Isabela Abreu se multiplica todos os dias pelo pentatlo moderno

Por Leandro Stein
12 min|
Isabela Abreu comemora na final do pentatlo moderno nos Jogos Pan-Americanos 2023
Foto por Wander Roberto/COB

O sucesso nos Jogos Olímpicos costuma ser um fator decisivo para que um esporte se torne mais popular. A formação de novas promessas, tantas vezes, passa pelo incentivo de um grande atleta se tornar inspiração. O pentatlo moderno, como uma modalidade que exige diferentes recursos para ser praticada, não necessariamente deslanchou após Yane Marques conquistar a medalha de bronze em Londres 2012. Todavia, a pernambucana foi decisiva para que Isabela Abreu se tornasse a pentatleta do Brasil em Paris 2024.

Isabela tinha se afastado do pentatlo moderno para se dedicar à faculdade quando Yane Marques apareceu em seu caminho. A veterana passou a treinar em Curitiba e a paranaense foi convidada a participar das atividades. A partir de então, a trajetória de Isa na modalidade sofreu uma guinada que culminará nos Jogos Olímpicos. “Ela é uma grande inspiração”, afirma a pentatleta de 29 anos.

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Ao longo desses quase dez anos, Isabela Abreu trilhou o seu próprio caminho. E a carreira no pentatlo moderno tem desafios que vão além de ser bom em cinco modalidades diferentes. O esporte exige desde a flexibilidade para montar cavalos aleatórios no hipismo até o mergulho nos estudos táticos de uma ampla gama de adversários na esgrima. Isa precisa se multiplicar. “Ninguém faz pentatlo como hobby, ninguém é doido”, define.

E não que a rotina da pentatleta se restrinja a esgrima, hipismo, natação, atletismo e tiro esportivo. Os desafios vão além, num esporte caro e com pouco incentivo no Brasil. As preocupações de Isabela não se limitam a competir, mas também se concentram em viabilizar as condições para ser uma atleta de ponta e conseguir os recursos financeiros, através de patrocínios e programas estatais. As vitórias da paranaense geralmente acontecem dia após dia.

"Realmente não é fácil. É uma dedicação integral. Eu treino em três períodos (manhã, tarde e noite) para conseguir dissolver ao máximo e não ter um cansaço muito grande de um período só. Então a gente divide em três períodos, para que eu possa render ao máximo nos treinos e conseguir ter um bom resultado em final de competição. Realmente não é fácil", declarou ao Sportv, em fevereiro de 2024. Um esforço hercúleo recompensado com o maior dos palcos, os Jogos Olímpicos.

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A garota apaixonada por esportes descobre o “5 em 1”

Apesar das raízes em Curitiba, Isabela Abreu morou em diferentes cidades quando mais jovem, enquanto acompanhava o pai, militar, em sua carreira. E o estímulo ao esporte veio desde muito cedo. O próprio pai de Isabela é mestre em esgrima, embora o início da atleta na modalidade não tenha sido com ele. Quando garota, a paranaense praticou basquete e vôlei. De qualquer maneira, foi o atletismo que serviu de ponte para a sua entrada no pentatlo moderno.

Quando Isabela Abreu morava em Brasília, seu treinador no atletismo também era pentatleta. Foi ele o responsável por apresentar a nova modalidade à jovem de 13 anos, inclusive com o empréstimo dos materiais que facilitavam os treinos. Isa, que sempre gostou de praticar esportes, se empolgou quando descobriu uma disciplina que reunia cinco em uma só. De início, competia no atletismo durante parte do ano e na outra se dedicava ao pentatlo.

"Eu sempre gostei muito de esporte e eu estudei em colégio militar, que apoia muito a prática esportiva. Comecei com o atletismo, que é um esporte de origem para o pentatlo, e o meu professor de atletismo, que era atleta de pentatlo, plantou essa sementinha de ser atleta, sonhar com Olímpiadas e tudo mais", afirmou Isabela, em entrevista ao site da Secretaria de Esportes do Paraná, em novembro de 2021.

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Isabela Abreu, do pentatlo moderno

Foto por Buda Mendes/Getty Images

A inspiração de Yane Marques

Isabela Abreu competiu no pentatlo até a época do ensino médio, quando resolveu botar um ponto final na carreira esportiva. A jovem traçava seu plano acadêmico e passou no vestibular, aprovada no curso de engenharia elétrica na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Durante alguns meses, Isa se afastou dos treinamentos. Contudo, ainda no primeiro ano da faculdade, o destino recolocou o pentatlo em seu caminho. Não havia como recusar a oportunidade de poder conviver com Yane Marques.

