Ana Patrícia e Duda querem repetir ouro dos Jogos da Juventude 10 anos depois

Por Leandro Stein
11 min|
Duda e Ana Patrícia comemoram o título do Mundial de Vôlei de Praia Roma 2022, em junho.
Foto por FIVB

Uma jovem que cresceu nas areias ao lado da mãe, jogadora profissional de vôlei de praia, se une a outra garota que nasceu bem distante do mar e só começou na modalidade aos 16 anos. Juntas, colecionam títulos ao redor do mundo. Tal enredo pode até parecer um roteiro de cinema, mas está sendo vivido neste momento. Duda Lisboa, a sergipana das praias, e Ana Patrícia, a mineira do interior, formam uma parceira que se encaixou à perfeição.

As primeiras conquistas juntas, nas competições de base, ainda levaram Ana Patrícia e Duda a caminhos distintos como profissionais. As amigas foram adversárias no circuito mundial durante bons anos e disputaram com outras parceiras os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. A partir de 2022, Ana Patrícia e Duda voltaram a se unir, agora no nível adulto. Lideram o ranking mundial e acumulam feitos, com direito a um ouro e uma prata nas duas últimas edições do Campeonato Mundial. Paris 2024 é o maior sonho.

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"Eu quero viver verdadeiramente os Jogos Olímpicos", revelou Ana Patrícia, ao podcast do Olympics.com, em 2023. "Minha maior alegria vai ser realmente vivenciá-los". Uma visão compartilhada por Duda, como apontou ainda em 2021, ao Correio Brasiliense: “Sempre foi um sonho me classificar para os Jogos Olímpicos. O ápice de qualquer atleta é conseguir uma vaga nas Olimpíadas. Sou muito feliz, porque sempre sonhei e imaginava isso”. O entrosamento é especial até na hora de ambicionar.

Foto por World Volleyball

Duda nasceu já nas quadras do vôlei de praia

O vôlei de praia é um assunto de família para Duda. Sua mãe, Cida Lisboa, saiu do interior de Sergipe para se profissionalizar na modalidade e disputar o circuito nacional. A filha nasceu em Aracaju e, ainda criança, fazia viagens de ônibus com a mãe para assisti-la em torneios pelo Nordeste. Assim, foi natural que a garota passasse a praticar o esporte desde muito cedo. Tinha apenas nove anos quando começou a participar de suas primeiras competições.

Tudo aconteceu de maneira muito precoce para Duda. Aos 12 anos, a sergipana já disputou o circuito competitivo adulto em seu estado. Terminou na quinta colocação de uma etapa que teve a mãe, Cida, em terceiro. E as principais lições vinham de dentro de casa. Além de jogadora, Cida desenvolveu um projeto como treinadora em sua cidade, São Cristóvão, na região metropolitana de Aracaju. Por lá montou um centro de treinamentos para lapidar talentos. A própria filha se tornou exemplo.

“A Duda sempre foi uma menina disciplinada, sempre pegou todos os treinos muito fácil. Ela era muito à frente de cabeça. Psicologicamente ela era muito melhor que as outras crianças da idade dela, sempre tinha algo mais. Aí eu vi que era diferenciada”, disse Cida Lisboa, em entrevista ao Olimpíada Todo Dia, em 2020. “A sensação de ver ela chegar onde está é a melhor possível. Eu me sinto realizada, porque além dela ter escolhido o mesmo esporte que eu, ela é essa atleta excepcional. Eu tenho a sensação de dever cumprido, porque tudo que a gente propôs para ela deu certo. E a Duda assimilou muito bem”.

Duda se transformou na principal promessa do vôlei de praia. O ano de 2013 foi essencial para perceber como ela poderia chegar longe. A novata disputou Campeonatos Mundiais de base em três categorias diferentes: foi vice-campeã no sub-23 e levou o ouro no sub-19, além da nona colocação no sub-21. Um fenômeno despontava, se adaptando a diferentes parceiras. Logo estreou no circuito mundial e passou a frequentar as estruturas da seleção.

"Sempre entrei em quadra no intuito de me divertir, não chegava a sentir uma pressão propriamente. Acreditava que o que tinha que acontecer, aconteceria e seria fruto de muito trabalho. Aconteceu tudo tão rápido, e eu jogava na base mais solta, me divertindo. Nos mundiais que ganhei era assim, me divertia em quadra, não era um peso. As oportunidades de jogar apareciam e eu aproveitava da melhor forma", disse Duda, ao site do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), em 2021.

