Henrique Avancini: 'A bicicleta é um instrumento de desenvolvimento, de evolução'

Depois de um ano 2021 desgastante e que o fez repensar a carreira, Henrique Avancini tem vivido uma temporada 2022 repleta de significados, com resultados dentro e fora das pistas. No Dia Mundial da Bicicleta, o Olympics.com conversou com o maior ciclista do Brasil.

9 minPor Virgílio Franceschi Neto
Henrique Avancini durante os Jogos Pan-americanos Lima 2019, no Peru.
(2019 Getty Images)

Aos 33 anos de idade, Henrique Avancini é, na história, a grande referência do ciclismo no Brasil, especialmente no mountain bike. A modalidade no país tem experimentado um crescimento exponencial nas últimas duas décadas, visível aos olhos de todos. À sua maneira Avancini colabora com este processo, quer seja quando está em cima da bicicleta, quer seja quando não está pedalando.

No mesmo dia que chegou de Catamarca (ARG), onde foi campeão pan-americano de Cross-Country Olímpico no final de maio, ele falou para o Olympics.com desde sua natal Petrópolis, cidade da serra fluminense lembrada pelo vínculo com a monarquia do país, mas que está no mapa internacional da modalidade muito por conta do trabalho dele. Em abril, a "Cidade Imperial" foi sede de uma etapa da Copa do Mundo de Mountain Bike, pela primeira vez realizada na América do Sul.

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"Acho que é uma grande injustiça quando as pessoas me dão crédito por isso. Mas o que eu vejo é que eu fui capaz de plantar muito boas sementes que outras pessoas cultivaram...tem sido um trabalho coletivo de muita gente...essa tem sido talvez a minha maior vitória", refletiu.

Vitória para ele, um legado para todos.

No dia 3 de junho comemora-se o "Dia Mundial da Bicicleta". Para celebrá-lo, conversamos com Avancini sobre as recentes conquistas, os importantes momentos na carreira, a paixão pela "magrela", o que significa participar dos Jogos e o que está por vir rumo a Paris 2024.

(Divulgação)

A Copa do Mundo em Petrópolis

Para Avancini, 2021 foi bastante pesado, que tirou dele bastante motivação. A partir da virada do ano pouco a pouco ele foi reencontrando o prazer e as razões do porquê continuar pedalando.

Em novembro passado, a UCI (União Ciclística Internacional) confirmou Petrópolis como sede de etapa da Copa do Mundo de Mountain Bike, em 2022. "A Copa do Mundo ter vindo para o Brasil foi uma motivação, a consideração da União Ciclística Internacional, causada pela minha ascensão", disse.

A cidade foi fundamental para formar Avancini como ciclista: "...primeiro contribuiu muito para entender essa conexão com montanha, com a terra, com com a natureza. Eu comecei a valorizar de uma forma muito diferente o lugar onde eu nasci, cresci e fui criado. Quando eu comecei a percorrer o lugar onde eu nasci impactou muito para mim, para entender quão importantes são as nossas raízes", avaliou.

Meses depois, entre fevereiro e março Petrópolis foi atingida pelos maiores índices de chuva da história, que deixou centenas de mortos e desaparecidos. O evento acabou por ser um marco na reconstrução da cidade e no resgate da autoestima do petropolitano. Por conta de uma outra tragédia causada pelas chuvas, em 2011, uma praça esportiva foi erguida na região do Vale do Cuiabá, uma das localidades mais afetadas, e aproveitada para a Copa do Mundo.

"Foi para desenvolver e movimentar a economia local...então trazer a Copa do Mundo foi o ápice desse lado mais pessoal, desse lado da origem como natural de Petrópolis. Quem é de lá ficou orgulhoso de receber o estrangeiro, que veio pra cá e foi embora feliz, quer seja pela beleza do lugar, quer seja pela qualidade da corrida da pista. Isso tudo dá 'aquele gás' de autoestima e valorização para todos", ponderou.

A conquista do Pan-americano na Argentina

Como em um reencontro com a sua essência, foi disputar o Pan-americano, em Catamarca (ARG), que não competia desde 2018. Avancini se deu conta de que não apenas levara o nome do Brasil mundo afora. Tinha levado consigo todo um continente. Lá tornou-se campeão pan-americano do cross-country Olímpico (XCO), uma das provas mais tradicionais das Américas. "O continental tem um peso enorme...os atletas vão extremamente preparados...o que torna uma disputa muito acentuada por um resultado expressivo. É sempre uma briga muito boa e fiquei feliz em voltar", comentou.

Um retorno depois de uma ausência em função dos compromissos fora das Américas e também por conta da pausa causada pela pandemia da Covid-19. Voltar às competições regionais fez bem para o brasileiro, que reencontrou o público sul-americano e pôde perceber a referência que se tornou. Sentiu-se acolhido e confessou que isso ajudou em seu desempenho: "Com certeza me ajudou a ir melhor, acho que foi a melhor performance do ano até aqui...foi uma surpresa bastante agradável. Eu não tinha noção desse efeito. Teve esse lado muito voltado para a valorização do latino. Isso me deixou realmente bastante feliz. A gente pode disputar com o resto do mundo, a gente pode ir para as provas para ser o melhor do mundo", acrescentou.

Em cima da bicicleta ou fora dela, Avancini reencontra a sua essência a cada dia e dá mais significado à sua carreira.

