Pedro Pichardo superou limites e se estabeleceu na história do salto triplo
O atletismo é a grande fonte de medalhas de Portugal na história dos Jogos Olímpicos. São 12 pódios até Tóquio 2020, incluindo todos os cinco ouros Olímpicos do país. A tradição de maratonistas e fundistas portugueses rendeu grandes momentos, enquanto neste século o salto triplo se estabeleceu como a disciplina mais importante para os portugueses. Pedro Pablo Pichardo deu novos passos para a modalidade.
A lista de conquistas de Pedro Pichardo é ampla. Inclui títulos em Jogos Pan-Americanos, Campeonato Europeu e Campeonato Mundial. O ápice veio em Tóquio 2020, numa prometida medalha de ouro nos Jogos Olímpicos. Nada mais condizente para quem possui uma das dez maiores marcas da história no salto triplo.
A trajetória de Pichardo, contudo, não é tão linear. O saltador nasceu em Santiago de Cuba e conquistou importantes competições pelo país. Suas melhores marcas, inclusive, são dos tempos em que era representante cubano. No entanto, diante das barreiras para ser treinado por seu pai, Pichardo desertou e foi acolhido por Portugal. Foi pela nova nação que o atleta atingiu os principais feitos.
"Portugal é minha casa. É o meu país", afirmou Pichardo, em 2022, durante entrevista exclusiva ao Olympics.com. "Portugal significa muito para mim. Agradeço ao país pelo suporte e apoio. Minha filha é portuguesa. É a minha casa."
Há mais de uma década entre os melhores do mundo no salto triplo, Pichardo vê Paris 2024 como mais uma etapa da carreira, ainda almejando um grand finale em Los Angeles 2028. E quer que o legado vá além das medalhas. "Quero ser lembrado como tendo sido um bom atleta, corajoso e humilde", reflete. "Trabalhamos para isso, para deixar uma marca no país e no mundo."
As lições recebidas dentro de casa
Pedro Pichardo conviveu com o esporte desde a infância. Seu pai, Jorge, precisou abandonar a carreira por causa de uma lesão no joelho e se licenciou em esporte. Já a responsável por levar o garoto às pistas foi uma irmã, que o introduziu no atletismo aos seis anos. De início, as corridas eram uma brincadeira tal qual o beisebol e o futebol. Contudo, não demorou a ficar sério e se tornar um caminho ao futuro. O menino tinha talento.
Os primeiros anos de Pichardo no atletismo foram em provas combinadas. A dedicação ao salto triplo veio mais tarde, na adolescência, depois de flertar com o salto em distância. Tinha 16 anos quando passou a se dedicar à disciplina e tão logo se destacou entre as maiores promessas cubanas. O boxe, que experimentou e gostou, ficou fora dos planos.
As principais competições costumavam ser em Havana. Pichardo atravessava a ilha de trem a partir de Santiago de Cuba, onde nasceu e cresceu, para conquistar medalhas e depois voltar para casa. Quando passou a fazer parte da seleção nacional, não teve escolha a não ser se mudar para a capital. Enquanto isso, recebia as valiosas orientações de Jorge. O pai também era seu treinador e passava dias às escondidas em Havana para treinar o filho.
"Tudo o que atingi no esporte foi pelo meu pai. Ele lutou muito por mim", contou Pichardo, ao Olympics.com. "Meu pai estudou todos os estilos de saltadores, escolas russa, norte-americana, inglesa e tentou fazer uma mistura de tudo. Não consigo te dizer um país específico."
A eclosão de Pedro Pichardo aconteceu a partir de 2012. Aos 19 anos, o saltador atingiu 16,79m e conquistou o ouro no Campeonato Mundial Júnior disputado em Barcelona. Era o quarto cubano a vencer o evento e logo se colocaria como uma estrela do atletismo em seu país.
Tornando-se um dos melhores da história
A transição de Pichardo no nível adulto não demorou, a partir de 2013. Tão logo o cubano se inseriu na elite do salto triplo internacional. A primeira mostra veio em julho, com a conquista da etapa de Lausanne da Diamond League. Um mês depois, Pichardo saltou 17,68m e conquistou a prata no Campeonato Mundial de Atletismo Moscou 2013.
O tempo auxiliou Pichardo a registrar resultados ainda mais expressivos. Em 2014, o saltador levou a prata no Campeonato Mundial Indoor de Atletismo Sopot 2014. Isso até confirmar seu status de estrela do esporte em 2015. Pichardo conquistou três etapas da Diamond League, faturou o inédito ouro nos Jogos Pan-Americanos e mais uma vez celebrou a prata no Campeonato Mundial de Atletismo, agora realizado em Beijing. Uma confirmação que vinha na forma de pódios e também de marcas.
O ano de 2015 rendeu os melhores saltos de Pichardo. O primeiro sinal positivo veio ainda em Havana, quando atingiu 17,94m e quebrou o recorde nacional de Cuba, que vigorou por 17 anos. Uma semana depois, Pichardo superou os 18m pela primeira vez, na etapa de Doha da Diamond League. Já o ápice se deu numa competição nacional em Havana, com 18,08m. Aquela era a quarta melhor marca da história do salto triplo até então e segue no Top 10 da prova, mesmo nove anos depois.
A acolhida de Portugal como sua nova casa
Pichardo era cotado como um dos candidatos ao ouro nos Jogos Olímpicos Rio 2016. No entanto, sua temporada foi atribulada por causa de uma lesão no tornozelo direito. O saltador não pôde disputar o Mundial Indoor e terminou vetado pelo departamento médico de Cuba na Rio 2016. Vencedor do ouro, o americano Christian Taylor saltou para 17,86m, uma marca ao alcance do cubano.
