Rebeca Andrade, Rayssa Leal, Iga Swiatek e outros: a saúde mental como legado da nova geração
Jovens atletas vêm destacando importância do cuidado com a saúde mental e o poder da psicologia esportiva na alta performance
Era 28 de julho de 2021 quando Simone Biles parou o mundo do esporte: a multicampeã da ginástica artística havia desistido de disputar a final do individual geral nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 para priorizar sua saúde mental, se retirando também das finais por aparelhos posteriormente. A decisão da atleta dividiu opiniões. Muitos criticaram, mas outros também apoiaram, o que diz muito sobre o tema nos dias de hoje.
Durante muito tempo, a saúde mental foi um assunto pouco falado no meio esportivo, praticamente um tabu. Ela não fazia parte da preparação dos atletas de alto rendimento, que muitas vezes sofriam em silêncio. Michael Phelps, por exemplo, conviveu por muito tempo com a depressão sem revelar publicamente, com medo que isso poderia ser visto como um sinal de fraqueza, dando vantagem aos adversários.
Por décadas, essa foi a mentalidade predominante. Mas com os anos, o cenário - cada vez mais insustentável - começou a mudar. Atletas passaram a se posicionar mais sobre o tema, abrindo o debate sobre a sua importância. O nadador, inclusive, foi um deles, após sua aposentadoria.
A psicologia esportiva foi, então, ganhando cada vez mais espaço - ainda que de maneira pouco divulgada - e se estabelecendo como um pilar base do alto rendimento, mostrando que atletas profissionais são seres humanos que também lidam com estresse, pressão e desafios como qualquer outra pessoa. E especialmente em tempos de redes sociais e grande exposição, quem teve - e tem - papel fundamental nesse processo de ressignificação da saúde mental no esporte é a nova geração de atletas.
A decisão de Simone Biles foi um divisor de águas e seguiu o caminho oposto de Phelps e outros tantos que vieram antes dela. A tenista japonesa Naomi Osaka, por exemplo, seguiu o mesmo rumo da ginasta e também optou por deixar as quadras para cuidar de sua saúde mental aos 24 anos. Aliado a isso, outras atletas como Rebeca Andrade, Rayssa Leal e Iga Swiatek falam abertamente como a psicologia esportiva é um dos principais trunfos para alcançar o topo e, principalmente, se manter lá.
A terapia na vida de Rebeca Andrade e Rayssa Leal
Rebeca, de 24 anos, e Rayssa, de 15, são duas das maiores atletas do Brasil e do mundo na atualidade. Ambas fazem questão de destacar como a psicologia esportiva foi peça fundamental em suas diversas conquistas.
Campeã mundial e medalhista olímpica da ginástica artística, Rebeca começou a terapia aos 13 anos, quando a prática já fazia parte das iniciativas da equipe multidisciplinar do Comitê Olímpico Brasileiro. “Eu seria uma pessoa totalmente diferente [se não tivesse feito terapia]. Teria mais medo, mais dúvida, mais inseguranças, porque, ao mesmo tempo que eu me conheci dentro da ginástica, me conheci na vida”, contou Rebeca em entrevista ao UOL.
Foi com a terapia que ela aprendeu a lidar com a cobrança e a pressão externas. E Biles também foi importante nesse processo. “Ela foi muito forte mesmo e eu me sinto muito orgulhosa, tanto que eu fiz o mesmo por mim no Mundial, quando eu decidi não fazer solo. Porque a gente precisa entender que o nosso corpo e a nossa cabeça têm um limite, e que a gente precisa respeitar o nosso corpo. Não posso controlar as expectativas das outras pessoas. A única pessoa que eu posso controlar sou eu”, disse ao Olympics.com.
Já nas pistas de skate, Rayssa Leal despontou para o mundo muito cedo. Aos 15 anos, já acumula diversos títulos e uma medalha olímpica. O sucesso precoce, porém, teve grande impacto na vida de Fadinha. Quem a vê nas competições, tão segura de si, nem imagina o que acontece por trás.
