Gabi Mazetto se ausentou em Tóquio 2020 para renascer como mãe e voltou ainda melhor ao skate street
Gabriela Mazetto deu um apelido carinhoso à filha Liz: costuma se referir à menina como sua “medalha”. Se por conta da gravidez a skatista abriu mão do objetivo de disputar os Jogos Olímpicos em Tóquio 2020, sua vitória já era embalada em seu colo às vésperas da cerimônia de abertura. Agora, três anos depois, Gabi quer que a pequena Liz presencie a mãe em seu sonho Olímpico na pista do skate street de Paris 2024.
A transformação atravessada por Gabi Mazetto nos últimos anos não impactou em seu talento em cima do skate. Muito pelo contrário, os resultados mais expressivos da carreira da paulista vieram depois que ela havia dado à luz. Gabi voltou a arriscar suas manobras pouco mais de duas semanas após o parto. Hoje ela é um exemplo que transcende sua modalidade, a outras atletas que buscam o alto nível sem abdicar da vida materna.
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"No começo, eu não entendia muito que eu era uma inspiração para outras mulheres, não só no skate. Eu tô trabalhando para entender esse processo. Não sou uma pioneira do skate, mas sou uma mãe em alto nível. Fico feliz por isso e agradeço a todos que me acompanham e me dão força, porque é muito gratificante", contou Gabi Mazetto, ao Olympics.com, em 2023.
"Eu me sinto honrada. Nunca imaginei que poderia proporcionar essa força de vontade para as meninas mais novas. Meu, é surreal. Recebo muitas mensagens falando 'Sou sua fã, me inspiro muito em você'. Aí eu falo 'Pô, que legal!'. Imagina se eu desistir. Uma garota pode desistir também, então não quero que isso aconteça. Quero que elas sigam os seus sonhos", complementou a skatista. A mãe e a craque do skate street coexistem muito bem. Liz, a pequena “medalha”, foi a primeira de tantas conquistas desde então.
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Dos saltos na ginástica para os saltos no skate street
Natural de Praia Grande, na Baixada Santista, Gabi Mazetto começou no esporte através de outra modalidade. A garota dava seus saltos, mas na ginástica artística, que certamente deu uma base de consciência corporal importante para o que faz em cima do shape. A mudança para o skate aconteceu quando tinha 12 anos, depois que uma pista foi construída nos arredores de sua casa.
Gabi Mazetto embarcava na tradição da Baixada Santista no skate, tão expressa nas músicas da banda Charlie Brown Jr. Segundo suas próprias palavras, ela se sentiu mais feliz no novo esporte. Sua mãe chegou a questioná-la se era isso mesmo que Gabi queria, diante da marginalização que os skatistas sofriam na época. A garota insistiu e, acumulando conquistas no circuito estadual pouco tempo depois, mostrou que aquele era seu caminho.
A partir de 2015, Gabi Mazetto começou a disputar edições do X Games e, nacionalmente, também acumulou bons desempenhos no STU (Skate Total Urbe). Já em 2018, aos 20 anos, a skatista passou a integrar a seleção brasileira de skate. Aquele passo seria fundamental num momento difícil de sua carreira: pouco depois, a jovem sofreu uma grave lesão ligamentar no joelho.
Gabi Mazetto ficou 14 meses fora das competições, até 2019. E, mesmo em recuperação, a skatista foi mantida na seleção pela Confederação Brasileira de Skate (CBSK). Graças a isso, a paulista pôde realizar parte de seu tratamento nas estruturas do Time Brasil. Existia uma confiança sobre o retorno de Gabi em busca da vaga Olímpica em Tóquio 2020.
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A descoberta da gravidez interrompeu a caminhada rumo a Tóquio
Gabi Mazetto retornou ao cenário competitivo no segundo semestre de 2019 e o adiamento dos Jogos Olímpicos Tóquio 2020 por causa da pandemia concedeu mais tempo para que ela retomasse o ritmo após a lesão. Porém, no início de 2021, veio a notícia que mudaria os rumos da vida da skatista: durante um exame de rotina, ela descobriu que estava grávida. Recebeu o apoio de familiares e patrocinadores, mas, para se preservar, decidiu não expor a gestação publicamente.
Gabi, inclusive, competiu antes de saber da gravidez. "Fui para o STU, mandei um monte de manobra, caí de todos os jeitos e fiquei em segundo lugar. Foi um choque [descobrir que estava grávida], porque eu estava andando de skate e já tinha três meses que ela estava na minha barriga”, contou Gabi, ao ge.globo, em 2021. “Quando eu descobri, eu parei total. Não queria prejudicar a criança e nem a mim."
Nos meses seguintes, Gabi precisou trabalhar o seu psicológico, tanto pela gravidez inesperada quanto pelo afastamento das competições às vésperas dos Jogos Olímpicos. "Tive que parar de andar de skate e foi difícil aceitar. Era uma gravidez não planejada, então tivemos que trabalhar bem para entrar na minha cabeça que tudo aquilo era normal. Sinceramente, agora eu entendo que foi muito bom, mas quando descobri foi um choque", relatou também à Folha de S. Paulo, em 2021.
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“Esta é minha medalha de ouro”
Sem disputar uma das três vagas brasileiras no skate street feminino, Gabi Mazetto viu de longe a estreia da modalidade nos Jogos Olímpicos. Já estava com sua “medalha” no colo: Liz nasceu menos de uma semana antes do dia em que poderia competir na pista de Tóquio. Foi então que Gabi revelou ao público o motivo de seu afastamento.
