Em 2024, atletas gaúchos mostraram o valor da superação e do companheirismo no esporte 

Os Jogos Olímpicos são o ponto alto na vida de qualquer atleta, mas em 2024 os atletas do Rio Grande do Sul mostraram a importância da superação e do companheirismo dentro e fora do esporte. 

6 minPor Gustavo Longo
Viviane Jungblut, da maratona aquática, com a bandeira do Rio Grande do Sul
(Reprodução/Instagram GNU)

A carreira de qualquer atleta passa pelo planejamento e preparação para as principais competições esportivas de sua modalidade. Disputar os Jogos Olímpicos, portanto, é o ponto alto para a grande maioria. Porém, atletas gaúchos mostraram em 2024 o poder que o esporte pode ter para a sociedade.

Diante da imensa tragédia no Rio Grande do Sul com as enchentes no primeiro semestre, praticantes de diversas modalidades se superaram e demonstraram os verdadeiros valores esportivos ao abdicarem de seus treinos – e até da chance de classificação aos Jogos Olímpicos Paris 2024 – para ajudarem as vítimas no estado.

Almir dos Santos Júnior, por exemplo, largou a reta final de treinamento no salto triplo e, com um barco, enfrentou a água no estado para ajudar nos resgates. Mayra Aguiar, dona de três medalhas Olímpicas, trabalhava como voluntária no Sogipa, clube onde treina e que abrigou 450 pessoas desabrigadas pelas enchentes.

Outros, porém, foram afetados diretamente. Vanderson Chaves, da esgrima de cadeira de rodas, foi uma das vítimas. Perdeu tudo, lançou uma vaquinha para reconstruir sua casa e conseguiu ter forças para ir à capital francesa e disputar os Jogos Paralímpicos Paris 2024. A judoca Rochele Nunes, natural de Pelotas, mas que compete por Portugal, viu a mãe perder a casa onde morava enquanto se preparava para os Jogos Olímpicos.

"A gente olha para trás e parece que não foi real, né? Porque realmente foi uma catástrofe com dimensão bem grande não só em Porto Alegre, mas em boa parte do Rio Grande do Sul. A gente vê a reconstrução e parece que as coisas já estão normais, mas não estão 100% normais”, sintetiza Viviane Jungblut.

Viviane Jungblut abriu mão de seletiva Olímpica e segue ajudando até hoje

A atleta de natação e águas abertas foi uma das pessoas que contribuiu como pôde. Com uma vaga obtida na maratona aquática, ela abdicou de tentar um lugar nas piscinas em Paris 2024 para trabalhar como voluntária em seu clube, o Grêmio Náutico União. O local recebeu famílias desabrigadas.

Além de ajudar em seu clube, a atleta mobilizou a comunidade aquática para fazer rifas e vaquinhas para auxiliar pessoas que sofreram grandes perdas nas enchentes – alguns, inclusive, que trabalhavam no próprio Grêmio Náutico União. Uma iniciativa que só foi possível graças a sessões de terapia que ela possuía com sua psicóloga.

“Eu tentava não me cobrar tanto por esse lado de sim, fazer o meu máximo, mas saber que não ia conseguir resolver o problema do mundo inteiro”, comentou.

Em Paris 2024, competindo na maratona aquática, ela terminou na 11ª posição. No restante da temporada, contudo, conquistou medalhas no circuito da Copa do Mundo de Águas Abertas 2024, inclusive a inédita prata por equipes no revezamento 4x1.500m. Tudo isso enquanto prossegue com o apoio às vítimas - financeira e socialmente.

“Hoje a gente não vê mais na televisão. Antes era notícia, praticamente 24 horas por dia sendo transmitido. Então agora parece que as coisas estão normais e não tem mais nada acontecendo. Mas no nosso entorno, pessoas bem próximas, vários funcionários do clube não conseguiram voltar para suas casas. Então a gente segue ajudando da maneira como a gente pode aqui”.

Daniel Cargnin levou amor pelo Rio Grande do Sul no quimono e voltou com medalha Olímpica

Uma das esperanças do Brasil por medalha nos Jogos Olímpicos Paris 2024, o judoca Daniel Cargnin precisou combinar a reta final de sua preparação com o trabalho voluntário de auxílio às vítimas da enchente no Rio Grande do Sul. A água começou a subir quando faltavam apenas dez dias para a viagem de preparação ao Mundial da modalidade.

“Eu não estava nem treinando direito, porque eu estava indo pra cima, pra baixo, levando coisa pesada, levando coisas pra um lado, pro outro. Lembro que estava no carro e falei com minha namorada: ‘não sei o que estou indo fazer lá, sabe?’”, explicou ao Olympics.com.

Cargnin ajudava no transporte de materiais, sobretudo de marmitas para alimentar os desabrigados. No Mundial, com a bandeira do Rio Grande do Sul costurada no quimono, chegou à disputa da medalha, mas perdeu e ficou em quinto.

Em Paris 2024, perdeu logo na estreia a disputa individual, mas contribuiu para ajudar a equipe brasileira a conquistar a inédita medalha de bronze no judô.

“Mereci? Aqui em Paris não desempenhei nada bem. Mas mereci? Pelo ciclo todo que eu fiz, acredito que sim”, escreveu o atleta em suas redes sociais.

Remadores abdicam de sonho Olímpico para auxiliar no resgate de vítimas

Outros, porém, não chegaram nem a disputar os Jogos Olímpicos Paris 2024.

Os remadores Evaldo Becker e Piedro Tuchtenhagen simplesmente abdicaram de disputar o último Pré-Olímpico do Remo em maio de 2024. Era literalmente a última chance: o skiff duplo peso leve sairá do programa Olímpico em LA28.

Os dois atletas possuem grande vínculo com Rio Grande do Sul. Ainda que atleta do Flamengo, Evaldo é natural de Santa Maria e, quando está em Porto Alegre, treina no Humaitá, uma das áreas mais atingidas. Piedro, por sua vez, treina no Grêmio Náutico União. Ambos se posicionaram na linha de frente, auxiliando no resgate de vítimas.

“A gente viu que não poderíamos parar de ajudar, já não era mais viável competir. Decidimos juntos que ajudar as pessoas nesse momento é mais importante”, comentou Evaldo ao Olympics.com na ocasião - ele, inclusive, se preocupou em proteger sua filha de seis anos.

Hoje, mais de seis meses após a tragédia, os dois atletas buscam seguir em frente para manter vivo o sonho Olímpico. Piedro, inclusive, esteve presente no Campeonato Brasileiro de Remo Costal ao lado de Evelen Cardoso.

Voluntária no Grêmio Náutico União, a atleta enfrentou outra tragédia: o acidente rodoviário que matou sete atletas, o treinador e o criador do projeto social Remar para o Futuro, de Pelotas (RS), cidade que lançou o casal para o esporte. Evelen era colega de algumas das integrantes da equipe.

“Falando em reconstrução, eu, sinceramente, estava pensando em parar de remar e arrumar outra ocupação. Isso acontece e desestabiliza um pouco. Mas eu e o Piedro decidimos voltar para Pelotas e continuar no projeto”, explicou a atleta ao Comitê Olímpico do Brasil.

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