Depois de conquistar o bronze em Londres 2012, Yane realizou sua preparação aos Jogos Olímpicos Rio 2016 em Curitiba. A seleção brasileira da modalidade estava reunida na cidade e, como tinha seu nome nas categorias de base, Isabela Abreu foi convidada a participar das atividades. De início, começou a visitar os treinos uma vez por semana. Depois, aumentou para duas vezes. Até que se viu tão envolvida que decidiu voltar de vez ao esporte.

Yane Marques deu grande apoio a Isabela Abreu neste momento, assim como a comissão técnica. Aos 19 anos, a paranaense teve um contato mais profissional com o pentatlo moderno, algo que ainda não tinha ocorrido em sua formação. Com a medalhista Olímpica praticando o esporte ao seu lado, Isa teve uma noção melhor dos desafios diários de um pentatleta - e se motivou a buscar os Jogos Olímpicos também.

Segundo Isabela, conviver com Yane desmistificou a visão de que a porta-bandeira do Brasil na Rio 2016 era uma super-humana. "Eu via ela só na televisão. 'Caramba, ela faz tudo isso tão bem!' E, depois, no treino, vi que ela também estava sofrendo, que também doía. Que tinha dias que não eram bons e, em compensação, outros eram incríveis. Aquilo, pra mim, foi uma abertura de caminho", relatou Isa, à Eldorado FM, no último mês de junho.

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Os cinco treinamentos de Isabela Abreu

O ano de 2016 também marcou o ponto de virada para Isabela Abreu. A paranaense conquistou seu primeiro título no Campeonato Brasileiro de Pentatlo Moderno. A partir de então, Isa passou a dominar a competição. Uma lesão atrapalhou sua participação em 2017, mas ela emendaria depois um tetracampeonato consecutivo em 2018, 2019, 2021 e 2022 - com o hiato em 2020 por conta da pandemia. E isso enquanto a pentatleta se desdobrava numa rotina além de suas cinco modalidades.

Isabela Abreu não trancou o curso de engenharia elétrica na UFPR. A pentatleta continuou estudando no período noturno, enquanto se dividia entre os treinos das cinco modalidades e a musculação. Para ser uma atleta de alto rendimento, contava com o apoio da coordenação de sua faculdade. E o detalhe é que, diferentemente dos principais centros do pentatlo moderno no Brasil, como Rio de Janeiro e Recife, Curitiba não possui uma base principal à disciplina. Assim, Isa vai a lugares diferentes da cidade para treinar.

Por ser terceiro sargento do exército, Isabela tem a possibilidade de praticar modalidades como o hipismo e o atletismo nas instalações militares - o próprio Colégio Militar de Curitiba (CMC), uma das bases em sua formação, auxilia a paranaense. A cidade contribui em relação à esgrima, como um centro importante no Brasil. Isa era treinada por Athos Schwantes, atleta Olímpico em Londres 2012 e Rio 2016. Já a pistola a laser do tiro permite uma adaptabilidade maior à pentatleta em seus treinamentos. Ela também já teve apoio de outro medalhista Olímpico, Felipe Wu, prata na Rio 2016.

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Isabela Abreu, do pentatlo moderno

Foto por Buda Mendes/Getty Images

O trabalho essencial com a mente

Pela característica de sua disciplina, Isabela Abreu conta com uma equipe interdisciplinar em seu apoio. A comissão técnica da pentatleta reúne cinco treinadores diferentes, além de profissionais como nutricionista, fisioterapeuta e psicólogo. Tal estrutura significa também altos custos, ainda mais numa modalidade com pouco apoio no Brasil. Esse grupo, de qualquer forma, se tornou essencial para o sucesso internacional crescente de Isa.

O trabalho psicológico, em especial, ajuda Isabela a manejar os diferentes desafios dentro do pentatlo moderno. A paranaense trabalha há quase uma década com Talita Hermann, que atende outros esportistas na região de Curitiba. "Foi um grande divisor de águas depois que eu comecei a trabalhar com minha psicóloga, porque o pentatlo demanda uma resiliência mental muito grande. Você sai de um esporte para o outro, com pouco tempo de intervalo, mas o que já foi passou e você tem que alinhar sua mente para o próximo", comentou, à Eldorado FM.

Mais uma ferramenta no equilíbrio de Isa é o yoga. "O yoga tem um papel bem importante, principalmente por essa minha rotina maluca de treinamento. Ali é um momento em que a gente internaliza, a gente mentaliza. É um momento de sossego dentro da minha rotina. Faz muita diferença para eu realmente absorver tudo aquilo que a gente está treinando, aquela consciência corporal que o yoga gera também. Lógico que o esporte incentiva todas essas valências, mas aqui no yoga é realmente focado", afirmou ao Sportv, em fevereiro de 2024.

