Atletas gaúchos superam desafios, chegam aos Jogos Olímpicos Paris 2024 e representam os que ficam
Uma das novas campanhas lançadas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) rumo aos Jogos Olímpicos Paris 2024 é “Esporte. E muito mais do que esporte”. É o que muitos atletas e instituições esportivas mostraram durante a recente tragédia climática no Rio Grande do Sul. Mostrando a verdadeira face do Olimpismo, muitos atletas não pensaram duas vezes antes de interromper treinamentos para ajudar em resgates ou auxiliar em trabalhos voluntários. Mesmo quem não estava no Rio Grande do Sul colaborou como pode, à distância. Confira ao fim da matéria a lista dos atletas gaúchos que estarão em Paris 2024 e saiba mais sobre suas histórias.
Judocas se envolveram em trabalho voluntário
Daniel Cargnin passou vários dias ajudando pessoas afetadas pela tragédia. Atendendo a pedidos, ele recebeu doações financeiras e organizou a compra e entrega de mantimentos básicos. Ele revelou que em uma noite recebeu R$ 10.000 de doações e precisou começar a organizar ainda mais as ajudas. De repente, teve que parar tudo para voltar a focar no judô rumo ao Campeonato Mundial, mesmo que tivesse interrompido os treinos. Mas foi difícil mudar o foco.
“Meu avô e meu pai foram afetados, com água a dois metros de altura na casa. Eu prometi que ia levar uma medalha no Mundial e fazer uma rifa”, contou no final de junho ao Olympics.com. As dúvidas eram constantes se a decisão em ter ido ao Mundial havia sido correta. “Quando eu cheguei na luta de terceiro lugar, eu passei mal, vomitei, chorei porque eu lembrei das coisas de lá”, revelou o atleta. Com uma mão na medalha, ele começou a já visualizar o destino dela.
“Acho que isso acabou pesando um pouco assim”, revelou afirmando que o lado emotivo acabou pesando na luta contra o mongol Lavjargalyn Ankhzayaa. “Acho que eu desliguei da luta quando comecei a pensar que já estava dando a medalha para o meu avô. Estava muito melhor para mim (o combate) e já fiz disputas de bronze em que tive muito mais dificuldade e ganhei. Mas isso serviu como aprendizado, tenho que estar focado ali na luta”, e assim tomar “decisões racionais’, afirmou o gaúcho.
Além dele, a três vezes medalhista Olímpica Mayra Aguiar foi outra judoca que colaborou dentro do Sogipa, clube do qual são atletas. Depois dos treinamentos, eles realizavam atividades voluntárias. O clube recebeu cerca de 450 pessoas desalojadas. Todas atividades foram canceladas, e apenas atletas que estavam classificados ou em vias de se classificar, participavam.
Eles permaneceram no clube após os treinamentos fazendo trabalho voluntário. Aqui estamos muito perto dos atingidos e sempre chegam doações. Trabalhamos todos na separação, entrega, em tudo que precisa, carregando caixas, separando roupas, fechando viandas, na cozinha. E ainda assim estão conseguindo fazer o treino deles” declarou Kiko, técnico da seleção brasileira.
Leonardo Gonçalves, outro atleta que já havia sido pré-convocado pela Confederação Brasileira de Judô (CBJ) para Paris 2024 participou ativamente da arrecadação de doações, assim como outros atletas e ex-atletas, como Alexia Castilhos, Eric Takabatake, Gabriel Genro, Jéssica Lima e o bicampeão mundial João Derly. Rochelle Nunes, atleta de Portugal, é de Pelotas e também foi afetada. Sua mãe perdeu a casa onde morava. A judoca, classificada para Paris 2024, mobilizou a comunidade brasileira em Portugal e enviou doações.
Ketleyn Quadros e Rafael Macedo percorreram 500 quilômetros de carro, cerca de sete horas de estrada, para chegar em Florianópolis, e de lá, partiram até Astana, no Cazaquistão, onde participaram do Grand Slam em busca de pontos no ranking. Daniel Cargnin, Jéssica Lima e Leonardo Gonçalves seguiram depois para o Mundial, enquanto Mayra Aguiar optou por ficar no Brasil.
Representantes do salto triplo interromperam treinamentos
Almir dos Santos Júnior já tinha índice para Paris 2024 e mora em Portugal. Ele tinha passagem marcada para o Brasil e planejava visitar a família em Porto Alegre, antes de seguir para Cuiabá para a disputa do Íbero-Americano de Atletismo. O atleta do Sogipa nasceu em Mato Grosso, mas aos 15 anos se mudou para Porto Alegre.
