Há 25 anos, Guga Kuerten fez o impossível

No aniversário de 25 anos do primeiro título do brasileiro em Roland Garros, relembre quais foram seus adversários, os placares dos jogos e como o catarinense chocou o mundo do tênis com uma campanha igualmente surpreendente e avassaladora.

5 minPor Sheila Vieira
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(Getty Images/Gary M Prior/Allsport)

Nas primeiras fileiras da final de Roland Garros de 2022 entre Rafael Nadal e Casper Ruud, estava uma figura facilmente reconhecível. O sorriso, o cabelo loiro cacheado e a conexão de Gustavo Kuerten com o público em Paris continuam os mesmos, 25 anos após o seu primeiro título no torneio.

Em 8 de junho de 1997, Guga fez algo que parecia impensável para um tenista brasileiro naquele momento: vencer um dos maiores eventos do mundo em um esporte em que o Brasil não é nem a maior potência regional.

Guga não foi o primeiro, afinal, a brasileira Maria Esther Bueno foi campeã de Slam em simples sete vezes entre o fim dos anos 1950 e começo dos 1960. No entanto, três décadas haviam se passado sem um fenômeno brasileiro no tênis.

A chegada a Paris

Quando chegou a Paris em 1997, Guga era o número 66 do mundo, sem títulos de ATP. Suas maiores conquistas haviam sido dois Challengers (circuito abaixo do ATP Tour) em Campinas e Curitiba. Seria sua segunda participação em Roland Garros, um ano após perder na estreia.

Mas algo clicou rapidamente. Nos treinos, os tenistas já comentavam que Guga estava treinando muito bem, como ele conta em sua autobiografia “Guga, um brasileiro” (Editora Sextante). “Assim você vai ganhar o torneio”, disse Alex Corretja. Mal sabia o espanhol que sua frase seria mais que um elogio, mas uma previsão.

Na primeira rodada, Guga derrotou um algoz recente, o tcheco Slava Dosedel, por 3 a 0, parciais de 6/0, 7/5 e 6/1.

Além de seu desempenho nos treinos, Guga chamava atenção por seu visual, com o uniforme azul e amarelo que se destacava entre as vestimentas mais conservadoras dos outros tenistas. Seu treinador, Larri Passos, revelou que a organização pediu que eles trocassem de roupa durante a campanha, mas em uniforme que está ganhando não se mexe.

Sensação do torneio

A segunda partida seria bem mais complicada: o sueco Jonas Bjorkman, então 24º do mundo. Como completo azarão, Guga arrancou uma vitória em quatro sets, por 6/4, 6/2, 4/6 e 7/5.

Uma boa campanha, que já faria Guga subir um pouco no ranking. A sensação era de missão cumprida, já que o próximo adversário seria o austríaco Thomas Muster, quinto do ranking e campeão dois anos atrás em Paris.

Nesta partida, Guga ouviu pela primeira vez um grito que ocaria em Paris por muitos anos: “Allez Guga”. Após perder o primeiro set em um tiebreak, ele não se abalou. Pelo contrário, cresceu na partida. O duelo continuou duro, mas o brasileiro prevaleceu sobre Muster: 6/7(3), 6/1, 6/3, 3/6 e 6/4.

Guga virou a sensação do torneio, perseguido por jornalistas do mundo inteiro intrigados com um brasileiro neto de alemães que virou tenista, mas gostava muito de surfar. Uma figura única em meio aos europeus e americanos que dominavam o circuito.

O oponente nas oitavas foi o ucraniano Andrei Medvedev, mais uma partida que foi ao quinto set. Quando estavam empatados em 2/2 no set decisivo, a partida foi interrompida por falta de luz natural. Sem problemas para Guga, que venceu no dia seguinte por 5/7, 6/1, 6/2, 1/6 e 7/5. O mesmo padrão de sets do jogo contra Muster.

Kafelnikov, o grande rival

Por mais que estivesse confiante, Guga achava que havia chegado ao seu limite antes das quartas contra o russo Yevgeny Kafelnikov, cabeça de chave 3 e campeão em 1996. Seria a primeira vez que o brasileiro jogaria na quadra central, chamada Philippe Chatrier.

A tática para a partida seria muita agressividade nos primeiros games para assustar Kafelnikov: deu certo, 6/2 para Guga. Mas o russo reagiu e fez 7/5 e 6/2. Novamente, em vez de aceitar a superioridade do adversário, o brasileiro continuou lutando. Aplicou um ‘pneu’ (6/0) no quarto e venceu o quinto por 6/4.

Nesse momento, Guga teve a realização de que, se continuasse naquele nível, seria campeão de Roland Garros. Após três batalhas, ele encarou o qualifier belga Filip Dewulf na semifinal, avançando em quatro sets: 6/1, 3/6, 6/1 e 7/6(4).

(2016 Getty Images)

‘Serenidade absurda’

A decisão seria contra outro campeão do torneio, o espanhol Sergi Bruguera, vencedor em 1994. “Nas preliminares das seis partidas anteriores em Roland Garros, eu estava sempre agressivo, preocupado, nervoso ou aflito, às vezes tudo junto. Mas agora me via em meio a uma serenidade absurda”, escreveu Guga em sua autobiografia.

O placar demonstrou a tranquilidade do brasileiro: 6/3, 6/4 e 6/2 em menos de duas horas de jogo.

Guga levantou a Copa dos Mosqueteiros, que reencontraria em 2000 e 2001, ainda sem entender o tamanho do seu feito. Derrotara os três últimos campeões de Roland Garros, embolsando 750 mil dólares, muito mais dinheiro do que jamais havia visto, e sendo recepcionado por uma banda tocando samba na saída do estádio.

“A verdade é que eu não fazia ideia do que significava um brasileiro ganhar um Grand Slam”, contou Guga em seu livro.

A história poderia ter ‘acabado’ em samba e festa, mas Guga e Larri Passos jamais deixariam isso acontecer. No dia seguinte à vitória em Paris, eles viajaram à Itália para jogar um torneio pequeno. Nele, Guga chegou à final.

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