Sophia Medina escreve sua própria história no surfe enquanto honra sobrenome

Por Leandro Stein
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Sophia Medina
Foto por Daniel Smorigo/WSL

As ondas de Saquarema abrigarão um momento especial para a família Medina nos próximos dias. Ver Gabriel Medina na elite do surfe está longe de ser uma novidade. Porém, pela primeira vez o tricampeão mundial terá a companhia de sua irmã mais nova, Sophia Medina, numa competição do circuito. A brasileira de 19 anos segue o exemplo do irmão, mas também quer se confirmar entre as principais surfistas do planeta.

"Eu estou muito feliz. Ainda mais de competir com meu irmão. Eu comecei no surfe por causa dele, então não tem nada mais especial que isso. Eu vou poder assistir a ele e ele vai estar lá por mim também", afirmou Sophia, ao ge.globo. Será uma confraternização familiar às vésperas da partida de Gabriel rumo ao Taiti, em busca da medalha nos Jogos Olímpicos Paris 2024. Já Sophia pode mirar um pouco mais enquanto sonha com LA28.

Esta será a primeira vez de Sophia Medina no Championship Tour, a principal divisão da WSL. A brasileira costuma participar de etapas de Challenger e Qualifying Series, mas acabou convidada para substituir em Saquarema a australiana Tyler Wright, que se contundiu. Sophia é a segunda na classificação do Challenger e seus resultados respaldam o chamado. Terá a chance de se apresentar no principal palco do surfe brasileiro.

O sobrenome de Sophia Medina, claro, acaba sendo um grande cartão de visitas. Mas não é a isso que se limita o talento da jovem nascida em São Sebastião. Se por um lado os caminhos desbravados antes por seu irmão, 11 anos mais velho, serviram de escola, por outro a paulista precisa superar diariamente as desconfianças. Dedica-se para ter sucesso e elevar o surfe feminino brasileiro.

“É uma honra representar esse nome. Um peso porque todo mundo cria expectativa, mas é um baita incentivo para escrever a minha própria história e trabalhar para conseguir chegar lá”, afirmou Sophia Medina, ao Lance!, em 2023. “Eu acho que ter o sobrenome Medina no surfe é espantoso. Todo campeonato que eu vou, acabam falando ‘irmã do Gabriel Medina’. Tenho muito orgulho de representar esse nome, mas só me dá mais vontade de levar o meu próprio nome, a minha própria história.”

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Foto por Marcio David/WSL

O apoio do irmão campeão e do pai treinador

Até pela diferença de idade, o nome de Gabriel é inerente à ascensão de Sophia Medina dentro do surfe. A garota tinha oito anos quando começou a pegar ondas, inspirada exatamente pela afirmação do irmão na elite do esporte. Não demorou para que ele conquistasse seu primeiro título mundial, meses depois, em 2014. Sophia o acompanhava em algumas ocasiões e queria vivenciar o mesmo no futuro.

“Sempre vi o Gabriel indo surfar. Via meu pai indo com ele. Quando eu cheguei aos sete, oito anos, eu falei: ‘Poxa, pai. Eu acho muito legal o que você está fazendo com o Gabriel, o que ele está fazendo…’ E disse que queria começar. Aí meu shaper, o Cabianca, deu minha primeira prancha. E eu surfava de pé, só na espuminha. Eu amava surfar. Ia perdendo o medo. Sempre via o Gabriel e sempre admirei o amor dele pelo surfe. Então pensei que queria isso para mim”, contou Sophia, ao ge.globo, em 2019.

Sophia chegou até a flertar com outro esporte, o futebol, a ponto de integrar o time de sua escola. Contudo, quando tinha dez anos, a menina deu prioridade ao surfe. E tinha outro grande incentivador dentro de casa: o pai, Charles Saldanha, que foi treinador de Gabriel em seus dois primeiros títulos mundiais. Seria ele também o responsável por treinar a caçula a partir de então.

Mais um impulso ao talento de Sophia aconteceu através do Instituto Gabriel Medina, criado em 2016 para incentivar a formação de novos surfistas. A jovem se tornou uma das alunas em Maresias, enquanto também iniciava sua carreira competitiva. Aproveitava a estrutura para fazer aulas de natação, inglês e outros cursos de capacitação. O surfe, de qualquer maneira, era a cereja do bolo.

Sobre o Instituto Gabriel Medina, Sophia comentou ao ge.globo: “Foi a principal coisa que me ajudou a evoluir. Além de treinarmos aqui e termos um suporte que ninguém tem no mundo todo. É o único instituto de surfe do mundo. E é do melhor do mundo. A gente tem essa vantagem. Tem treinadores, tem aulas, tem muita oportunidade. Essa galera que veio de fora, me ajuda muito na evolução. São pessoas diferentes, com personalidades diferentes, com surfe diferente.”

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O amadurecimento rápido para lidar com as comparações

As comparações entre Sophia Medina e o irmão famoso são repetitivas, também porque a jovem surfista deu motivos para tal desde seu início no surfe competitivo. A garota começou a colecionar os primeiros títulos a partir dos 13 anos e triunfava em torneios também vencidos por Gabriel na base. Todavia, se por um lado existia um caminho aberto pelo primogênito, por outro a caçula passou a lidar com a pressão do sobrenome.

