Marcelinho Huertas simboliza a excelência aos 41 anos

Por Leandro Stein
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marcelinho huertas
Foto por FIBA

Os 41 anos de idade dizem muito sobre a experiência de Marcelinho Huertas, mas significam pouco sobre a sua forma. O armador construiu sua carreira com um estilo de jogo cerebral. E o corpo do veterano permite que a mente continue a mil para levá-lo a novas conquistas. Enquanto quebra recordes e mais recordes no basquete espanhol, Marcelinho também preserva seu papel central no Brasil. Se a seleção vai aos Jogos Olímpicos Paris 2024, tem muito a ver com a influência que o craque continua exercendo em quadra.

A classificação do Brasil no Pré-Olímpico de Basquete 2024 foi memorável. Dentro da Letônia, a equipe de Aleksandar Petrovic superou desconfianças e teve momentos que beiraram a perfeição. Marcelinho Huertas atuou como um verdadeiro maestro. Como de costume, o armador contribuiu com pontos e assistências, mas também garantiu o ritmo e a segurança que os brasileiros precisavam em momentos cruciais.

É natural que Marcelinho seja visto como uma referência para a seleção de basquete. Todos os companheiros são pelo menos sete anos mais jovens que ele. “Para mim é um orgulho e um privilégio representar meu país por duas décadas completas e estar aqui, em uma seleção que compete em alto nível. É uma situação de muitíssimo prazer”, afirmou o capitão, meses atrás.

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“As pessoas sempre comentam sobre a idade, mas eu sigo com a mesma cabeça. Não me coloco nenhum limite. Eu simplesmente jogo, desfruto e não penso nisso. Quando for o momento, meu corpo dirá. Mas, por agora, enquanto for assim e eu puder seguir fazendo o que eu gosto, num nível muito competitivo, não vejo motivo para não seguir”, complementa. Uma longevidade auxiliada pela carreira sem lesões graves e pelo próprio cuidado de Marcelinho, que chegou mesmo a mudar sua alimentação, se tornando vegano em 2017.

Marcelinho Huertas disputará sua terceira edição dos Jogos Olímpicos pelo Brasil, após estar presente em Londres 2012 e na Rio 2016. Chega a Paris 2024 na mesma idade em que o argentino Luis Scola e o espanhol Pau Gasol defenderam suas seleções em Tóquio 2020. Marcelinho está na prateleira desses gigantes, se não em títulos pela seleção, ao menos pela forma como é imprescindível ao time brasileiro. O Pré-Olímpico deixou isso bem claro.

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A cesta do irmão mais velho incentivou o craque

A história de Marcelinho Huertas no basquete começa nos anos 1980, em São Paulo, quando o garoto tinha apenas três anos de idade. Seu irmão, Felipe, tinha uma cesta no quarto. O caçula não o deixava em paz. "Ele começou a arremessar e arremessar. Sempre queria pegar a bola de basquete do seu irmão, mas Felipe não queria deixar", contou Tânia Huertas, mãe do armador, à agência Efe.

Marcelinho só sossegou quando o Papai Noel entrou na jogada: teria sua própria cesta, ganha de presente de Natal. "Foi a maneira de encontrar paz dentro de casa, cada um com sua bola de basquete", relembrou Tânia. A influência na família era plena. Além de Felipe, o pai Domingos também jogou basquete na juventude. Foi natural para Marcelinho se apaixonar pela bola laranja. Superaria suas próprias influências.

O tradicional Paulistano se tornou a porta de entrada a Marcelinho em um clube, aos seis anos. O garoto passava horas treinando seus arremessos. A dedicação se pagou rapidamente e o armador se tornou destaque nas categorias de base. Muito novo já fazia coisas que pouca gente acreditava. Certa vez, o adolescente participou de uma clínica de basquete em São Paulo realizada pelo lendário Zeljko Obradovic, treinador 11 vezes campeão da Euroliga. “Esse menino já está pronto”, profetizou o sérvio.

Marcelinho estudou no Texas durante o colegial, embora tenha retornado ao Brasil. Teve destaque desde muito cedo na liga nacional, passando também pelo Pinheiros, e era cortejado pela NBA. Ficou inclusive 45 dias em Chicago para o pré-draft em 2003, mas ainda precisava esperar um ano para ser elegível. Antes que o prazo se cumprisse, recebeu uma proposta para jogar na Europa. A Espanha abria as portas através do Joventut, de Badalona, que contratou a promessa de 21 anos em 2004.

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As marcas impressionantes na Espanha

A Espanha seria fundamental para moldar o estilo de jogo de Marcelinho Huertas. "Foi difícil para me adaptar ao nível de jogo. Eu era mais agressivo, só pensava em arremessar. Tive que aprender a jogar de outra maneira, a controlar, a manejar o ritmo de jogo, a fazer com que todos estivessem envolvidos", afirmou o armador, ao jornal El Mundo.

Marcelinho atua fora do Brasil há duas décadas e passou por outros países além da Espanha. Jogou por um breve período na Itália e realizou o sonho de atuar na NBA, pelo Los Angeles Lakers, entre 2015 e 2017. Chegou à liga americana já com 32 anos e teve a chance de dividir a equipe com Kobe Bryant. No jogo de despedida da lenda, em que Kobe fez 60 pontos, Marcelinho foi o líder em assistências, com seis.

