Como o hóquei no gelo virou uma paixão de muitos brasileiros

O país pode não ter as ideais condições de tempo e temperatura de que o esporte precisa, mas não restam dúvidas de que há uma numerosa base de fãs de hóquei no gelo e da NHL em solo tupiniquim. O Olympics.com conta mais sobre esse Brasil apaixonado pela modalidade.

6 minPor Virgílio Franceschi Neto
Marcella Nunes, Gabriella Ferrarini e Mafe Pavanello, brasileiras fundadoras do site "Nhelas", dedicado ao hóquei no gelo. Foto: arquivo pessoal
(Arquivo Pessoal)

Assim como várias modalidades de inverno no Brasil, a prática do hóquei no gelo não é algo comum por estas bandas.

Eventualmente acontecem demonstrações em rinques temporários, construídos sobretudo em centros comerciais com grande circulação de pessoas. O estabelecimento da Arena Ice Brasil (em São Paulo) permite jogar algumas variantes - que exigem menor número de jogadores - da modalidade. Ainda assim, uma seleção brasileira foi formada há pouco tempo e dá seus primeiros passos no cenário internacional. Existe um longo caminho a ser aprendido e muito para ser feito.

Ao mesmo tempo o Brasil possui uma numerosa legião de fãs do esporte, acostumada às transmissões dos jogos das franquias canadenses e estadunidenses da Liga Nacional de Hóquei (sigla NHL em inglês de um dos principais torneios da modalidade no mundo). São vários os sites especializados e que analisam transferências de atletas, jogos, esquemas táticos e resultados da rodada, tal como se discutem outros esportes mais populares no país, como o futebol.

O Olympics.com procurou saber mais sobre esse Brasil do stick e do puck, apaixonado pelo hóquei no gelo, que será disputado nos Jogos Olímpicos de Inverno Beijing 2022 de 3 a 20 de fevereiro.

A importância das transmissões na TV

O gosto pela patinação, os jogos de video-game e desenhos animados, como o "Super Patos", são pontos em comum de inúmeros fãs desse esporte no Brasil, sobre como começaram a acompanhá-la. Foi assim com Thiago Simões, atualmente comentarista do hóquei no gelo para os canais ESPN:

"O início das transmissões, nos anos 1990, potencializaram essa paixão e desde então não parei mais," relembra Simões.

O esporte ficou mais regular nos lares do Brasil mais especificamente em 1998, quando a NHL passou a ser exibida através dos canais ESPN. De acordo com Robert Mills, diretor de programação internacional da emissora, são dois momentos: de 1998 a 2004 e de 2010 até hoje. Um dos seus narradores, Ari Aguiar, falou sobre um emocionante momento durante esses anos todos: "A Stanley Cup de 2013...com dois gols para o título dos Blackhawks (Chicago) em menos de dois minutos e a virada sobre Boston. Aquilo foi muito emocionante."

A presença constante das equipes e de referências da modalidade nas telas dos estabelecimentos comerciais e nas casas das pessoas fizeram com que pouco a pouco os brasileiros se habituassem com o esporte.

Quando perguntado se é um desafio trabalhar para um público brasileiro com um esporte de inverno, Simões reflete: "O hóquei no gelo é ainda um esporte de nicho no Brasil. Durante as transmissões levamos em consideração a parte didática e o entretenimento. Sem estatísticas absurdas, sendo que elas podem afastar. A intenção é levar o entretenimento, mas isso não nos impede de sermos detalhistas algumas vezes", completa Simões, que não esconde ser torcedor do Avalanche, mas antes fã do Québec Nordiques, franquia transferida em 1995 para o Colorado, onde recebeu a denominação atual.

Os sites especializados de hóquei no Brasil

Foram as competições feminina e masculina do hóquei no gelo dos Jogos Olímpicos Vancouver 2010 que fizeram Maria Fernanda 'Mafe' Pavanello dizer: "Meu Deus, preciso muito mais disso. E agora?" O envolvimento foi tanto que ela anos mais tarde fundou com Gabriella Ferrarini e Marcella Nunes, em setembro de 2017, um site dedicado à cobertura da modalidade, especialmente a NHL: o "Nhelas" (pronuncia-se NHL em inglês mais o 'elas').