“Eu tinha muito medo dos campeonatos, de ‘ai, se eu não me dar bem’. Outras várias coisas, dos obstáculos serem altos... Sei que consigo jogar, mas minha mente acaba falando ‘ai, não tenta’. Ela [psicóloga esportiva Gissele Serra Angeliéri] vai me ajudando a meio que desbloquear isso”, disse ao Olympics.com. “Foi uma das melhores coisas para mim como atleta, porque sou muito novinha e tudo aconteceu muito rápido. A ajuda dela e da minha equipe foi essencial para mim”.
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Saúde mental no futebol
Na final da Copa Libertadores 2024, uma cena chamou a atenção: o agradecimento de Jhon Arias à Emily Gonçalves, psicóloga do Fluminense, após a conquista do título. “Obrigado por tudo. Você me faz ser o que eu sou hoje”, disse o jogador de 26 anos.
A saúde mental no futebol, porém, ainda é um tema delicado, especialmente no masculino. Segundo um levantamento do site Trivela de setembro de 2023, apenas 10 dos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro tinham psicólogos em suas equipes. No entanto, o processo de mudança, ainda que gradual, vem acontecendo a exemplo dos demais esportes olímpicos, também com os testemunhos de jovens atletas que resolvem falar sobre o assunto publicamente.
Arias foi um dos exemplos, assim como Richarlyson no ano passado. Vivendo uma temporada difícil no Tottenham e na seleção brasileira, o atacante foi flagrado chorando no banco do Brasil após ser substituído no jogo contra a Bolívia pelas Eliminatórias. Ao final daquela Data Fifa, ele disse que planeja trabalhar com um terapeuta para tratar essas questões.
“Agora eu sei o peso que o Ronaldo [Nazário, o "Fenômeno"] carregou, que outros grandes jogadores que vestiram essa camisa carregaram. Porque quando se veste a camisa nove, é sinônimo de gol. E você tem que estar preparado para vesti-la, porque a pressão é muito grande”, afirmou ao Olympics.com.
Na seleção, a psicologia esportiva tem sido uma aposta nas categorias de base femininas. A psicóloga Marisa Markunas esteve presente em treinamentos recentes do time sub-17 trabalhando a atenção, o foco e a tomada de decisões sob pressão. O objetivo é que essas meninas possam crescer profissionalmente já tendo a preparação mental como base, o que nem sempre aconteceu.
A preparação mental da tenista Iga Swiatek
A psicologia esportiva vai além do tratamento de doenças e da busca pelo bem-estar emocional. Ela atua também como parte fundamental da preparação de um atleta, assim como os treinamentos físicos. Tenista número um do mundo, Iga Swiatek é uma das principais personagens dessa história.
Iga começou a trabalhar com a psicóloga Daria Abramowicz em 2019, mesmo ano em que passou a disputar os torneio da WTA, buscando maior foco durante as partidas. Desde então, a ela combina métodos digitais e analógicos para melhorar a performance da polonesa em quadra.
Abramowicz testa as reações cognitivas de Iga Swiatek através de quebra-cabeças, além de trabalhar a visualização. A tenista chegou a usar em quadra um aparelho na orelha, que mede sua atividade cerebral. O mesmo vale para o pós-jogo, quando a dupla aposta, por exemplo, na leitura de livros para o desestresse.
“Nós, como equipe, e obviamente a própria Iga, nos esforçamos muito para poder administrar o sucesso de maneira adequada quando ele chega. Estou muito orgulhosa dela por estar usando todas as ferramentas que aprendeu. Tenho muita sorte de testemunhar como ela usa essas ferramentas, como usa a atitude adequada e como gerencia os desafios”, relatou Abramowicz à agência PA.
“Já posso ver uma mudança geracional. Mesmo Iga, Bianca Andreescu, Naomi Osaka, Simone Biles sendo tão jovens, estão realmente fazendo um ótimo trabalho para educar. Espero que tenhamos muitos, muitos mais e que isso aumente a consciência não só no ambiente esportivo, mas também na vida cotidiana de muitas pessoas.”