"Agora estou pronta para contar um segredo para vocês. Um acontecimento que mudou minha vida. Tive que abrir mão de muita coisa neste período, e neste tempo venho trabalhando mentalmente e psicologicamente, me preparando para este momento. Momento que não será mais só eu, não será só Gabi. Somos uma família”, escreveu a skatista, em suas redes sociais.
“Sobre as Olimpíadas, sim, gostaria muito de ter participado. Se tal acontecimento não tivesse ocorrido, talvez teria defendido meu país com todo meu amor pelo esporte. Mas Deus me presenteou assim, e digo pra vocês, esta é minha medalha de ouro. Dia 20/07/2021 nasceu a Liz. O nosso pacotinho. Dedico este post a todas as pessoas que me acompanham e gostam do meu trabalho”, completou Gabi.
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Duas semanas depois do parto, Gabi já voltou ao skate
Por causa do parto normal, Gabi Mazetto ganhou permissão médica para voltar às pistas 15 dias depois do nascimento. Quando Liz tinha 17 dias, a skatista subiu no shape novamente. Voltou às suas origens, na pista próxima da casa da sua mãe em Praia Grande. Ainda tinha um pouco de receio, mas a adrenalina a auxiliou a recobrar a confiança.
"Demorei um pouquinho para voltar a mandar algumas manobras, andar no corrimão, mas acho que a força de vontade foi maior e venci o medo. Depois de alguns dias já estava bem, porém ainda com alguns receios", confessou Gabi, à Folha. Já o retorno às competições aconteceu em outubro de 2021, quando Liz tinha dois meses. Logo de cara, a skatista ficou entre as finalistas da etapa de Lake Havasu da Street League Skateboarding (SLS). Em dezembro do mesmo ano, a filhinha já estava nas arquibancadas para acompanhar a mãe.
“Eu tô feliz pra caramba! Eu não pensava que eu ia voltar a andar de skate. Então até eu me surpreendi, porque não esperava que eu pudesse voltar a andar como andava antes. Tudo bem que eu ainda tô retornando, porém, não acredito como eu estou agora”, revelou a entusiasmada skatista, ao ge.globo.
Para que Gabi retomasse sua rotina competitiva, fez a diferença também a rede de apoio ao seu redor. A família da skatista auxilia nos cuidados com Liz durante as viagens, assim como o pai da criança. "Graças a Deus tenho a minha família e o pai da minha filha que me ajudam bastante. Quando estou viajando, a gente faz ligações e vejo que ela está bem. Falo muito também com a psicóloga da seleção brasileira sobre isso. É uma mistura de trabalho psicológico e familiar", contou Gabi, ao Olympics.com, em 2023.
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A mãe tá on, campeã brasileira
Liz completou seu primeiro ano de vida em 2022. Paralelamente, Gabi Mazetto atravessou o melhor ano de sua carreira. A paulista se sagrou campeã brasileira de skate street. Também teve bons desempenhos internacionais, com finais em etapas da SLS e do X Games em Chiba, no Japão. Também conquistou o ouro nos Jogos Sul-Americanos e foi porta-bandeira na cerimônia de encerramento.
Aquele ano permitiu que Gabi Mazetto até lançasse um documentário, chamado "A Volta da Fênix". O filme conta exatamente as reviravoltas na vida da skatista, incluindo a maneira como superou a grave lesão no joelho em 2019 e como lidou com a gravidez. O final feliz, de qualquer forma, ainda estava por vir.
Os resultados de Gabi seguiram expressivos em 2023. Durante o Campeonato Mundial realizado em Sharjah, nos Emirados Árabes Unidos, a brasileira terminou na sexta colocação. Também teve um resultado esplêndido no STU Porto Alegre, em competição na qual deslocou o braço durante as preliminares e levou o ouro na final, mesmo com a presença de Rayssa Leal.
Por Liz, o empenho em busca de Paris 2024
O porém neste ciclo recente ficou somente para o fim de 2023, com mais uma contusão grave sofrida por Gabi Mazetto. A brasileira fraturou a fíbula e passou por uma cirurgia, para colocar uma placa de titânio e seis parafusos na perna. Depois de se ausentar do Campeonato Mundial e passar seis meses fora das pistas, a “fênix” voltou em março de 2024. Os Jogos Olímpicos permaneciam como seu norte.
Depois de tantos percalços, a mentalidade de Gabi Mazetto é um de seus grandes trunfos. "Eu aprendi que eu não devo desistir nunca. Eu tenho que correr atrás dos meus sonhos. Se eu não fizer, não tem quem vai fazer por mim", afirmou, ao Olympics.com, em 2023. "Eu estava firme fisicamente, mas lesões acontecem. Somos atletas e estamos sujeitos a tudo."
Aos 26 anos, Gabi Mazetto figura entre as atletas mais experientes da elite do skate street. Raríssimas sabem dimensionar como ela o quanto Paris 2024 poderá representar. Liz é sua testemunha. Como ressaltou ao ge.globo: “Sempre foi o meu sonho ir para uma Olimpíada. Sacrifiquei muitas coisas nesses últimos anos. Quero estar lá representando meu país. Poder mostrar para minha filha que não foi só por mim, foi por ela também.”