O que a bicicleta significa para Avancini

O pai, Ruy Avancini, era dono de uma oficina de bicicletas e deu a ele a primeira mountain bike, quando tinha oito anos, que proporcionou a Henrique lembranças muito vivas da infância. "...(a bicicleta) sempre foi um instrumento para mim. De descoberta não do entorno somente, mas de autoconhecimento e de descobrir as coisas dentro de mim mesmo. Descobri quais eram os meus medos, quais eram as minhas forças. Sempre foi um instrumento de desenvolvimento para mim, de evolução", ponderou Henrique Avancini quando perguntado sobre o que andar de bicicleta significa para ele.

Pedalar, portanto, é mais que simplesmente um esporte.

O ciclismo como profissão

"De bem novo eu sonhava poder fazer", disse a respeito de quando percebeu que queria se tornar um ciclista de mountain bike.

No entanto, a realidade mostrou algo bem distante. Já atleta de elite, por volta de 2012, 2013 - quando tinha retornado após três temporadas na Itália -, não conseguia se manter no esporte. Se deu conta que era preciso melhorar onde estava inserido. "Mais do que me desenvolver como atleta, eu precisava também desenvolver o esporte no meu país", comentou Avancini.

Passou a se dedicar no que podia fazer pelo esporte e não apenas extrair dele. Isso acabou por se tornar um estilo de vida e o levou para lugares mais altos: "Talvez tenha sido o real motivo do meu crescimento como atleta, de sempre ver que as coisas que eu conquistava na pista eram buscar, a cada grande título, a cada grande vitória, uma nova grande oportunidade se abria para fazer coisas ainda maiores pelo esporte. Então eu fui abraçando tudo isso e fazendo cada vez mais coisas e fui dando a minha contribuição para o esporte", refletiu.

Conquistas dentro e fora das pistas

Avancini mencionou as conquistas e por isso foi perguntado quais foram as principais para ele. Seus momentos mais importantes não se resumem apenas às pistas. Também acontecem quando você é tirado da zona de conforto para repensar o que se quer da carreira. É preciso dar um passo e em todo passo há um risco.

Sem hesitar, considerou trazer a Copa do Mundo para Petrópolis como uma grande conquista. "Mas óbvio que, do lado esportivo, eu diria...o título mundial de maratona, em 2018. Acho que ali foi um grande marco para mim, porque foi conquistado numa região onde eu morei em 2011 (Auronzo di Cadore, Itália) e onde eu quase tive que abandonar minha carreira profissional por realmente não ter mais condições de me manter no esporte", relembrou.

Avancini lá viveu por três temporadas, de 2009 a 2011. Não teve bons desempenhos e a equipe em que atuava, faliu. Dormia em casa de amigos e voltou ao Brasil meses depois, após juntar recursos vencendo pequenas provas.

Foi depois disso que pensou em desistir.

E acrescentou: "Fiquei numa situação bem ingrata. E enfim, acho que voltar anos depois para a mesma região, para as mesmas montanhas e voltar para casa como campeão mundial foi algo que realmente marcou para mim. Senti que valeu a pena o que eu passei, o quanto que persistir em insistir nessa jornada. Depois disso eu acrescento ter vencido a Copa do Mundo na modalidade Olímpica em 2020 e logo em seguida, assumir a primeira colocação do ranking mundial", colocou.

Rumo a Paris 2024

Paris 2024 poderá ser a terceira edição de Avancini em Jogos Olímpicos, quando terá 35 anos de idade. Com humildade e maturidade, ele sabe do papel que possui no esporte. Não tem vontade de ir só por ir. Já não se cobra tanto e mantém-se em alto nível. "Desfruto do mountain bike de uma forma diferente. Esse lado da experiência te faz desfrutar um pouco mais", comentou.

No entanto, como tudo para ele, se for para estar na capital francesa, é preciso ter significado. Certo disso, foi ao ponto: "Tenho um desejo de ir para Paris. Óbvio que sim. Mas eu só iria para Paris se eu continuar me sentindo capaz de entregar coisas melhores do que eu já entreguei, ou tão boas quanto eu já entreguei.

Eu continuo buscando coisas que me tragam maior satisfação, maior realização...se eu ver que ainda tem um significado profundo a minha participação (em Paris 2024), se eu vejo que ainda pode ter um impacto relevante da minha bike no Brasil, isso com certeza é algo que eu vou buscar dentro das pistas", concluiu.

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(2018 Getty Images)

Próximos compromissos

Com base em seu propósito para o esporte dentro e fora das pistas, Avancini pouco a pouco tem resgatado a motivação e o prazer em pedalar. Sempre planejou bastante a sua carreira em longo prazo, mas agora caminha cada passo por vez: "Ano a ano", disse sorrindo timidamente. Sem titubear, falou o porquê: "Por agora só penso em dezembro, eu estou por meses assim e eu estou curtindo esse meu meu processo agora de resgatar certas coisas de mim, de ressignificar algumas outras também."

Tem dado certo.

Ele partirá nos próximos dias para Leogang (AUT), onde vai competir na quarta etapa da Copa do Mundo UCI de Mountain Bike. Estará nas próximas seis até setembro, além dos campeonatos mundiais de short-track (XCC) e de cross-country Olímpico (XCO), sem falar nas provas do calendário brasileiro. Até outubro, a agenda estará cheia.

O que virá depois, o tempo dirá. E com significado será.

"É o que Deus escolheu para mim para evoluir como ser humano", finalizou.

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