Ana Patrícia comemora com Duda

Ana Patrícia saiu do interior de Minas para evoluir rápido

Ana Patrícia, por sua vez, nasceu longe das praias. A mineira é natural de Espinosa, cidade de 30 mil habitantes na divisa com a Bahia. O esporte, contudo, está presente na vida da atleta desde a sua infância. Ser boa dentro de quadra era uma maneira da garota se proteger do bullying, sofrido por causa de sua altura. Pati se aventurava em várias modalidades: futsal, natação, handebol. Era tão “fominha” que, quando tinha 10 anos, pediu para se mudar da escola particular onde estudava para uma pública, só por causa da quadra nova.

Durante a adolescência, Ana Patrícia pensava em se tornar atleta profissional, mas do futebol. Jogava no time da cidade e se misturava inclusive no meio de meninos. “Sempre tive na mente que seria atleta”, afirmou Ana Patrícia, ao site do COB, em 2020. “Sempre senti, nunca consegui pensar em outra coisa para a minha vida que não fosse ser atleta. Quando apareceu a oportunidade, agarrei com todas as forças.”

O handebol serviu de ponte para o futuro de Ana Patrícia. A adolescente disputava os Jogos Escolares em Minas Gerais. Chamava atenção pela habilidade e pela estatura. A garota gostava também de acompanhar os jogos do vôlei, mas Espinosa não possuía time na modalidade. Foi quando um professor conseguiu a oportunidade para que ela se provasse num projeto da cidade de Betim no vôlei de praia. Pati já tinha 16 anos e não via muitas perspectivas em seu município. O convite fez seus olhos brilharem.

Ana Patrícia nem sabia jogar vôlei de praia direito, mas seu potencial era claro e ela acabou aprovada. De início, enfrentava longas viagens de Espinosa a Betim, até que convenceu os pais a se mudar de cidade. Os treinos trabalhavam sobretudo os fundamentos da jovem, que se habituava ao vôlei. E a vivência em outros esportes ajudou, por sua mobilidade e noção de espaço. A novata evoluiu muito rápido. Em quatro meses, já foi chamada para o centro de desenvolvimento da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) em Saquarema.

“O vôlei veio para transformar algumas crenças que eu tinha e para me realizar, não só como profissional, mas também como pessoa”, enfatizou Ana Patrícia, ao site do COB, em 2020. O vôlei de praia, em especial, permitia um novo estilo de vida. “Quando eu conheci na pele o vôlei de praia, a liberdade me encantou. Sempre viajar e estar sempre na praia é muito bom. Não me imaginava antes, mas hoje sei que é o melhor que poderia ter acontecido”, sublinhou ao ge.com, em 2017.

Foto por CBV

Uma parceria que deu muito certo já na base

O destino não demorou a unir a mineira que decolava nas praias e a sergipana que nasceu nas quadras. Ana Patrícia e Duda formaram dupla pela primeira vez em 2014, logo nos primeiros meses de Pati na nova modalidade. Estavam predestinadas ao sucesso: juntas, conquistaram os Jogos Olímpicos da Juventude Nanjing 2014. As expectativas sobre as adolescentes se cumpriam cedo e elas conseguiam se entender muito bem, com uma diferença de menos de um ano entre si.

As carreiras das duas jovens seguiam por rumos paralelos no circuito profissional, mas a seleção se beneficiava da união para os torneios de base. Em 2016, Ana Patrícia e Duda voltaram a disputar uma competição internacional, o Mundial Sub-21, e levaram o ouro em Lucerna. Um ano depois, em 2017, Nanjing recebeu a nova edição do Mundial Sub-21 e a dupla foi campeã de novo na cidade chinesa.

Todavia, as duas talentosas atletas permaneceram em caminhos diferentes nos anos seguintes. Ana Patrícia se mudou a Fortaleza para ser treinada por Reis Castro, que consagrou Juliana e Larissa com o bronze Olímpico em Londres 2012. Antes da Rio 2016, a mineira aprendia valiosas lições ao ver in loco os treinos de Larissa e Talita. Firmou parceria com Rebecca. Já Duda continuou em Sergipe até 2017, quando partiu para o Rio de Janeiro. Seria a nova parceira de Ágatha, 15 anos mais velha e ganhadora da prata na Rio 2016 ao lado de Bárbara.

