João Victor Oliva desbrava novas conquistas no adestramento

Em entrevista para o Olympics.com, cavaleiro busca vaga em Paris 2024, a que poderá ser sua terceira edição de Jogos. Prata no basquete em Atlanta 1996, a mãe Hortência é uma das suas referências:  "Quando ela quer alguma coisa, vai até o fim. Eu sou assim também." 

8 minPor Virgílio Franceschi Neto
João Victor Oliva montando Escorial.
(Luís Ruas/CBH)

A relação do ser humano com o cavalo é milenar. Para que um entenda o outro exige tempo e paciência, em um vínculo que se aproxima da arte, transformada em esporte, no hipismo com a disciplina do adestramento, a base da equitação. Uma prova técnica que busca o desenvolvimento do cavalo através de uma educação harmoniosa.

Durante as apresentações o cavalo deve manter-se calmo, elástico, descontraído e flexível, com a dupla transmitindo ao público atenção e confiança, em perfeito entendimento. São avaliadas sequências de andamentos com base nas três andaduras naturais (passo, trote e galope).

Presente no programa Olímpico desde Estocolmo 1912, a primeira participação do Brasil na prova aconteceu seis décadas depois, em Munique 1972.

João Victor Oliva é o grande nome do país no hipismo adestramento, com toda uma vida dedicada ao esporte. Na Europa desde 2014, trabalha e compete para que Paris 2024 seja a sua terceira participação em Jogos. Tem como inspiração a mãe, Hortência, ícone do basquete internacional.

Rumo a Paris 2024 | O sistema de classificação do hipismo adestramento

Com jeito simples, convicto da sua vocação e apaixonado pelos cavalos, João Victor compartilhou em entrevista para o Olympics.com, mais sobre sua história e a expectativa para a carreira.

Isso aconteceu ao final de uma longa jornada diária como treinador de cavalos, ainda desde as cocheiras da Herdade da Aroeira, onde treina, em Santo Estevão, Portugal. Confira.

Adestramento: longo processo de paciência e confiança

João Victor monta cerca de oito cavalos por dia. "No caso eu tenho dois de alto rendimento (reservados para os Grandes Prêmios, que são o 'Escorial Campline' e o 'Feel Good V.O'). Tenho mais outro cavalo subindo, e com seis, sete anos eu tenho três cavalos. Com quatro e cinco anos eu tenho mais uns quatro. Com dois anos, são dois. Tenho uma tropa boa", e compara: "É preciso ter cavalos mais novos subindo, um atrás do outro. Os anos passam. É igual jogador de futebol que ganha idade e é preciso trazer novos da base."

Ele prefere pegar o cavalo desde o começo e explica todo o processo: "Até os três anos eles ficam soltos no campo. Cuidam-se deles em liberdade. Com dois anos e meio começamos a trazê-los para as cocheiras para irem se acostumando. Dos três aos quatro anos é o processo de doma. Com oito anos é o mínimo que você pode entrar em um Grande Prêmio. Com oito anos é pra ele começar já a performar, aos 10 já é para estar fazendo muito bem. Vamos com ele até os 16, 18 anos, dependendo do cavalo e da saúde."

"Iniciamos o cavalo e ensinamos ele até o alto rendimento", acrescenta.

Um processo longo que requer paciência, já que o cavalo tem a tendência de fugir: "É difícil conquistar a confiança dele [cavalo]. Você sente os defeitos e virtudes do cavalo e ele mostra os defeitos e virtudes do cavaleiro."

Todo esse tempo e paciência são para que tenha um bom futuro nas competições.

"É difícil arrumar um cavalo completo, já que o adestramento exige muito deles. É preciso um bom passo, galope, trato, saúde, estrutura para aguentar o cavaleiro, saber viajar bem, concentração, aceitar as ajudas do cavaleiro. Os cavalos que tiverem no momento mais capazes de representar o Brasil é que vão competir", coloca João Victor.

Toda uma vida toda dedicada ao esporte

Parecia já o destino estar determinado para João Victor. Filho de um criador de cavalos, o início no esporte foi natural, dentro do haras da família e a escolha do adestramento, por montar um Puro Sangue Lusitano.

"Acabei fazendo a vontade do meu pai e da minha mãe...meu pai cria cavalos e minha mãe atleta, consegui agradar aos dois, sendo um atleta a cavalo", diz.

Teve como treinador Rogério Clementino, que disputou Jogos Olímpicos e Pan-Americanos. Pessoa que acabou se tornando ídolo e referência: "Meu sonho era ser alguém igual a ele."

Durante a entrevista, o cavaleiro deixava transparecer toda a sua paixão pelos cavalos e pelo esporte: "O cavalo é tudo para mim, eles me ensinam muito." Nas palavras de João Vitor, o cavalo ensina: "disciplina, respeito, paciência. É um estilo de vida". "Sem o cavalo eu não sei fazer mais nada", acrescenta.