E a relação de Pichardo em Cuba já não era boa neste momento. O saltador chegou a ser suspenso por seis meses em 2014. O conflito se concentrava justamente ao redor de seu pai: o atleta insistia para que Jorge fosse seu treinador, não Ricardo Ponce. Pichardo sugeriu voltar a Santiago e não foi atendido, já que a seleção se concentrava em Havana. Quando pediu para que seu pai fosse transferido à capital, também recusaram. A solução encontrada foi deixar Cuba.
Jorge Pichardo saiu do país para trabalhar num clube sueco. Pedro Pichardo, por sua vez, desertou. Durante um período de treinamentos na Alemanha, o saltador abandonou a delegação cubana. Seu paradeiro era incerto, mas o atleta pretendia permanecer na Europa e trabalhar com seu pai novamente. Encontrou um novo lar no Benfica, a partir do contato de sua empresária.
A mudança de Pedro Pichardo para o Estádio da Luz foi anedótica, pois se inseriu na maior rivalidade de clubes de Portugal. O português Nélson Évora, ouro do salto triplo em Beijing 2008, trocou o Benfica pelo Sporting em 2016. Pichardo se transformou então na resposta dos benfiquistas aos sportinguistas. Provou-se também o futuro da prova em Portugal. "O Benfica deu-me a oportunidade de seguir a carreira...consegui ser atleta novamente graças ao Benfica", disse.
Enfim, campeão Olímpico e mundial
Apesar da deserção, Pichardo ainda representou Cuba nos primeiros meses vivendo em Portugal, mesmo depois de obter a nacionalidade do novo país. O saltador permaneceu com resultados expressivos. Em 2017, conquistou a etapa de Lausanne da Liga Diamante. Já em 2018, venceu as etapas de Doha e Bruxelas. Sua última conquista na competição como competidor cubano aconteceu em julho de 2019, na etapa de Londres.
A partir de agosto de 2019, Pichardo recebeu a permissão para vestir as cores de Portugal. Pôde representar o país no Campeonato Mundial 2019, em Doha. Mas, apesar de liderar a fase qualificatória, terminou em quarto na final. Os 17,62m saltados permaneciam abaixo de suas melhores marcas pessoais.
As maiores façanhas de Pedro Pichardo, contudo, ainda estavam por vir. A paralisação das atividades forçada pela pandemia não atrapalhou o saltador. Pelo contrário, ele voltou mais forte, para conquistar a medalha mais importante da carreira: o ouro Olímpico em Tóquio 2020. Pichardo saltou 17,98m, 41 centímetros a mais que o segundo colocado. De quebra, estabeleceu o recorde nacional português, superando Nélson Évora.
As vitórias de Pichardo se multiplicaram a partir de então. O saltador passou a dominar as competições continentais, com um ouro no Campeonato Europeu de Atletismo Munique 2021 e outros dois no Campeonato Europeu Indoor, em 2021 e 2022. E depois de tanto bater na trave, o almejado título no Campeonato Mundial de Atletismo saiu em 2022. Pichardo registrou 17,95m para comemorar em Eugene, nos Estados Unidos - 40 centímetros a mais que a prata.
Os novos limites que Pichardo pretende superar
Pedro Pichardo voltaria a sofrer com as lesões a partir de 2023 e ficou quase um ano afastado do circuito internacional. Sua volta foi triunfal, em abril de 2024, na etapa de Xiamen da Liga Diamante: o português conquistou o ouro ao saltar 17,51m e, de quebra, atingiu o índice Olímpico.
Nesta temporada, Pichardo também levou a prata na etapa de Marraquexe da Liga Diamante e no Campeonato Europeu de Atletismo, em Roma - quando saltou para 18,04m, sua maior marca desde que chegou a Portugal, apesar da derrota para o espanhol Jordan Díaz Fortun, com espantosos 18,18m. De qualquer forma, Paris 2024 reluz no horizonte de quem se manteve por quase dois anos na liderança do ranking mundial.
Cinco homens conseguiram conquistar múltiplas medalhas de ouro no salto triplo dos Jogos Olímpicos: o americano Meyer Prinstein (Paris 1900, St. Louis 1904); o brasileiro Adhemar Ferreira da Silva (Helsinque 1952, Melbourne 1956), o polonês Józef Schmidt (Roma 1960, Tóquio 1964), o soviético Viktor Saneev (Cidade do México 1968, Munique 1972, Montreal 1976) e o americano Christian Taylor (Londres 2012, Rio 2016).
Pichardo é candidato a se somar a esta seleta lista. E deseja além: o português crê ser possível bater o recorde mundial do salto triplo, estabelecido pelo britânico Jonathan Edwards, com 18,29 saltados em 1995. Pichardo acredita que dá até mesmo para quebrar a barreira dos 18,50m em um bom dia. "Estamos a trabalhar para passar os 18,30m pelo menos. Estamos a trabalhar para que isso aconteça", comentou, ao Olympics.com. "Pelo menos acho que é possível chegar até os 18,50m."
"O primeiro é estar bem fisicamente. Depois a cabeça tem que acompanhar o estado físico e o corpo, depois o ambiente. Não pode estar muito calor, nem muito frio. Sem vento também...e a pista tem que ajudar", complementa Pichardo. Sua lista de façanhas não permite duvidar de sua mentalidade vencedora.