Em entrevista ao Ça Va Paris do SporTV, Almir Júnior contou que não seguiu os conselhos de ir direto para Cuiabá e esqueceu um pouco os treinos por alguns dias. Sem voos para Porto Alegre, ele foi até Florianópolis e conseguiu ir para Porto Alegre com um amigo, levando um barco. Assim que chegou, já foi direto para a água. “Vi a catástrofe que estava acontecendo e ali a prioridade era ajudar pessoas, não mais a preparação olímpica. É impossível ficar alheio. É uma catástrofe sem precedentes”, contou.
Mesmo com dias sem treinar, mas com a consciência de que fez tudo que deveria ter feito, ele saltou para 17.31, que na época era a sexta melhor marca do ano.
Já Samory Uiki, representante do Brasil em Tóquio 2020, ainda estava em busca de seu índice Olímpico. Mas isso não interferiu na sua decisão de parar os treinos e se dedicar ao trabalho voluntário. O atleta do Sogipa ficou semanas colaborando com o trabalho humanitário em Porto Alegre, antes de voltar a se dedicar aos treinos. Mas infelizmente, ele não alcançou o índice Olímpico no período.
Tragédia climática no Rio Grande do Sul afetou Troféu Brasil de Natação
Já Viviane Jungblut, atleta do Grêmio Náutico União (GNU), desistiu de ir ao Troféu Brasil de Natação no Rio de Janeiro, para seguir com o auxílio às vítimas no Rio Grande do Sul. Ela já tinha vaga para a prova de maratona aquática, mas os demais atletas do GNU tiveram problemas em chegar ao Rio de Janeiro com a falta do aeroporto e problemas nas estradas.
Eles chegaram com dias de atraso e eram muito bem recepcionados sempre que competiam. A Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) estipulou que os atletas que perderam poderiam fazer uma tomada de tempo se assim desejassem. Mesmo com o apoio da Confederação, Viviane Jungblut será a única atleta do Rio Grande do Sul nos esportes aquáticos em Paris 2024.
Viviane Junbglut organizou uma vaquinha para auxiliar atletas e funcionários do GNU que foram afetados pela tragédia climática. Com o técnico Kiko Klaser. Ela também organizou uma rifa com o apoio de colegas da maratona aquática. Ana Marcela Cunha, Gregorio Paltrinieri, Leonie Beck, Kristof Rasovszky e Anna Olasz doaram materiais para ajudar a causa.
Deise Falci, Mariana Pistoia e Vanderson Chaves foram alguns dos esgrimistas afetados
Mesmo quem não estava no local se afetou e ajudou como pôde. Mariana Pistoia, esgrimista que obteve uma vaga para os Jogos Olímpicos Paris 2024, estava disputando torneios em Hong Kong, China, e na República Popular da China quando as chuvas começaram. Com fuso de 11 horas de diferença, ela entrava em contato com a família e ficava acompanhando as notícias sempre ao acordar e antes de dormir. Ela precisou ficar alguns dias na casa do amigo Guilherme Toldo - também gaúcho, mas que mora na Itália - até poder voltar para casa.
“Claro que conheço pessoas que foram atingidas e não foram poucas”, contou Pistoia ao Olympics.com em maio. “Eu acompanhava, especialmente o trabalho que meu clube, amigas e família estavam fazendo. E também ficava um sentimento de culpa, sinceramente, porque eu estava ali do outro lado do mundo. É verdade que eu não podia fazer nada, nada. O que eu podia fazer era doar apenas, mas realmente ajudar as pessoas e estar lá, trabalhando na linha de frente, essas coisas, eu não podia fazer. E aí tu te sente um pouco inútil assim”, desabafou a esgrimista.
“Eu estava num momento bem feliz assim, por conta da classificação e também por conta de todas as oportunidades que eu ia ter de seguir participando de competições, seguir fazendo estágio de treinamento. Mas chegou a um ponto que tudo isso assim parece que parou. Tu não conseguia mais ficar muito feliz, sabe?”, ressaltando que os gaúchos passavam por um “período de extrema tristeza”.
Uma ex-esgrimista que estava no Rio Grande do Sul se tornou um dos nomes mais conhecidos. Deise Falci foi uma atleta do sabre que competiu nos Jogos Pan-Americanos Rio 2007, ela segue atuando na esgrima na venda de materiais através de sua empresa, a Flèche Artigos para Esgrima. Nos últimos anos, ela se dedica a ações em prol dos animais e ficou conhecida do grande público por ter salvado milhares de animais durante as semanas de crise no Rio Grande do Sul e continua seu trabalho.
Vanderson Chaves, atleta da esgrima em cadeira de rodas, foi um dos atletas mais afetados pelas chuvas. Ele perdeu tudo, desde móveis a materiais e lembranças da esgrima. Ele iniciou uma vaquinha para reconstruir sua casa, e se prepara agora para os Jogos Paralímpicos.
