Dias de luta, dias de glória: saiba mais sobre Maicon de Andrade, medalhista Olímpico do taekwondo 

Mineiro começou no esporte por um acaso, aos 12 anos, e chegou a trabalhar como ajudante de pedreiro e garçom para seguir competindo. Em entrevista exclusiva ao Olympics.com, ele contou sobre sua trajetória e a vontade de subir ao pódio Olímpico novamente. 

8 minPor Daniel Perissé
Maicon de Andrade celebra o bronze no taekwondo nos Jogos Rio 2016 
(Jamie Squire / Getty Images)

É redundante dizer que a vida de Maicon de Andrade, atleta brasileiro do taekwondo, é repleta de lutas. Sem dúvida, dentro dos tatames sua vitória mais importante foi o bronze obtido na categoria acima de 80kg no Rio 2016, uma conquista considerada completamente inesperada por muitos – menos por ele.

E foi com a mesma confiança que esse mineiro de 30 anos superou outros muitos obstáculos para seguir no esporte: uma rotina de três empregos ainda jovem, entre eles auxiliar de pedreiro e garçom, e um câncer que afetou sua mãe na preparação aos Jogos da capital carioca.

Em entrevista exclusiva ao Olympics.com, ele falou sobre sua trajetória no esporte, a preparação ao Mundial de Taekwondo, a ser realizado em junho em Baku, no Azerbaijão, e os planos de representar o Brasil nos Jogos Paris 2024.

(Jamie Squire / Getty images)

Três empregos para se manter no esporte

Maicon conheceu o taekwondo entre os 11 e 12 anos, graças a um projeto da Prefeitura de Ribeirão das Neves, sua cidade natal, na região metropolitana de Belo Horizonte. Ele era mais um dos garotos que sonhava ser jogador de futebol e, sempre que possível, brincava na quadra municipal.

Entretanto, um dia ele chegou lá para jogar e viu uma telha caída no chão por conta das chuvas, o que tornava inviável o piso do espaço coberto. Para não perder a viagem, incentivado por um amigo, ele resolveu ir fazer uma aula de taekwondo – para nunca mais sair.

“Sempre gostei de luta. Na primeira vez que fiz uma aula de taekwondo, foi como amor à primeira vista. Para mim, o futebol acabou naquele dia, tinha ido para bem longe. Quando botei o pé lá, sabia que aquilo era para mim. Encaixou perfeitamente comigo”, afirmou Maicon ao Olympics.com.

Entretanto, o início não foi nada fácil. Com 16 anos, ele se virava entre os ofícios de auxiliar de pedreiro e garçom para poder bancar os custos relacionados ao taekwondo, e ainda tinha pouco tempo para treinar.

“Quando você vai começar algo, você não tem um apoio financeiro. Você não vai ter uma grande empresa, um nome, uma marca para te patrocinar dentro do Brasil naquele exato momento. Você precisa provar. Então, para me provar, tinha que dar continuidade. Não podia desistir. Então trabalhei como garçom, ajudante de pedreiro, trabalhava como árbitro de competição, tudo para juntar um dinheirinho para fazer minha inscrição, pagar meu hotel, a minha alimentação, para continuar dentro do taekwondo. Teve uma época em que tive de parar durante um ano e meio porque não estava tendo condição.”

Luta contra doença da mãe

Caçula de uma família com mais sete irmãos – apenas uma mulher –, todos criados apenas por sua mãe, Vitória, Maicon se lembra de estar assistindo aos Jogos Olímpicos de Londres 2012 com ela em meio a essa pausa, quando estava mais voltado a ajudar em casa do que seguir no esporte.

“Estava justamente com ela no quarto, assistindo aos Jogos, e falei que poderia estar nos próximos, que já sabia que seriam no Rio. Ela sempre acreditou em mim. Naquele momento ali eu parei, juntei dinheiro, paguei as contas, paguei tudo que precisava pagar e fui me manter no esporte. E voltei pro taekwondo de novo. Até eu provar ser o melhor,” afirmou.

De fato, as coisas começaram a mudar para o mineiro após esse período de pausa. Ele acabou se mudando para o estado de São Paulo e começou a obter melhores resultados. Em meio ao ciclo Olímpico para os Jogos do Rio, veio o anúncio de que sua mãe estava com um câncer. Maicon chegou a pensar em abandonar o esporte, mas ela não deixou:

“Foi um momento difícil na família, a gente teve que estar mais unido. Falei com a minha mãe que eu ia sair do taekwondo e ia ficar ajudando, mas ela não me deixou fazer isso. Então prometi para ela que eu iria ser medalhista olímpico e era a minha promessa para ela. Graças a Deus deu tudo certo e eu prometi para ela que me classificaria aos Jogos Olímpicos e entregaria a ela a medalha. Ela ia estar lá, presente. Foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida.”

