Ana Patrícia: do interior do Brasil para brilhar nas areias do vôlei de praia
Mineira natural de Espinosa tem história de vida fascinante. Cresceu bem distante das praias e chegou ao vôlei por acaso. Ao lado de Duda, venceu quatro etapas do Elite 16 em 2023 e agora parte para o Mundial na defesa do título de 2022. Rumo a um bicampeonato? "Não há favoritas", disse em entrevista ao Olympics.com.
Atual campeã do Mundo, líder no ranking feminino e detentora de quatro títulos do Elite 16 em 2023 - principal série do circuito internacional de vôlei de praia - Ana Patrícia Silva Ramos curiosamente vem de um lugar bem distante do mar. Muito, inclusive. Espinosa, sua cidade natal, localizada no extremo norte de Minas Gerais, está a centenas de quilômetros das praias ou de centros de médio porte.
Uma rotina de relativo isolamento que reflete no cotidiano de crianças, jovens e adultos. Dimensiona sonhos, um molde capaz de criar uma ideia de até onde se pode ir. "A coisa mais incrível para mim era sair Espinosa e ir para Montes Claros para comprar iogurte em uma grande rede de supermercados. Eu achava aquilo a coisa mais sensacional, mais grandiosa que eu podia fazer", revelou Ana Patrícia.
Quis o acaso que a vida não fosse assim para ela. Hoje, brilha nas areias do mundo todo e vai para o Mundial da modalidade, em Tlaxcala (México), em defesa do título conquistado em 2022 ao lado de Duda, uma nova velha parceira.
Em entrevista ao Olympics.com, ela reflete sobre sobre sua dupla e uma temporada 2023 que julga ser de "resiliência". Do chão, só tira os pés para atacar. Tem cada passo planejado, sem se esquecer de que pode muito mais, e trabalha em busca de medalha em Paris 2024.
Vôlei entrou em sua vida por acaso
Em Espinosa, Ana Patrícia sempre se encontrou nos esportes. Por conta do bullying, achou no futebol uma turma que a fez se sentir especial. Vivia também em frente a um clube, onde jogou futsal e praticou natação. Mas foi no handebol, em uma edição de Jogos Escolares, quando foi descoberta para o vôlei, recebendo convite do Professor Augusto Figueiredo para um teste na seleção mineira de vôlei de praia.
Sem saber jogar.
"Não sabia como, mas disse que podia aprender", lembra-se. Convenceu a família e mudou-se para Betim, na Grande Belo Horizonte, em 2013.
Seis meses depois, fez parceria com a sergipana Duda e foi medalhista de ouro nos Jogos Olímpicos da Juventude Nanquim 2014, na República Popular da China. Era só o começo da dupla.
Em 2015, resolveram seguir caminhos distintos, em cidades diferentes, formando outras duplas, oportunidade que permitiu Ana Patrícia mergulhar no universo da modalidade. Foi morar em Fortaleza. "A Duda tinha já que dar passos maiores. Eu estava começando ainda", recorda-se.
"Eu ficava observando os treinos da Larissa e Talita, que se preparavam para os Jogos do Rio de Janeiro e as conversas delas depois do treino", disse.
Esse detalhe deu a Ana Patrícia a dimensão do que eram os Jogos Olímpicos. "Passei a pensar: 'nossa, esses Jogos Olímpicos devem mesmo ser diferentes'. Eu não tinha noção do que era, o campeonato brasileiro eu já considerava o máximo."
A retomada da parceria com Duda
O afastamento mostrou-se fundamental para o seu amadurecimento e perceber o que queria realmente para a carreira. Pariticipou dos Jogos Tóquio 2020, terminando em quinto lugar, com Rebecca Silva de dupla. Na capital japonesa, o premiado vôlei de praia do Brasil não foi sequer ao pódio.
"Foi um momento bem difícil ali, porque a gente tem um país que carrega uma responsabilidade, vamos ser sinceros sobre isso, por ser um esporte que sempre trouxe medalha. Então, assim, para a gente que estava ali representando o país e também representando, o nosso sonho, foi um momento muito difícil. Mas hoje eu entendo que foi um momento importante também e eu acho que teve muito aprendizado ali", pontuou Ana Patrícia a respeito do desempenho do país na modalidade nos Jogos de Tóquio.
Um fim de ciclo Olímpico que proporcionou novos rumos. Com planos comuns, Ana Patrícia retomou a parceria com Duda. "Não foi algo que a gente planejou. Foi mesmo a vontade de Deus", ressaltou.
Depois de tanto tempo longe, teve que reaprender a jogar ao lado da sergipana. Apesar de já conhecê-la, tratou a oportunidade como um recomeço e reinventou-se: "Eu reaprendi também a ser atleta, porque eu tive que desconstruir muito do que eu acreditava para formar um novo time, com profissionais diferentes, com crenças diferentes."