Representantes do remo abandonaram sonho de Paris pela realidade do Rio Grande do Sul
No remo, três atletas da seleção participaram ativamente do resgate de vítimas da enchente. Alef Fontoura, Daniel Lima, Evaldo Mathias Becker, e Piedro Tuchtenhagen trabalharam na sede do Grêmio Náutico União, ainda que apenas Daniel e Piedro fossem atleta do clube - Alef é do Pinheiros e Evaldo, do Flamengo. Devido aessa mudança de foco, Evaldo e Piedro, dupla do skiff duplo peso leve, não foram para o Pré-Olímpico de Remo, em Lucerna, Suíça.
Evaldo chegou a precisar resgatar sua filha de seis anos. A prova não fará parte do programa de LA28. Eles conquistaram a vaga ao terminar em terceiro lugar no Pré-Olímpico continental, em março deste ano na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro.
"Diante de todo caos que se instalou aqui no sul, onde fazíamos nossa preparação final para o Pré-Olímpico, ficou inviável treinar por conta da cheia no Guaíba. Quando a água começou avançar pela cidade, tivemos que sair às pressas de casa. Muitas pessoas não conseguiram sair, esperando resgate. Eu e Piedro começamos a ajudar e receber pessoas desabrigadas", comentou Evaldo Becker para o Olympics.com.
"A gente viu que não poderíamos parar de ajudar, já não era mais viável competir. Decidimos juntos que ajudar as pessoas nesse momento é mais importante", completou Evaldo.
“É um sonho da nossa vida os Jogos Olímpicos, acredito que para todos atletas, mas hoje a gente já não consegue se ver deixando o nosso Estado”, contou Tuchtenhagen, que apesar de morar em Porto Alegre, seguia com a cabeça em Pelotas, de onde sua família é.
“Não é que a gente vai fazer milagre, mas a gente consegue fazer a diferença, consegue ajudar, consegue contribuir mesmo que sendo com pouco; pegando uma sacola de doação a gente ajuda, isso é muito importante para nós”, reforçou ele ao Terra.
Surfistas levaram lanchas ao Rio Grande do Sul para ajudar em resgates
Outros atletas, como Daiane dos Santos, da ginástica artística, Nicholas Santos, da natação, também colaboraram. Daiane foi uma das primeiras a se voluntariar no Grêmio Náutico União (GNU), clube do qual ela é ex-atleta. Ela ajudou na organização das doações e divulgou em suas redes sociais como os brasileiros podiam ajudar.
"Aqui foi a minha casa e hoje é a casa de muitos. Quero agradecer a todos que estão ajudando para entregar o amor que a gente quer para as pessoas que estão em momentos de vulnerabilidade. É muito bom poder estar aqui colaborando de algum jeito", falou Daiane para as redes do GNU.
Chamaram a atenção também os surfistas que foram com lanchas e ajudaram no resgate de muitas pessoas. Pedro Scooby, Lucas Chumbo - irmão de João Chianca, o Chumbinho - Michelle des Bouillons, entre outros, colaboraram muito nas ações locais.
Em Três Coroas, aconteceria um Campeonato Brasileiro de Canoagem Slalom e Caiaque Cross. Com as chuvas do primeiro fim-de-semana de maio, as competições foram canceladas e os canoístas aproveitaram para auxiliar na medida do possível. Pedro Aversa, campeão mundial de rafting em 2019, foi um dos atletas.
Mesmo depois, atletas da canoagem continuaram ajudando as vítimas da tragédia no Rio Grande so Sul. Durante a Copa do Mundo de canoagem slalom em Praga, Tchéquia, Pepê Gonçalves fez uma campanha para arrecadar equipamentos para a Associação ASTECA de Três Coroas.
Entre 29 de abril e 5 de maio de 2024, a medida que as chuvas se intensificaram, acontecia o challenger de Porto Alegre acontecia. As partidas de tênis foram transferidas para um ginásio indoor, que também se transformou num ponto de coleta para os espectadores e demais moradores deixarem doações.
Quem são os atletas do Rio Grande do Sul nos Jogos Olímpicos?
- Almir Júnior (atletismo)
- Daniel Cargnin (judô)
- Fernando Cachopa (vôlei)
- Fernando Scheffer (natação)
- Gabriel Simões (vela)
- George Furquim (tiro)
- Guilherme Toldo (esgrima)
- Ketleyn Quadros (judô)
- Leonardo Gonçalves (judô)
- Lorena (futebol)
- Lucão (vôlei)
- Luiza Campos (rugby)
- Mariana Pistoia (esgrima)
- Mayra Aguiar (judô)
- Raquel Kochhann (rugby)
- Rafael Macedo (judô)
- Tatiana Weston-Webb (surfe)
- Thales (vôlei)
- Viviane Jungblut (águas abertas)
A lista inclui atletas que nasceram ou moram no estado do Rio Grande do Sul, ou ainda representam clubes e associações de lá.