Foto por FIVB

A estreia Olímpica em duplas distintas e o recomeço juntas

O ciclo Olímpico de Tóquio 2020 rendeu conquistas importantes a Duda e Ana Patrícia, com suas respectivas parceiras. Ao lado de Ágatha, Duda conquistou o título do circuito mundial em 2018. A sergipana ainda ganhou duas vezes o prêmio de melhor jogadora do mundo. Já Ana Patrícia não teve feitos tão grandes, mas também acumulou medalhas em competições internacionais e foi campeã do circuito nacional em 2020. No fim das contas, as duas duplas puderam representar o Brasil no vôlei de praia feminino dos Jogos Olímpicos Tóquio 2020.

Só não foi a campanha que as brasileiras sonhavam. Ágatha e Duda perderam nas oitavas de final, para as alemãs Maggie Kozuch e Laura Ludwig-Bowes. Ana Patrícia e Rebecca pararam nas quartas, diante das suíças Joana Heidrich e Anouk Vergé-Dépré. Pela primeira vez desde a introdução do vôlei de praia nos Jogos Olímpicos, em Atlanta 1996, o Brasil não atingiu sequer as semifinais no feminino.

Os meses seguintes foram de fim de ciclo para Ana Patrícia e Duda. A mineira desfez a dupla com Rebecca, enquanto a sergipana se separou de Ágatha no final de 2021, depois do segundo título no circuito mundial e do primeiro no circuito brasileiro. A temporada 2022 marcou então o reencontro das parceiras que tanto sucesso tiveram na base: Ana Patrícia e Duda viravam uma equipe a ser batida no circuito mundial. O impacto inicial já cumpriu todas as promessas.

"Temos ótimas lembranças juntas. Fizemos grandes campeonatos, conquistamos títulos que marcaram a nossa carreira quando éramos bem jovens e a expectativa é que as conquistas estejam com o nosso time de novo daqui para frente. Acredito que, com a maturidade de nós duas, temos tudo para conseguir resultados ainda melhores", apontou Duda, ao UOL Esporte, em 2022.

Medalhas, medalhas e mais medalhas

Ana Patrícia e Duda já se conheciam bem quando resolveram unir forças no circuito mundial. As experiências anteriores com outras jogadoras foram importantes para amadurecer as jovens, enquanto os objetivos em comum fortaleciam a volta da parceria. São duas atletas que se complementam dentro de quadra, com as particularidades de seus estilos. E que também são entrosadas fora das areias, muito amigas no dia a dia.

"Elas se completam. Duda e Ana se conhecem desde novinhas e a gente, como família, esperava muito que elas se juntassem de novo. Para nós, o que importa é que elas estejam sempre lindas e consigam tudo o que almejam, porque a alegria delas é a alegria da nossa família. As meninas são razão de muito orgulho, tanto para mim, quanto à família de Cida. Eu considero Duda como filha e Cida também pensa o mesmo da Pati", comentou Eugênia, a mãe de Ana Patrícia, em entrevista ao UOL Esporte em 2023.

A nova velha dupla ainda pediu de início paciência para a readaptação. O barulho que elas fizeram no circuito, entretanto, foi imediato. O primeiro ouro internacional em 2022 já foi enorme: a conquista do Campeonato Mundial, realizado em Roma. As brasileiras levaram mais dois ouros em etapas do Elite 16 do circuito e a prata no Finals em Doha. Já em 2023, o bicampeonato mundial não veio por pouco, com a prata em Tlaxcala. Em compensação, Ana Patrícia e Duda ganharam cinco ouros em nove etapas do Elite 16. Ficaram com o bronze no Finals em Doha. Faturaram o circuito brasileiro. E tiveram um desfecho dourado nos Jogos Pan-Americanos 2023.

"A gente está vivendo um momento bacana, que a gente está conseguindo olhar e falar 'essa é a nossa identidade'", declarou Ana Patrícia, em 2023, ao podcast do Olympics.com. "A gente é muito desligada disso [dos títulos no Elite 16]. Acabou o campeonato, a gente venceu ou não venceu, o que isso mudou? Não fazemos a mínima ideia. A gente é muito ligada no trabalho. Dizemos: 'Pronto, já foi? Vamos olhar para o próximo ano.' Sim, dá pra curtir aquele momento feliz, mas vamos olhar pro próximo."

A mentalidade continua dando muito certo em 2024. Ana Patrícia e Duda lideram o ranking mundial do vôlei de praia feminino. Também ampliam a coleção de medalhas, como no ouro do Elite 16 de Brasília. O Brasil costuma lidar com muita pressão no vôlei de praia, por toda a sua tradição nos Jogos Olímpicos. Ainda assim, poucas vezes uma dupla indicou tanto potencial para triunfar na modalidade. O sucesso de Ana Patrícia e Duda parece estar escrito, e já rendeu muitas alegrias em poucos anos de parceria.