãos, também foi por causa de Marta. Outro lançamento magistral permitiu o gol do Brasil no início do segundo tempo. A camisa 10 ficou em campo por 85 minutos, substituída para ganhar um descanso. Sua liderança poderia ser importante para acalmar os difíceis minutos finais, em que os erros brasileiros custaram caro e permitiram a virada japonesa.
Já diante da Espanha, Marta não conseguiu tirar o coelho da cartola. Num lance imprudente, a craque foi expulsa por jogo perigoso, com cartão vermelho que custou duas partidas de suspensão. Apesar de todos os temores, o saldo de gols salvou a classificação do Brasil como uma das melhores terceiras colocadas. Marta só voltaria a campo em caso de disputa de medalha, após o recurso da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) não ser aceito. As companheiras tinham um motivo a mais para lutar pelo pódio.
Mais seleção brasileira de futebol
Por Marta e por todas
Sem Marta, o Brasil teve suas herdeiras em campo contra França e Espanha. Se não dá para desfrutar de outra camisa 10 tão cerebral, todas as 11 trataram de se unir para preencher a lacuna deixada pela craque. Foi um time com inspiração, mas ainda mais transpiração, para uma marcação voraz e ataques rápidos. Assim, a anfitriã França sucumbiu num jogo dramático. Assim, a campeã mundial Espanha sofreu quatro gols e poderia ter tomado ainda mais.
Se a Seleção não contou com os lançamentos e dribles de Marta, seus ensinamentos se multiplicaram em todas as posições. Aqueles pedidos de cinco anos atrás, feitos dentro da própria França durante a Copa do Mundo de 2019, de “chore no começo pra sorrir no fim", reverberaram em todos os cantos do campo. A liderança da camisa 10 não precisa necessariamente que ela esteja no gramado.
O antigo discurso esteve em Lorena, o paredão que se erigiu no gol brasileiro. Em Tarciane, soberana na zaga. Em Lauren, que assumiu a braçadeira e mostrou autoridade. Em Yasmim e Ludmila, essenciais escapes nas alas. Em Vitória Yaya, guerreira no meio-campo. Em Priscila e Jhennifer, incessantes na frente. Em Gabi Portilho, estelar nas duas vitórias. Em Adriana e Kerolin, que saíram do banco também para decidir. Em cada uma que se doou a cada instante.
E a ausência sentida do Brasil não foi apenas Marta. A Seleção sofreu com as lesões durante a campanha inteira nos Jogos Olímpicos e perdeu outras jogadoras fundamentais. Antônia e Tamires tiveram contusões sérias, que provocaram seus cortes. O departamento médico ainda tratou de outras atletas – Rafaelle, Tainá, Vitória Yaya. O sacrifício estava evidente em algumas que lutaram contra o corpo, como a própria goleira Lorena. A recompensa veio com o pódio.
“Foi essa confiança que a gente depositou no trabalho do professor Arthur e a maneira como a gente soube lidar com os altos e baixos da competição. Atletas machucadas, eu tive que ficar dois jogos fora, galera começa a falar mal. O momento era de se fechar e a gente realmente tentou minimizar esses empecilhos”, salientou Marta, depois da final em Paris 2024.
Futebol em Paris 2024
O futebol feminino não para em Paris 2024
A emoção ao redor de Marta foi inegável depois das classificações do Brasil. A camisa 10 seria exaltada pelas companheiras nas comemorações. “Vamos gigantes para essa final”, disse Gabi Portilho, após a semifinal contra a Espanha. “Ainda teremos a Marta de volta e vai ser lindo e histórico.”
Foi importante ao Brasil mostrar como pode jogar bem sem Marta. É um sinal ao futuro de que há muito mais por vir. De que a Seleção continua forte sem a melhor de todos os tempos. Existem outras formas de se jogar futebol sem precisar necessariamente de um toque genial da Rainha. A forma como o coletivo atuou contra Espanha e França comprovou isso. Outras tantas jogadoras talentosas emergiram.
Quando Marta apareceu fora do 11 inicial para a final, não parecia um problema. De fato, não foi durante o primeiro tempo. Ludmila e Gabi Portilho lideraram a boa atuação do Brasil, com muitas chances de gol, embora tenha faltado um pouco mais nas finalizações. O time perdeu o controle da bola no segundo tempo e a camisa 10 poderia ser importante. Todavia, entrou logo após o gol dos Estados Unidos.
A Seleção não se encontrou mais depois do gol sofrido e Marta não conseguiria o lampejo de outros tempos para um empate salvador. Conquistou sua terceira prata, repetindo a marca de Atenas 2004 e Beijing 2008. Após o apito final, as lágrimas da Rainha se misturaram ao sorriso diante da saudação do público. Já na cerimônia do pódio, Marta foi ovacionada pelo Parc des Princes ao receber sua medalha. Não tinha como ser diferente.
A final de Paris 2024 pode ter proporcionado uma despedida honrosa a Marta nos Jogos Olímpicos, com o pódio. Mas não é aqui que a história de Marta termina. O exemplo da Rainha ainda poderá ser visto em cada menina batendo bola nas ruas do Brasil. Milhares e milhares delas fazem isso porque querem ser como a craque. Algumas delas agora são medalhistas Olímpicas. Puderam viver isso ao lado da lenda.
"Essa foi certamente minha última participação nas Olimpíadas e eu duvido que vocês me verão jogando na próxima Copa do Mundo ou em outra competição oficial. Mas eu nunca estarei longe do futebol, isso é certo", afirmou a Rainha.
Marta se despede dos Jogos Olímpicos, mas o futebol feminino segue, mais forte e apaixonante graças a ela. Os sonhos continuam, agora com uma Copa do Mundo dentro do Brasil pela frente. As mulheres vão por mais.
MAIS | Brasil é escolhido como sede da Copa do Mundo Feminina 2027