"Aquela temporada de despedida me arrepiava a cada partida, precisava me segurar para não chorar a cada homenagem que faziam. Comigo Kobe tinha uma relação muito aberta, peculiar. Às vezes falava em castelhano, outras em italiano. E nunca de basquete. Foi surpreendente. A gente tinha se cruzado na seleção, ele me conhecia um pouco", relembrou, ao jornal El Mundo. "A experiência na NBA foi incrível. Para um garoto que saiu do Brasil, estrear com os Lakers foi uma loucura."

De qualquer maneira, é no basquetebol espanhol que está o vínculo mais forte de Marcelinho. O brasileiro defendeu cinco equipes diferentes no país. Construiu uma grande relação com o Baskonia, pelo qual teve duas passagens e conquistou seu primeiro título da liga local. Também seria ídolo do Barcelona, com mais dois títulos nacionais e três Final Four de Euroliga no currículo. Desde 2019, Marcelinho continua em alta pelo Tenerife. Ganhou a FIBA Champions League e duas Copas Intercontinentais.

A temporada 2023/24 guardou momentos inesquecíveis para Marcelinho Huertas. O brasileiro se tornou o primeiro estrangeiro a superar os mil jogos por clubes espanhóis. Mais impressionante, em março ele se transformou no líder em assistências do Campeonato Espanhol em todos os tempos, ao superar a marca de 2.896 assistências estabelecida 21 anos antes por Pablo Laso. Um mês depois, Marcelinho foi eleito o melhor jogador da FIBA Champions League, em que alcançou o vice com seu time.

“Quando você começa a praticar um esporte, sonha com algumas coisas, mas nunca sabe com o que vai se deparar no futuro. É impossível saber. E, no meu caso, jamais imaginei milhares de coisas que se passaram na minha carreira. Mais perfeito não poderia ter sido”, recontou o armador, ao jornal El Día de Tenerife.

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A grande história pela seleção

Diante da ótima forma, Marcelinho Huertas chegou em alta para o Pré-Olímpico 2024 com a seleção brasileira. O presente respaldava muito daquilo que o armador já tinha produzido no passado. A lista de serviços prestados é bastante extensa.

As principais conquistas de Marcelinho Huertas pelo Brasil aconteceram no cenário continental. Levou o ouro nos Jogos Pan-Americanos 2007, realizados no Rio de Janeiro, e participou de dois títulos na AmeriCup, em 2005 e 2009. De qualquer maneira, a projeção do armador vai muito além. Marcelinho disputou cinco edições do Campeonato Mundial e é um dos únicos três atletas neste século a superarem a marca de 100 assistências. Teve destaque especial em 2010, vice-líder em assistências do torneio.

Já nos Jogos Olímpicos, Marcelinho Huertas foi uma liderança do Brasil nas duas participações anteriores neste século. Foi vice-líder em assistências do torneio em Londres 2012, quando o Brasil sucumbiu diante da algoz Argentina nas quartas de final. Já na Rio 2016, mesmo com a eliminação dos brasileiros na fase de grupos, Marcelinho teve a terceira maior média de assistências. Após a ausência em Tóquio 2020, com a derrota para a Alemanha na final do Pré-Olímpico, Marcelinho teria uma nova chance em Paris 2024.

Segundo o técnico Aleksandar Petrovic, foi o próprio Marcelinho que o procurou: "Você não pode ligar para alguém de 40 anos que tem família, que tem três filhos. Não queria colocar pressão nele, apesar dos nossos problemas. Ele me ligou e disse que estava preparado, porque sabia que a gente tinha problemas. Ele nos ajudou num momento muito difícil. É outra oportunidade de agradecer ao capitão."

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Marcelinho Huertas, do Brasil

Foto por FIBA

O maestro em ação na Letônia

Diante das lesões recentes de Yago dos Santos e Raulzinho, Marcelinho Huertas seria ainda mais importante na armação do Brasil durante o Pré-Olímpico. Foi o que se notou desde a estreia da competição em Riga. Marcelinho anotou 17 pontos na vitória sobre Montenegro, segundo maior pontuador do time. Foi essencial à reação brasileira. Contra Camarões, apesar das sete assistências e dos cinco rebotes, não evitou a derrota. Já nos mata-matas, o veterano cresceu ainda mais.

Marcelinho teve uma atuação excepcional na semifinal contra Filipinas, em que anotou 13 pontos e distribuiu sete assistências. Orquestrou uma ótima apresentação do Brasil, sobretudo no terceiro quarto. Já na decisão contra a Letônia, Marcelinho capitaneou a classificação do Brasil. Anotou 12 pontos, com mais sete assistências. Depois de um primeiro quarto espetacular da seleção, o veterano foi fundamental para que o time controlasse seus nervos em Riga e mantivesse as rédeas da vitória até o final.

Um jogo perfeito nosso, no ataque e na defesa. Sabemos da nossa qualidade, do jogo difícil que teríamos. Conseguimos conquistar a vaga, mérito de todos. Sem palavras para descrever a emoção e a felicidade que estou sentindo. Muito obrigado a todos que torceram e nos apoiaram, mesmo de longe”, avaliou Marcelinho, na saída de quadra, ao ge.globo.

Uma equipe naturalmente depende de vários nomes. Bruno Caboclo, Léo Meindl, Gui Santos, Georginho, Lucas Dias e ainda outros foram centrais ao sucesso do Brasil no Pré-Olímpico. Mesmo assim, a seleção dependeu de um termômetro como Marcelinho para assimilar as lições de momentos ruins e aproveitar as boas ondas. Foi o maestro. Com esta batuta, o veterano segue a Paris 2024, pronto para honrar o legado do basquete nacional e escrever mais um capítulo em sua história. Os 41 anos simbolizam a excelência.

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