Pepê Gonçalves liberado para disputar o Mundial de Canoagem Slalom
Referência da canoagem do Brasil, ele havia testado positivo para a Covid-19. Exame mais recente deu negativo e está liberado para competir no Mundial de Augsburg (Alemanha). O Olympics.com conversou com o canoísta, que começa um ciclo que tem como objetivo a medalha em Paris 2024.
Pedro Gonçalves, o Pepê, testou negativo para a Covid-19 em seu último exame e, com isso, está liberado para disputar o Campeonato Mundial de Canoagem Slalom, que acontece até o dia 31 de julho em Augsburg (ALE).
Um dos principais expoentes da canoagem no Brasil, é especializado no slalom, variante que mede as habilidades do atleta em meio às corredeiras. Pepê coleciona pódios mundo afora. Com duas participações Olímpicas, foi sexto colocado na Rio 2016 e semifinalista em Tóquio 2020. Tem se destacado bastante na canoagem extremo, disciplina que estreia no programa dos próximos Jogos e em que vê chances de medalha: "É o meu grande trunfo," afirmou convicto.
SAIBA MAIS: Rumo a Paris 2024: confira o sistema de classificação da canoagem slalom
Aos 29 anos, ele parte agora em busca da sonhada medalha em Paris 2024. Para isso, fica por meses longe do Brasil, da família, dos amigos e do seu lugar preferido: Piraju, no interior de São Paulo, banhada pelo rio em que deu as primeiras remadas, o Paranapanema.
Desde a Alemanha ele conversou com o Olympics.com sobre a expectativa para a competição, uma arrancada rumo a um lugar nos Jogos da capital francesa.
A infância e o rio: "A gente era o que a gente via"
Tudo começou em 2003, em Piraju, cidade de 30 mil habitantes do interior paulista, banhada pelo rio Paranapanema. Naquela altura a seleção brasileira de canoagem lá treinava em preparação para os Jogos Olímpicos de Atenas. "Para as crianças e adolescentes daquela época, não tinha telefone celular, tanto computador. A gente era o que a gente via. Faltávamos às aulas para poder nadar no rio", confessou Pepê.
Por conta disso, o poder público municipal implementou um projeto social de canoagem, vela e remo, chamado "Navegar". Dentro dele também estava a presença de atletas de rendimento para períodos de treinamento em Piraju. "Eles estavam direto nas ruas, conversávamos com eles", falou sobre a presença dos canoístas da equipe do Brasil em sua cidade. Uma realidade que sempre foi bastante distante para quem vive longe dos grandes centros. "Era inimaginável o que acontecia", acrescentou.
As primeiras remadas
Inscreveu-se no projeto e puseram-no na vela. "A vela é legal, quando tem vento. E outra, o garoto quer velejar, mas como vai falar pra ele que antes de entrar na água ele tem que aprender a dar nós?", diz Pepê em meio às risadas. Seis meses depois, tentou a canoagem.
No primeiro contato, remou como se já fizesse isso há muito tempo, apenas por ver os canoístas da seleção brasileira. Isso rendeu-lhe um convite para participar do time de competição, sem sequer passar pelo projeto. Começou na canoagem de velocidade. Pouco tempo depois, recebeu despretensioso convite para experimentar o slalom. "Me apaixonei...cada treino era diferente, cada lugar a natureza é diferente, a gente tem que aprender com a água para se locomover. Tem muito mais a ver comigo", declarou.
A canoagem slalom é disputada nas variantes canoa (C1) e caiaque (K1). Diferem-se em relação ao número de pás que tem o remo e também à posição do atleta. Enquanto a canoa tem apenas uma pá, o caiaque tem duas. Na canoa, o competidor é preso ao barco com as pernas dobradas na altura dos joelhos, embaixo do corpo, enquanto que no caiaque ele se encaixa em um assento.
Pepê e a canoagem extremo: "É a minha raiz"
Em Paris 2024, a canoagem extremo (X1) também fará parte do programa Olímpico. Ela consiste na disputa simultânea de duas a quatro embarcações que largam lado a lado e descem um percurso marcado por balizas. Quem chega em primeiro, vence.
"Foi um sonho. É a minha raiz, de onde eu venho, do rio, da natureza. A essência do extremo é o rio, que é onde eu me sinto em casa", comentou Pepê, que demonstrou alegria ao falar da disciplina.
Em sua primeira competição oficial no extremo, foi medalhista de prata. Nos Jogos Pan-americanos Lima 2019, obteve duas medalhas de ouro, no caiaque e no extremo. Em outubro de 2020, faturou a etapa da Eslovênia da Copa do Mundo, também no extremo. Em junho de 2022, foi bronze na primeira etapa do torneio, na República Tcheca.