(Jamie Squire / Getty Images)

Bronze no Rio foi 'sonho de criança'

A promessa foi cumprida – lá estava Maicon como representante brasileiro na categoria acima de 80 quilos na Arena Carioca 3. Ocupando então a 51ª posição do ranking, ele estava longe de estar cotado para uma medalha.

Na primeira luta, vitória sobre o americano Stephen Lambdin por 9 a 7 com direito a uma virada espetacular, marcando nada menos que oito pontos no terceiro round. Em seguida veio a derrota para Abdoulrazak Issoufou Alfaga por 6 a 1, mas como o atleta do Níger obteve um surpreendente triunfo sobre o uzbeque Dmitriy Shokin, então líder do ranking mundial, o brasileiro foi para a repescagem.

Maicon conseguiu superar o francês M’Bar N’Diaye por 5 a 2 e se credenciou para enfrentar o britânico Mahama Sho, 12º do mundo, por 5 a 4, selando o triunfo faltando três segundos para o fim do combate. Com o resultado, o mineiro se tornava o primeiro atleta brasileiro do taekwondo a obter uma medalha Olímpica, e o segundo no esporte depois de Natalia Falavigna, bronze em Beijing 2008.

“É uma competição que desde criança era um sonho tão grande. Além de tudo, dentro de casa, conquistar uma medalha Olímpica dentro de casa é muito difícil a ficha cair, sabe? É uma história, uma vida. Foi um momento de alegria tão grande, de uma conquista tão grandiosa, que até hoje às vezes ainda me pego sentado ali, pensando no que fiz”, destacou.

Mundial é objetivo principal em 2023

A próxima grande competição de Maicon e da delegação brasileira é o Mundial de Baku, no Azerbaijão, entre os dias 28 de maio e 4 de junho. Segundo o lutador, a meta é superar a competição de 2009, quando o país trouxe cinco medalhas.

“Estão todos fazendo um bom trabalho e indo bem no ranking mundial, nas competições internacionais. Então, acredito que esse Mundial vai entrar para a história como em 2009, quando nós trouxemos cinco medalhas. Acredito que temos tudo para poder ir lá e trazer o maior número de medalhas para casa,” afirmou o brasileiro, que vai lutar na categoria acima de 80kg, a mesma dos Jogos.

A meta de Maicon não só em Baku, mas também nas competições posteriores (o Grand Prix de Roma vem logo a seguir, por exemplo) é ir o mais longe possível, já que essa regularidade o manterá bem colocado no ranking Olímpico.

“Bom, o objetivo é estar e buscar o ouro nesses todos esses eventos. O objetivo é sempre o top um. Conquistando minhas medalhas nesses eventos grandes que você vai ter nesse ano, meu ranking vai sempre estar bem.”

Esse ano, o mineiro conseguiu vencer o Canada Open, em fevereiro, e foi bronze no início de março em Las Vegas, nos Estados Unidos.

Paris 2024 na mira

Se o brasileiro era um completo desconhecido em 2016, hoje a situação é bem diferente. Maicon é o atual quarto colocado do ranking Olímpico da categoria acima de 80 quilos e, se o período de classificação acabasse hoje (termina em dezembro de 2023), garantiria uma vaga ao Brasil, não ao atleta, no evento em Paris 2024.

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Entre os principais adversários na categoria estão o mexicano Carlos Sansores, líder do ranking Olímpico com 362,71 pontos; o marfinense Cheick Cissé, ouro no Rio 2016 e que tem 355.59; o croata Ivan Sapina, com 265,27; e o turco Emre Atesli, quinto colocado com 238,63.

Além de Maicon, que ocupa a quarta posição com 254,04 pontos, outro brasileiro é Ícaro Soares, com 237,20.

Diante desse cenário, a briga está cada vez mais acirrada, e obter os resultados se torna necessário.

“Não posso simplesmente virar e focar apenas no ranking, ou eu vou ficar fora dos Jogos e provavelmente não vou estar nos principais eventos,” comentou o mineiro, que não foi para Tóquio 2020 por critérios técnicos – Ícaro acabou sendo o escolhido.

Apesar de ainda faltar mais de um ano, Paris não é um pensamento distante para o lutador mineiro.

“Tem muita água para rolar. Não falo que vou ser o cara, porque é um cenário muito forte. Vou dar o meu melhor se eu precisar ser o cara trazer essa medalha, nós vamos ser, tem que ser, vamos ser. Estou batalhando bastante para poder ir lá e vou brigar por isso. E acredito que quem classificar também, se eu estiver junto lá, vou apoiar, estaremos lá para a guerra mesmo. E essa medalha não vai para continente nenhum, vai para o Brasil.”

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