José Cabeça e o sonho Olímpico de inverno em um par de anos

Ele começou no esqui cross-country há menos de dois anos. Em pouco mais de um, deu a Portugal uma vaga na modalidade em Beijing 2022. Em fevereiro ele poderá estar nos Jogos. Nada parece detê-lo. O Olympics.com quis saber mais sobre esse determinado português prestes a tornar-se atleta Olímpico.

5 minPor Virgílio Franceschi Neto
José Cabeça (POR) em ação nos 10km do esqui cross-country durante o Mundial FIS de Esqui Nórdico, em Oberstdorf, Alemanha
(2021 Getty Images)

"Somos do tamanho dos nossos sonhos." (Fernando Pessoa)

Os esportes sempre foram a vida de José Cabeça. Alentejano de Évora, a sua cidade natal está muito longe de ser associada aos esportes de inverno. Pelo contrário, não é incomum os termômetros por lá registrarem os 50 graus celsius durante o verão.

Atualmente com 25 anos, durante a infância e adolescência dedicou-se ao caratê e à natação. Aos 16, partiu para o triatlo. Nos estudos, frequentou o Politécnico de Desporto de Rio Maior.

"O meu sonho desde pequeno sempre foi ir aos Jogos Olímpicos. Sempre trabalhei para isso, mesmo sem saber qual a modalidade iria representar. Tinha na minha mente que iria lá estar e que iria acontecer," revelou.

Embora já conhecesse o esqui cross-country (esqui de fundo) pela televisão, foi ver uma transmissão de uma prova do esporte nos Jogos PyeongChang 2018 que despertou nele a ideia de, segundo suas próprias palavras, "tornar possível um português nascido em Portugal e que nunca teve acesso à neve, realizar o seu sonho em um esporte totalmente diferente do que está habituado."

Primeiro pesquisou sobre o esqui cross-country. Depois começou a praticar a variante de verão da modalidade, o rollerski: "Em Portugal seria impossível treinar qualquer tipo de esqui," complementa. Só então foi para a neve. Tem o sonho tão vivo que deu ao país uma vaga nos próximos Jogos Olímpicos de Inverno, em fevereiro, em Pequim, e tem tudo para ser o seu digno representante.

Apesar de estar habituado à rotina de um atleta, de 2018 até aqui não é muito tempo e José Cabeça contou sua peculiar história para o Olympics.com.

Uma jornada solitária

O dia em que começou no esqui cross-country ele não se esquece: "Comecei no dito esporte em 2020, mais precisamente em quatro de janeiro de 2020, na França." Não é muito tempo. Para além disso, tem feito um caminho do seu jeito: "Tudo o que aprendi e consegui desde então foi sozinho, sem qualquer treinador. Tomei a liberdade de ir para a França e ficar por quase três meses a treinar...fiz evoluções substanciais...saí do zero para esquiar minimamente."

Uma oportunidade profissional fez José mudar-se para Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Um lugar mais ainda mais distante do que Évora em relação aos esportes de inverno.

Engana-se aquele que pensou que a vida pelo Golfo Pérsico o afastaria do sonho: "Algumas portas se abriram através da pessoa para quem trabalho, consegui algumas possibilidades, embora ainda seja complicado," comenta Cabeça.

A pandemia da covid-19 interferiu em seu calendário de competições, mas conseguiu disputar um torneio aberto na Suíça, em dezembro de 2020. Foi lá que obteve os pontos que levaram-no ao mundial de esqui cross-country. Era apenas a sua segunda competição em toda a vida - a primeira tinha sido uma prova regional na França, no começo do ano.

Dez meses - apenas - entre o primeiro e o segundo torneio!

No Mundial, em Oberstdorf, no começo de 2021, alcançou o objetivo, que era conquistar a vaga nos Jogos Beijing 2022 para Portugal. Para isso, era preciso fazer menos que 300 pontos FIS. Acabou por fazer - impressionantes - 250.

A preparação para Pequim

Depois de conquistada a vaga para seu país nos Jogos e finalizada a temporada de inverno, seguiu com o triatlo e depois voltou ao rollerski, tendo participado de provas que também valem pontos para o apuramento a Pequim: "posso dizer que estive acima das minhas expectativas, nunca pensei em chegar em um nível tão elevado com tão pouco treino, pouca experiência e apoio," reflete Cabeça.

Tem mantido uma boa média de pontos FIS, que o habilitam para Beijing 2022. Ele por agora não vai competir, quer mesmo é aprimorar a técnica para ter um bom desempenho nos Jogos. Quanto a isso, é enfático: "Ser um atleta de esqui cross-country. Não uma pessoa que faz esqui cross-country."

No calor de Dubai o eborense continua a treinar no rollerski, mesmo não sendo as condições ideais. Seus treinos têm como base a junção do triatlo com o cross-country.

Cabeça é hoje supervisionado por alguém da terra dos mestres neste esporte. Trabalha em conjunto com o norueguês Ragnar Andresen, pentacampeão do mundo do rollerski. É na Noruega onde estará em meados de dezembro, para dois meses de prática intensiva: "...em termos físicos estou bem, mas em termos técnicos talvez ainda falte um bocadinho para atingir o nível dum atleta da Europa do norte, que é sem dúvida o meu objetivo," complementa

Para estar em Pequim precisa ter menos que 300 pontos FIS e ser o melhor português no ranking. Até agora ele obedece esses critérios. A lista de atletas será divulgada em meados de janeiro.


À sua maneira, com excelência

As respostas firmes dão o tom da personalidade deste alentejano: "Sou ambicioso e trabalho para a excelência...se alguém consegue acreditar, é capaz de chegar lá. Até agora ninguém me provou o contrário."

Com uma história e trajetória recheada de episódios que fizeram-no dar - do seu jeito - inúmeras voltas por cima, José Cabeça faz lembrar a letra de "À minha maneira", conhecida canção do grupo Xutos e Pontapés: "E as forças que me empurram...só me farão lutar à minha maneira."

Ele faz e aproveita essa jornada, à sua maneira.

O esqui cross-country será disputado nos Jogos Olímpicos de Inverno Beijing 2022 entre 5 e 20 de fevereiro, no Centro Nacional de Cross-Country, em Zhangjiakou.

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