Objetivo: Paris 2024
O slalom é ainda a referência para Pepê e é nele que vai se concentrar na preparação para os Jogos de Paris. "A demanda do slalom acaba sendo maior, no entanto tenho treinado com o barco do extremo, que é mais pesado. No slalom acaba se treinando também para o extremo", disse.
Para ele, o extremo traz mais chances de medalha para o Brasil. "O extremo trouxe muito amadurecimento para mim, o que eu demoraria muito mais tempo se me dedicasse somente ao slalom", refletiu.
A fim de atingir um nível mais alto e poder colocar a medalha Olímpica no peito, passa muitos meses longe de casa. Apesar de ser mais difícil a cada ano que passa, vive essa rotina há mais de 10 anos. No começo, contou com apoio financeiro da família, amigos e torcedores. Em várias ocasiões, a alimentação também não foi a mais adequada.
"Se eu quero chegar em algum lugar, eu tenho que fazer isso. Não tenho escolha. Caso contrário, é um tempo perdido para mim e para todos aqueles que estão envolvidos. É uma oportunidade de vida", manifestou.
"Não estou aqui a passeio. Isso é foco, tenho um objetivo. Não estou brincando. Quero uma medalha Olímpica. É desgastante viver fazendo mala. Em dois meses, sete países, seis competições, cada semana em uma cama diferente. Mas é tudo muito positivo, pensando em longo prazo, estamos pensando lá em Paris e isso vale a pena", acrescentou.
Mundial de Canoagem Slalom 2022
Pepê está em Augusurg, na Alemanha, onde vai disputar o Campeonato Mundial de Canoagem Slalom, no caiaque e no extremo, entre os dias 26 e 31 de julho. "Nunca estive tão melhor para este Mundial, vou com tudo nas duas categorias", disse.
Serão 70 países e 380 atletas no evento, entre eles a compatriota Ana Sátila, campeã dos Jogos Pan-americanas no C1 e no extremo. Finalista em Tóquio 2020, é a sexta colocada no ranking mundial e possui grande chance de medalha.
Para o paulista, o principal adversário é ele mesmo. É um dos principais nomes no extremo, no entanto ele levantou os nomes de dois fortes concorrentes britânicos, Joseph Clarke (atual campeão mundial) e Bradley Forbes-Cryans. "Acredito que vamos brigar de igual para igual", afirmou.
O campeonato vai servir de referência para Pepê e toda a equipe. "A gente tem que ter resultado, é um ciclo longo, mas começa aqui e agora dar um retorno a todo o investimento que tem sido feito. Nos ouviram e trouxeram de volta o (treinador) Ettore Ivaldi, o que queríamos muito", enfatizou.
Particularmente para ele, o Mundial vai medir como tem sido o seu trabalho. Bons resultados dentro do planejamento vão dar as condições de que resultados ainda melhores venham em um breve futuro.
"Quero a medalha, estou aqui para isso", completou.
O evento tem transmissão do Sportv no Brasil.
A canoagem e o Brasil
Pouco a pouco os canoístas brasileiros têm construído uma belíssima história internacional na modalidade. "Essa lacuna histórica está sendo reduzida. O que a gente (os brasileiros) faz quando a gente quer, nenhum outro faz. A gente dá um jeito," colocou.
Sempre com sorriso no rosto e apaixonado pelo que faz, tem observado um ambiente mais competitivo do esporte no Brasil, o que, para Pepê, vai levar a canoagem do Brasil ainda mais longe. "Temos um potencial gigantesco, de pessoas e de rios", acrescentou.
Por isso quer fazer o esporte crescer e analisou: "(o Brasil) é campeão mundial várias vezes, temos ídolos como o Isaquias, posso ajudar dentro e fora d'água." Por agora, usa as redes sociais a fim de partilhar a rotina servir de exemplo aos jovens, assim como é para os habitantes de Piraju.
No fim da entrevista, ele compartilhou o seu sonho com uma voz emocionada: "Quero que mais crianças tenham oportunidade de mudar de vida com a canoagem como eu tive. Não apenas a financeira, ou com resultados ou medalhas, mas como ser humano."
"Todo dia que eu entro na água para treinar, eu me apaixono ainda mais por esse esporte", concluiu.
Paranapanema, em tupi-guarani, significa 'rio azarado'.
Já não mais.
Afinal, o lugar teve a sorte de testemunhar o começo de Pepê Gonçalves, e o privilégio de ser considerado por ele, a sua casa.