Mudança para a Europa e resultados internacionais

Incentivado pelos pais, fez da disciplina a sua vida. Terminou o ensino médio e, em busca de melhorar o seu desempenho, fixou-se na Europa em 2014. Primeiro na Alemanha, depois em Portugal, onde vive.

"Quero ser bem visto como um bom cavaleiro e treinador de cavalos mundialmente. Quem sabe, ser um dos melhores ou o melhor do mundo. Estar com bons cavalos, em boas equipes, bons profissionais, proprietários e infra-estrutura para ter um treinamento digno", explica João Victor sobre o porquê haver saído do Brasil e o que quer para a carreira.

Na Herdade da Aroeira, concilia o trabalho de treinador de cavalos com as competições. No seu currículo, soma duas medalhas de bronze nos Jogos Pan-Americanos Toronto 2015 e Lima 2019, ambos na disputa por equipes.

Participações Olímpicas, já tem duas: esteve na Rio 2016 e, em Tóquio 2020, deu ao Brasil a melhor participação de sempre do país na disciplina. Com Escorial - Puro Sangue Lusitano hoje com 14 anos - terminou em 26º lugar no individual, entre 59 competidores. Considera este o seu melhor resultado, sobretudo pelos cuidados que a viagem de longa distância exigiu.

Paris 2024 está no seu percurso e poderá ser a sua terceira presença em Jogos.

João Victor Oliva foca no Pan 2023

O trajeto para os próximos Jogos Olímpicos passa pelos Jogos Pan-Americanos 2023, cuja equipe brasileira do adestramento já está classificada através dos Jogos Sul-Americanos Assunção 2022.

"No Pan 2023 temos que conquistar medalha. Com medalha no Pan, nos classificamos para Paris", explica. Isso vale tanto na competição individual quanto na por equipes.

Depois de dois pódios consecutivos em Pan-Americanos, ele diz não se sentir pressionado pela classificação Olímpica: "Eu já competi muito, em provas mais importantes que o Pan. Existe pressão, porque se não ganharmos medalha no Pan não vamos para Paris, mas eu acho isso gostoso e não me atrapalha. É uma pressão boa."

Sobre a expectativa de disputar os Jogos na capital francesa, ele começa pelo cavalo: "Paris vai ser melhor para os cavalos, é perto daqui, pegamos estrada e é menos estressante para eles."

Só depois o João Victor fala sobre sua expectativa: "Espero melhorar o resultado de Tóquio. Melhorei o do Rio em Tóquio e espero melhorar em Paris o de Tóquio."

O que aguardar além disso?

"Ainda vai demorar um pouco sentirmos o gosto de uma medalha Olímpica e em Mundiais, porque as equipes europeias ainda estão mais à frente. O Pan é um começo dentro do planejamento, mas falta muito para o Brasil chegar ao nível da Alemanha, por exemplo", coloca João Victor.

Dicas Olímpicas com a mãe Hortência

Na conversa com João Victor é difícil não mencionar sua mãe, Hortência, "Rainha" do basquete, medalhista de prata nos Jogos Olímpicos Atlanta 1996.

"Minha mãe é uma inspiração. Sempre visou tudo o que fosse melhor para ela, para o desempenho dela."

Perguntamos se ele acompanha basquete. Ele ri e coloca: "É muito diferente um esporte do outro. Ela não entende do meu e eu não entendo do dela."

"Eu vejo ela como mãe, mas às vezes eu converso com ela como ex-atleta", complementa. João Victor relembra uma dessas conversas em que a mãe colocou o seu ponto de vista com base na sua experiência das quadras: "Antes dos meus primeiros Jogos Olímpicos ela me chamou e falou 'Olimpíada é assim...você não pode se desconcentrar, foca no seu'", disse.

Quando questionado sobre uma característica sua que herdou da mãe, o cavaleiro logo diz: "Quando minha mãe quer alguma coisa ela vai até o fim. Eu sou assim também. Larguei tudo para viver dedicado e ser bom naquilo que eu faço. Tenho certeza de que ela faria o mesmo no meu lugar."

Próximo compromisso: Grande Prêmio na Normandia

Antes do Pan de Santiago, João Victor vai disputar dois Grandes Prêmios, o primeiro a partir desta quinta-feira (13 de julho), em Deauville, na Normandia (França), de três estrelas, montando o garanhão warmblood Feel Good V.O. É a estreia dele no circuito europeu deste ano.

Aos 27 anos de idade, o cavaleiro vive bom momento. Passa a ideia de um rapaz do interior, que não se ilude, que faz mais do que fala, é sucinto, sabe que quer e onde pode chegar.

É dessa maneira que ele vai construindo a sua história, em uma relação 50% ele, 50% o cavalo, como o próprio João Victor diz, e que resume em uma frase:

"Estamos melhorando devagarzinho, devagarzinho. Procurando sempre melhorar."

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