Relembre | A retomada da parceria entre Ana Patrícia e Duda
Um ano e nove meses depois de juntas novamente, Ana Patrícia é segura em afirmar: "A gente está vivendo um momento bacana, que a gente está conseguindo olhar e falar 'essa é a nossa identidade'."
Uma identidade que tem levado ao topo
Por identidade se entende um reconhecimento próprio, algo com qualidade e características únicas. Identidade requer tempo. Em uma coletividade, identidade exige planos em comum.
"Eu acho que a gente conseguiu atingir os objetivos que a gente tinha quando se juntou", ressalta Ana Patrícia. Em outras palavras, reuniram os planos comuns. No entanto, ela não se esquece das experiências que teve com outras parceiras nas areias. Tudo foi extremamente válido e contribuiu para a sua formação. "Eu acho que a gente viveu as experiências que teve que viver, com as pessoas que a gente tinha que viver", comentou.
Um ano e nove meses depois de restabelecida a parceria, Ana Patrícia e Duda lideram o ranking mundial. Das oito etapas do Elite 16 em 2023, venceram metade. A mais recente, em Paris, nas areias da icônica Roland Garros.
Relembre | A vitória de Ana Patrícia e Duda no Elite 16 de 2023 em Paris
"A gente é muito desligada disso [dos títulos no Elite 16 em 2023]. Acabou o campeonato, a gente venceu ou não venceu, o que isso mudou? Não fazemos a mínima ideia. A gente é muito ligada no trabalho. Dizemos: 'Pronto, já foi? Vamos olhar para o próximo ano.' Sim, dá pra curtir aquele momento feliz, mas vamos olhar pro próximo", ressalta Ana Patrícia, ciente dos altos e baixos de uma carreira profissional. "O foco é competição por competição, porque a gente vai muito do céu ao inferno muito rápido. Quando você ganha, você é o melhor, e quando você não atinge o que as pessoas acreditam, praticamente você não serve pra nada."
Esse céu e o inferno, saber se encontrar dentro dessa situação e a rapidez com que isso se dá, afeta a saúde mental e torna-se um desafio para qualquer ser humano. Algo para que Ana Patrícia tem se dedicado mais. Pela primeira vez na carreira, ela tem acompanhamento de uma psicóloga, que se mostra fundamental: "No nível que a gente está hoje, os momentos mais importantes são realmente decididos pelo psicológico."
Por tudo isso, Ana Patrícia define a temporada 2023 em duas palavras: resiliência e união. Resiliência por conta da pressão, dedicação e resultados. União porque o entrosamento tem feito a diferença, além de muito trabalho e estudo.
Vitoriosa temporada significa favoritismo para o Mundial de Tlaxcala?
No Mundial de Tlaxcala (México), entre 6 e 15 de outubro, Ana Patrícia defende o título obtido em 2022. Para ela, não há favoritas, uma vez que os campeonatos estão mais competitivos e muito mais incertos, com mais duplas que se revezam no pódio. "Dificilmente os times se repetem [no pódio], ainda bem. A Duda e eu estamos conseguindo ter essa constância, esses bons resultados. Mas a gente entende que ali no Mundial tudo pode acontecer."
Não se mostra nem um pouco ansiosa por um possível bicampeonato. Sobre isso, reagiu: "O pessoal já está naquela de 'vão ganhar de novo?' Quando chegar o Mundial, aí sim a gente vai pensar no Mundial."
Mundial de Vôlei de Praia 2023 | Veja grupos e confrontos das duplas brasileiras
A expectativa para os Jogos Paris 2024
É pensando cada passo por vez que Ana Patrícia quer caminhar para assegurar uma vaga em Paris 2024. "Eu quero viver verdadeiramente os Jogos Olímpicos", revelou. "Minha mais alegria vai ser realmente vivenciá-los."
Para obter a vaga Olímpica, se dedica de corpo e alma ao esporte. Quer, sobretudo, estar feliz. "Quando você está feliz, as coisas fluem", diz. Melhor ainda será se ela puder viver essa experiência com uma medalha ao peito no final.
"Eu acho que ia passar uns três dias chorando. É tanta coisa que a gente vive e se abdica, né?"
Para quem um dia considerava os Jogos Olímpicos fora da sua realidade - muito além de onde achava que podia chegar -, somar mais uma participação e obter medalha poderá ser a consagração de todo um trabalho. Mas não somente isso, o seu exemplo pode transformar a vida de muitas pessoas, a cada autógrafo e cada gesto de carinho que tem com os seus conterrâneos, todas as vezes em que volta para a sua natal Espinosa.
Exemplo de que a realização dos sonhos está ao alcance de todos.