João Almeida concretiza sonho: a estreia no Tour de France
O Tour de France, ou Volta à França, é o suprassumo do ciclismo de estrada. A edição 2024 da competição será especial, às vésperas dos Jogos Olímpicos, inclusive alterando seu trajeto por causa de Paris 2024. E o Tour que se inicia neste sábado, 29 de junho, também se promete particularmente especial a João Almeida. O português coleciona resultados expressivos, mas nunca tinha participado do Tour de France - o que classificava como "sonho de todo ciclista". Terá sua primeira vez, aos 25 anos.
“Quero chegar lá na minha melhor forma física e dar o meu melhor. É a maior corrida do mundo, o Tour é o Tour!”, afirmou Almeida, à Cycling Magazine, em janeiro. “Para mim, um bom Tour seria terminar nos cinco primeiros da classificação geral. Tendo em conta os grandes que vão, acho que seria um resultado muito positivo. Mas vamos ver se é possível.”
João Almeida terá concorrência forte dentro de sua própria equipe, o UAE Team Emirates. O português compete ao lado de alguns dos melhores do mundo, incluindo o esloveno Tadej Pogacar, bicampeão da Volta à França em 2020 e 2021. Almeida, de qualquer maneira, já constrói uma grande história por si. Alguns dos melhores resultados de sempre do ciclismo de Portugal são seus, como a terceira colocação na Volta à Itália 2023.
A temporada 2024 é promissora, sobretudo após o recente vice-campeonato de Almeida na Volta à Suíça. O grande desafio está à frente, com o Tour de France. O porém fica para sua ausência nos Jogos Olímpicos Paris 2024. “Estou muito feliz com o curso das coisas e esta temporada quero estar um degrau acima, estar um pouco mais forte. A minha mentalidade é sempre a mesma: pernas. Está tudo nas pernas”, apontou Almeida, à revista Rouleur, em janeiro. "Só me vejo a ser ciclista. Só há ciclismo na minha cabeça."
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A eclosão no Giro d’Italia 2020
João Almeida nasceu em A dos Francos, freguesia de Caldas da Rainha, no litoral de Portugal. Antes de se apaixonar pelo ciclismo, o português era aficionado pelo futebol. Tinha o pôster de Cristiano Ronaldo em seu quarto e passou pelas categorias de base do Grupo Desportivo A-dos-Francos. Contudo, suas pernas demonstraram outra vocação, através dos pedais. À medida em que cresceu na modalidade, buscou novas oportunidades fora de Portugal, com melhores estruturas à disposição.
Almeida se sagrou campeão português de juniores em 2016. No ano seguinte, passou a competir pela equipe búlgara Unieuro-Trevigiani. Já em 2018, o português reforçou a Hagens Berman Axeon, reconhecida por seu trabalho com jovens. Os resultados ganharam relevo em corridas sub-23, com a vitória em Liège-Bastogne-Liège e o vice na Volta à Itália. Era um prenúncio, especialmente ao se juntar à Deceuninck-QuickStep e integrar o World Tour, a elite do ciclismo de estrada, a partir de 2020.
Os resultados de João Almeida cresceram no novo time. Logo em 2020, o ciclista disputou pela primeira vez a categoria principal da Volta à Itália. A princípio, a liderança da equipe seria do belga Remco Evenepoel, mas a baixa do colega permitiu que Almeida assumisse o posto. O português se firmou como surpresa daquela edição do Giro. Ocupou a primeira posição da classificação geral em 15 dos 21 dias de corrida, vestindo a célebre “maglia rosa”. Também se tornou o segundo português a ganhar uma das etapas, após 31 anos de hiato.
João Almeida terminou a Volta à Itália em quarto, ainda assim uma colocação excelente. "O meu objetivo era o top 10 e já era muito ambicioso. Terminar em quarto é um sonho. Estou muito grato a toda a minha equipe pelo que fizeram, staff, colegas de equipes, todos. Quinze dias de rosa é uma coisa impressionante e espero um dia voltar a vesti-la", afirmou, ao jornal Record, na época.
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A ascensão na nova equipe
Aquele desempenho na Volta à Itália ratificou o caminho para João Almeida. "No início do meu primeiro ano no World Tour, eu tinha dúvidas sobre se seria um corredor de classificação geral. Mas correu tão bem no Giro, apesar de um dia mau, que faz parte do jogo às vezes, e senti que, sim, realmente era um corredor de grandes voltas. Os anos seguintes consolidaram essa ideia", analisou à revista Rouleur, em janeiro.
João Almeida seguiu em alta durante 2021. O português conquistou seu primeiro título na World Tour, durante a Volta à Polônia, além de ter ficado no Top 10 da Volta à Itália, da Volta à Catalunha e da Tirreno-Adriático. Aos 23 anos, o ciclista também fez sua estreia nos Jogos Olímpicos: foi o 13° na prova de fundo e o 16° do contrarrelógio individual em Tóquio 2020. O reconhecimento pelo sucesso veio em forma de contrato: assinou com o UAE Team Emirates, uma das principais equipes do planeta, por cinco anos.
