Solidariedade gaúcha fortalece Daniel Cargnin em busca de nova medalha no judô em Paris 2024

Por Daniel Perissé
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Foto por Tamara Kulumbegashvili / IJF

Medalha de bronze na categoria até 66kg em Tóquio 2020, Daniel Cargnin está acostumado a encarar grandes adversários pelos tatames de judô mundo afora. Entretanto, no último mês de maio, já na reta final da preparação para Paris 2024, ele ficou à frente com algo inesperado: as enchentes que arrasaram o estado do Rio Grande do Sul, incluindo sua Porto Alegre natal.

As chuvas começaram em 27 de abril, deixando ao menos 83 pessoas e 111 desaparecidos. O Governo Federal reconheceu estado de calamidade pública em 336 cidades da região, incluindo a capital gaúcha.

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Atleta da Sogipa, um dos clubes mais tradicionais da cidade, Daniel e outros judocas da seleção foram voluntários e fizeram campanhas de crowdfunding (arrecadação de recursos online) para ajudar os desabrigados – e, em alguns casos, até mesmo suas próprias famílias.

“No meu clube, eles estão abrigando muita gente e alguns dias eu ficava lá levando marmita de baixo para cima. Sei que tem pessoas que estão piores que você, então eu acho que ia tentar ajudar. As pessoas estão precisando”, comentou o judoca ao Olympics.com.

Em meio a essa situação, Daniel e outros integrantes da seleção ainda precisavam se manter em condições para a reta final de preparação para o Campeonato Mundial, em Abu Dhabi, realizado no final de maio, e para os Jogos Olímpicos, no fim de julho.

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No Mundial, frustração pelo quinto lugar

Dez dias depois do início das fortes chuvas, Daniel e outros judocas tiveram de encarar uma maratona para embarcar ao Mundial por conta do fechamento do aeroporto Salgado Filho por tempo indeterminado.

Para pegar um voo rumo aos Emirados Árabes, os atletas tiveram de sair de carro de Porto Alegre até Florianópolis, em Santa Catarina – um trajeto de aproximadamente sete horas – para voar até São Paulo e, de lá, ir ao Mundial.

“Eu não estava nem treinando direito, porque eu estava indo pra cima, pra baixo, levando coisa pesada, levando coisas pra um lado, pro outro. Lembro que estava no carro e falei com minha namorada: ‘não sei o que estou indo fazer lá, sabe? Estava ajudando pessoas e, de cara, não tinha como estar feliz com qualquer coisa assim,” comentou.

Mesmo longe de casa, Daniel carregou a população gaúcha em seu uniforme durante toda a competição, tendo bordado em seu quimono uma bandeira do Rio Grande do Sul.

Já competindo na categoria até 73kg, em que tentará sua segunda medalha Olímpica em Paris, ele acabou ficando com o quinto lugar, perdendo a disputa do bronze para Akhzaya Lavjargal, da Mongólia, nas punições.

Apesar de o resultado ter lhe garantido como cabeça de chave no torneio dos próximos Jogos, ficou evidente a frustração por não ter conseguido a medalha. O prêmio será usado para angariar mais fundos de ajuda às vítimas na enchente do Sul.

“Quando cheguei à decisão do terceiro lugar, cheguei a passar mal, chorei porque eu lembrei das coisas de lá, sabe? Eu me imaginei voltando para casa e dando a medalha para o meu avô, que estava com dois metros de altura de água em casa. Acho que isso acabou pesando, a emoção conta muito e eu acabei desligando. Isso me custou mais um bronze em Mundial, mas não me arrependo das coisas que eu fiz,” destacou.

Situação serve de aprendizado e força para buscar o pódio em Paris

Daniel Cargnin tirou boas lições não apenas com o resultado em Abu Dhabi, mas também de toda a situação envolvendo o Rio Grande do Sul.

“Acho que o Mundial foi um bom aprendizado. É bom você querer, mas não levar as coisas de fora para dentro do tatame, sabe? Porque, ali na competição, tudo pode mudar em um segundo,” apontou.

Se em Tóquio 2020 Daniel chegou com poucas expectativas e levou a medalha para casa, em Paris a preparação ganhou um reforço psicológico extra para subir ao pódio novamente.

“Acho que agora é o momento de voltar a pensar no que me trouxe até aqui, sabe? Tipo o Daniel de anos atrás, o Daniel de hoje em dia. Ver os princípios, porque eu acho que o que mais importa é nossa trajetória, né? A gente quer conquistar as coisas, mas não mudar os princípios, né? Então acho que eu vou chegar na Olimpíada com humildade e levando como se fosse minha primeira e minha última também,” comentou.

Depois de viver fortes emoções diante de pessoas que perderam tudo e de outras que se juntaram em uma corrente de solidariedade para ajudar os necessitados, seja com dinheiro ou com seu próprio tempo, o judoca vai carregar com ele uma lição.

“A gente não sabe o dia de amanhã. Então acho que é levar [para os Jogos] esse pensamento, porque aí a gente acaba dando tudo de si.”

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