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A frustração no Pan 2019 para sair mais forte

A presença de Isabela Abreu nas competições internacionais se tornou constante no ciclo rumo a Tóquio 2020. A paranaense passou três meses na Hungria em 2018, treinando em um dos melhores clubes de pentatlo moderno do mundo. Porém, uma grande decepção aconteceu em 2019, durante os Jogos Pan-Americanos. Isa ficou na sexta posição, atrás de Maria Iêda Guimarães, contra quem costumava ter melhor desempenho. A paranaense viu a compatriota conseguir a classificação para os Jogos Olímpicos, não ela.

Isabela cogitou deixar o Pan 2019 antes da prova do revezamento feminino, que disputaria ao lado de Priscila Oliveira. Demovida da ideia, a pentatleta pôde se recuperar com a conquista da medalha de bronze. "Eu estava meio triste, mas foi uma competição tranquila, leve. Eu consegui dar 100% de mim naquela prova, o que resultou na medalha histórica no revezamento. Por enquanto a medalha está guardadinha, mas vou enquadrar e ela vai ter um lugar especial, porque é uma medalha especial", comentou à Secretaria de Esportes do Paraná, em 2020.

A frustração rumo a Tóquio 2020 também fez Isabela repensar seus caminhos a Paris 2024. A pentatleta pôde ressignificar sua ausência dos Jogos Olímpicos para voltar mais forte. "A gente fez vários ajustes na comissão interdisciplinar. Fiz alterações focando me tornar na melhor pentatleta possível", comentou Isa, ao Arena Podcast, em fevereiro de 2024. Além do mais, a paranaense aproveitou os meses de paralisação das competições durante a pandemia para concluir seu curso de engenharia elétrica, o que garantia depois mais tempo dedicado aos treinamentos.

Isabela Abreu, do pentatlo moderno

Foto por Buda Mendes/Getty Images

A redenção em Santiago 2023

Com o ciclo mais curto rumo a Paris 2024, Isabela Abreu deu foco total ao seu grande objetivo de disputar os Jogos Olímpicos. Sua presença em competições internacionais se tornou mais frequente, com direito ao ouro no Campeonato Pan-Americano de Pentatlo Moderno em 2021 e o bronze em 2022. Num período consistente e sem lesões, Isa apostou suas fichas que poderia assegurar a vaga Olímpica através dos Jogos Pan-Americanos 2023. Chegou a pagar do próprio bolso para que todos os seus técnicos estivessem em Santiago. Amparada por eles, cumpriu seu objetivo.

Isabela Abreu terminou na nona colocação do pentatlo moderno no Pan 2023, mas obteve a cota para Paris 2024 como uma das duas melhores classificadas da América do Sul. Isa não fez uma boa fase qualificatória, penúltima entre as 18 classificadas. Contudo, no momento decisivo, a paranaense se recuperou especialmente por seu desempenho no hipismo e na esgrima. A brasileira perdeu posições na natação e na prova combinada de laser run, mas terminou entre as melhores sul-americanas numa chegada emocionante.

"Vim de um dia de construção muito grande, trabalhamos muito bem e fechei com chave de ouro, com essa classificação", afirmou Isabela, ao site do Comitê Olímpico Brasileiro, ao final do Pan 2023. "Tem que cair a ficha. Ainda não sei o que é isso e vai demorar um tempo para entender. Vou pegar umas merecidas férias e quem sabe descubro o que é comer um croissant em Paris?"

A nova face do pentatlo

As mudanças do pentatlo moderno durante os últimos anos fizeram Isabela Abreu direcionar seus esforços. O formato da competição se tornou diferente no atual ciclo Olímpico, com finais condensadas em 90 minutos para tornar a experiência mais dinâmica. Na atual preparação, Isa dá ênfase aos treinos na esgrima, pela importância da modalidade no início da classificação, e no tiro, que foi uma defasagem em Santiago 2023. Seu objetivo é chegar entre as 18 finalistas. A partir disso, há abertura para sonhar com o pódio.

Todavia, Isa sabe que muita coisa mudará depois de Paris 2024. O pentatlo moderno passará por uma transformação profunda a caminho de LA28. As provas de hipismo deixarão de fazer parte da modalidade. Uma corrida com obstáculos será introduzida, o que reduz as imprevisibilidades em relação aos cavalos, sorteados. Tal adição também aumenta a dinâmica e torna o esporte até mais acessível aos praticantes, inclusive a crianças. Isabela vê com bons olhos as novidades, até pela aptidão que possui no atletismo.

"A saída do hipismo vai dar uma aliviada nos atletas, principalmente porque a modalidade que vai entrar a gente vai ter controle. Rendimento é igual natação, corrida, eu sei o tempo que vou fazer. Então essa pista de obstáculos a gente vai conseguir treinar e ter muita consciência do que vai ser capaz de fazer na competição", comentou, ao Sportv. Paris 2024 pode ser o passo de uma jornada mais longa a quem já se multiplicou nesse caminho.