O alto nível de João Almeida se preservou no novo time. Em 2022, o português foi terceiro na Volta à Catalunha e quarto na Volta à Espanha. Também ocupava a quarta colocação na Volta à Itália após 17 etapas, mas deixou a corrida ao contrair covid-19. Já em 2023, Almeida retornou à Itália para superar suas marcas. Ganhou uma nova etapa do Giro d’Italia, terminou na terceira colocação geral e conquistou a “maglia bianca”, como melhor jovem. A temporada ainda reservou pódios na Volta à Catalunha, na Volta à Polônia e na Tirreno-Adriático.
"Lutei até ao último centímetro e fiquei muito feliz com o resultado", refletiu, após o pódio na Volta à Itália, ao Público.pt. Desde aquele momento, João Almeida projetava sua grande ambição: a Volta à França. "Ainda não foi discutido o calendário, mas gostaria de fazer a Volta à França, porque já corri o Giro muitas vezes e começa a ser um pouco repetitivo. […] Ter outros desafios acho que é importante também como corredor.”
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A força dentro do time
O UAE Team Emirates possui um líder claro em Tadej Pogacar. O esloveno coleciona títulos nas principais competições do ciclismo de estrada e conquistou o bronze em Tóquio 2020. Até por isso, João Almeida não tem problemas com o papel de apoio. "Se tiver de puxar para Tadej, farei com um sorriso no rosto. Será um prazer correr para ele. Ele é o número um, o ciclista mais forte de todo o pelotão World Tour", comentou à Rouleur, em janeiro.
Tal cenário não impede João Almeida de também pleitear o seu espaço. Já foi líder de equipe em eventos sem Pogacar. "É tudo uma questão de situação de corrida. Claramente ele é um ciclista que está um nível acima de mim - ou dois, quem sabe. Para mim, seria um orgulho e um prazer trabalhar para ele, mas há sempre situações de corrida em que é favorável ter dois líderes", afirmou, ao Público.pt.
O UAE Team Emirates tem outros ciclistas de alto nível, como o britânico Adam Yates e o espanhol Juan Ayuso. Além disso, João Almeida pode trabalhar ao lado de outros três portugueses: António Morgado, Ivo Oliveira e Rui Oliveira. “Acho que somos todos talentosos, uns mais que outros, uns com talentos diferentes. Mas se estamos aqui é porque merecemos o lugar", avaliou em março, à RFI.
Diante do peso que ganha na equipe, João Almeida recebeu sinal verde para disputar a Volta à França 2024. Realizou um planejamento focado no objetivo e lidou também com entraves físicos. Contudo, a boa forma se nota na hora certa. Realizada no início de junho, a Volta à Suíça é considerada um dos principais eventos preparatórios ao Tour. O português voou baixo: ganhou duas etapas, foi segundo em outras duas e terminou com o vice-campeonato, atrás apenas de Yates, companheiro de time.
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A estreia na Volta à França
A partir deste final de semana, João Almeida tentará concretizar um sonho na Volta à França. “Eu acho que, no ciclismo, a Volta à França tem uma importância maior do que qualquer corrida, ainda mais sendo um corredor de grandes voltas. Claramente, acho que para mim seria um objetivo, um objetivo maior”, salientou, ainda em março, à RFI.
E há indicativos de que este seja só o começo da ascensão de Almeida. "Ainda não sinto que esteja no meu auge, sinto que ainda tenho algo a desenvolver e evoluir. Não sei quanto e se será suficiente para conseguir uma vitória numa grande volta, mas estou tranquilo em relação a isso. Se não acreditar que consigo, nunca vou conseguir. E acredito que posso conseguir. Talvez algumas pessoas fiquem surpreendidas, outras nem tanto", comentou à Rouleur, em janeiro. "Gosto de sentir a evolução, ver os números progredirem."
Diante do foco na Volta à França, João Almeida não participará de sua segunda edição dos Jogos Olímpicos. Segundo o técnico da equipe portuguesa, José Poeira, as caracteristicas dos ciclistas convocados foram levadas em consideração, com base nos percursos de Paris 2024. Almeida já declarou que seu estilo é mais favorável às grandes voltas, não necessariamente às corridas de um dia. O time Olímpico será composto por Nelson Oliveira, que vai à sua quarta edição dos Jogos, e Rui Costa, que estará na terceira.
"Foi das decisões mais difíceis que tive de tomar ao longo destes anos. Temos demasiada qualidade para tão poucas vagas Olímpicas. Escolhi dois corredores, com base nas suas características e adaptação aos percursos das provas, mas qualquer um dos pré-convocados daria garantias de uma representação digna, de qualidade e ambiciosa de Portugal", afirmou José Poeira, à Federação Portuguesa de Ciclismo. João Almeida se concentrará em um sonho de cada vez.
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