Pai e treinador, Charles Saldanha ressalta como Sophia possui maturidade para lidar tão logo com a exposição. “Ela amadureceu muito rápido. Por causa do Gabriel, conviveu bastante no circuito mundial, mas sabe que precisa fazer a história dela. O sobrenome não garante nada, importa o que ela vai fazer lá dentro do mar. Não é fácil, precisa ter equilíbrio para lidar com críticas injustas e elogios a mais, porém tenho certeza de que ela vai fazer sua própria história no surfe”, afirmou o pai, ao Estadão, em 2021.

Entre tudo que seu sobrenome provoca, Sophia tem cuidados especiais com seu bem estar mental, conforme revelou à revista Capricho: “Em 2020, dei uma pausa nas redes sociais porque elas não estavam me fazendo muito bem. Tirei um tempo para cuidar da minha saúde mental e focar no que realmente importa, que é passar tempo com a minha família e com as pessoas que eu amo, surfar e viver a vida sem me preocupar com o que as pessoas acham. Meu objetivo é não deixar a pressão da rede social entrar na minha mente."

Gabriel, por sua vez, oferece grande apoio a Sophia Medina através de seus conselhos. Indica o caminho das pedras também em relação aos desafios da carreira. “Vejo muito ele surfando. O jeito de agir dentro e fora”, apontou Sophia, ao ge.globo. “Quero ser a melhor do mundo assim como ele é. Mas sei o que ele passou para conseguir, sei o que eu vou passar. Isso é bom para mim. Ele já passou pelo que estou passando e me dá várias dicas de surfe e de vida.”

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Sophia Medina

Foto por WSL

De irmãzinha do Medina a competidora

Sophia Medina passou a figurar no circuito internacional especialmente a partir de 2021. A surfista sublinhou seu DNA vitorioso logo com as primeiras conquistas. Tinha 16 anos quando venceu o Saquarema Surf Festival Roxy Pro, na Qualifying Series. Outra vitória marcante aconteceu em 2022, no LayBack Pro em Florianópolis, que rendeu o título sul-americano da WSL para a adolescente.

Entre os mais felizes com a vitória de Sophia estava, claro, o irmão Gabriel. "Quando eu tinha 15 anos, ganhei minha primeira etapa do Qualifying Series na Praia Mole. Hoje, com 16 anos, minha irmã se tornando campeã sul-americana na mesma praia. Eu quero declarar que a Praia Mole tem meu coração. Esse lugarzinho sempre foi e continua sendo especial pra gente. O sonho continua. Sophia Medina, mais uma vez, seu irmão sendo coruja. Te amo", escreveu o surfista, em seu perfil no Instagram.

Os resultados de Sophia Medina continuaram consistentes ao longo dos últimos meses. A paulista conseguiu diversos pódios na Qualifying Series, enquanto melhora seu desempenho no Challenger. Saquarema garantirá uma vitrine maior. “Estou competindo, conseguindo os meus resultados. Estou indo a lugares que eu ia como irmãzinha do Gabriel só para assistir e torcer, mas agora como competidora de verdade”, comentou, ao Lance!

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A inspiração a outras mulheres no surfe

Sophia Medina não surfa apenas por ela. A paulista busca representar a qualidade das surfistas brasileiras no cenário internacional. Se de um lado o surfe masculino do Brasil possui grande prestígio, o feminino busca tornar mais frequentes as conquistas. É um objetivo de Sophia se inserir neste contexto.

"Eu não quero esperar alguém provar que é possível que o surfe feminino está aqui. Eu quero que a gente leve isso, quero fazer parte dessa história do surfe brasileiro feminino, realmente começar a se destacar nos mundiais e fazer diferença. Eu vim numa geração feminina que é muito forte no mundo todo, então quero muito ter a oportunidade de estar entre essas meninas representando o Brasil”, analisou Sophia, ao Lance!

Principal brasileira do circuito mundial, Tatiana Weston-Webb naturalmente é outra inspiração a Sophia Medina, muito além de seu irmão: “Às vezes, a gente se encontra em algum lugar do mundo e converso com ela, é super simpática. Aprendo com ela de longe ou de perto, é uma guerreira, uma competidora. Ela cresceu no Havaí, mas mostra a garra brasileira. Tenho muito respeito.”

Outra referência frequentemente citada por Sophia Medina é Carissa Moore, medalhista de ouro em Tóquio 2020. Mais do que a qualidade da havaiana, a brasileira também mira a capacidade de estabelecer novas fronteiras: “A Carissa dá aéreo rodando, manobras que os meninos dão. Eu quero isso. Quero buscar o diferente. Quero fazer as coisas que as meninas não conseguem. Os meninos têm uma parte física mais forte e são um pouco mais evoluídos. Temos que buscar isso. A Carissa faz. É uma questão de eu me inspirar nela.” O sobrenome Medina, afinal, não precisa ter só um significado ao surfe brasileiro.

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