"Conheci muitos torcedores do hóquei no gelo pelo Twitter nas transmissões da televisão. Narrador e comentarista interagem, agregam," comenta Pavanello, torcedora dos Blackhawks, sobre o papel da TV.

Para ela, as franquias do Anaheim Ducks e do Detroit Red Wings podem ter a maior base de torcedores no Brasil, porque reúnem um pessoal mais velho, não muito ligado às redes. "O Boston Bruins e o Islanders (Nova York) são bem expressivos nas redes sociais no Brasil", completa Pavanello.

Outro site brasileiro especializado no esporte, o "The Playoffs" fez um levantamento das franquias mais preferidas entre brasileiros. Empatados em terceiro lugar o Blackhawks e o Penguins; na segunda posição o Anaheim Ducks (segundo o site muito por influência do desenho animado "Super Patos") e, em primeiro lugar, o Boston Bruins.

Outro site, o "NhlBrasil", possui dois podcasts sobre o hóquei no gelo: "Ice Cast", exclusivo da NHL e o "Tic-Tac-Gol", que trata da modalidade pelo mundo.

(Arquivo Pessoal)

Os brasileiros na NHL

Na história são dois atletas apenas que nasceram no Brasil e que atuaram na principal liga do mundo desse esporte: Mike Greenlay é capixaba, filho de canadenses que moraram no país por razões de trabalho. Voltou para a América do Norte com apenas um ano e fez carreira pelo Edmonton Oilers nos anos 1980, década em que a franquia venceu muitas vezes a Stanley Cup (troféu dado à franquia campeã da temporada da NHL).

O recifense Robyn Regehr também ficou pouco tempo no país, filho de missionários canadenses que trabalhavam em Pernambuco. O defensor foi campeão da Stanley Cup em 2014 pelo Los Angeles Kings.

Em 2019 o Golden Knights, franquia de Las Vegas da NHL, somou ao seu plantel Marcus Kallionkieli, finlandês com mãe brasileira. A Finlândia é uma das forças do hóquei no gelo mundial, e Marcus fez parte das seleções sub-16 e sub-17 daquele país.

Uma curiosidade: também em 2019, o campeão Olímpico em PyeongChang 2018, Ilya Kovalchuk, esteve no Brasil com o filho e, juntos, acompanharam a Copa América de futebol.

Cultivando o público

"Chamavam-me de estranha na escola por gostar de hóquei no gelo," comenta Maria Fernanda Pavanello. Ela quer que o esporte cresça ainda mais entre os brasileiros, que a televisão transmita mais jogos para o Brasil. Ela cita o exemplo do futebol americano, que por conta do número de torcedores no país, as entidades responsáveis por aquele esporte resolveram olhar com mais atenção para o mercado brasileiro.

"O meu sonho mesmo é ver um atleta daqui despontando na NHL ou em alguma liga menor, uma seleção brasileira consolidada," comenta Pavanello. Ela se anima com a possibilidade de competições internacionais entre variantes como a de três jogadores por equipe, em que o Brasil já tem um recinto (a Arena Ice Brasil) disponível para prática e treinamento.

"É preciso mostrar mais o hóquei (no gelo) na TV, tratá-lo com carinho, e disponibilizar a informação de onde se praticar. Há uma tradição no país do hóquei em patins (variante in-line), é possível trabalhar com essa transição," reflete Pavanello.

O contrato do hóquei no gelo com a TV brasileira vai até 2028. Mesmo sendo um país cuja maior parte do território está na zona tropical, o que explica em parte a ausência de tradição nesse esporte, por sua vez o Brasil tem um público apaixonado e fiel, com sites especializados e podcasts.

Para não deixar dúvidas de que, em meio a tanto para ser feito por esse esporte no país, as oportunidades também são infinitas.

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