Com nome já na história, Gabriel Medina busca consagração Olímpica em Paris 2024
Era 19 de dezembro de 2014 quando Gabriel Medina fez história. Aos 20 anos, nas ondas de Pipeline, no Havaí, o surfista deu o pontapé inicial de uma geração de ouro. Foi só o começo de uma história de sucesso, que elevou o surfe brasileiro a um novo patamar.
Apesar de despontar aos 20 anos, Medina já apresentava grande potencial ainda criança. E o resto, é história, que ganha um novo capítulo nas águas do Taiti em Paris 2024.
"É incrível voltar ao Taiti. É um lugar que eu amo, minha onda favorita e realmente me sinto confortável aqui porque as pessoas são receptivas, as ondas são boas, é um lugar que gosto de estar", declarou Gabriel Medina, ao Olympics.com, em entrevista às vésperas do início da competição.
"Quando volto para casa encontro uma vida semelhante, cidade pequena, conheço todo mundo, faz você se sentir parte deles porque te tratam como família. Eu não sei, só me sinto em casa aqui."
SURFE EM PARIS 2024
O sucesso por fazer as pessoas se orgulharem
Gabriel Medina classifica Teahupo’o como sua onda favorita. “O resultado e o bom desempenho serão consequências, porque amo estar aqui”, disse, ao Olympics.com. Mas, além da paixão pelo local, ele também trabalhou forte para estar confiante em seu surfe.
“Eu treinei bem, eu me sinto bem. Eu queria chegar nesse momento e me sentir bem. Então o trabalho foi feito fora da água e agora vai ser nos detalhes ali dentro da bateria. Vou botar tudo o que eu que eu tenho praticado e trabalhado."
E o que move Medina é o sentimento que pode causar nas pessoas. Para o surfista, a definição de sucesso está nisso: "Eu acho que, para mim, sucesso significa quando as pessoas se orgulham de você pela pessoa que você é, pela pessoa que você representa, seja dentro do esporte ou como ser humano. Isso significa muito para mim.”
“Na verdade, eu faço muita coisa porque eu gosto de deixar as pessoas que estão do meu lado felizes. Então, é isso, deixar essas pessoas felizes significa sucesso para mim", avaliou, ao Olympics.com.
Os primeiros passos de Gabriel Medina no surfe
Gabriel Medina nasceu em São Sebastião, litoral norte de São Paulo. Desde criança, portanto, cresceu próximo ao mar e o surfe aconteceu de maneira natural. Mas o que começou como uma brincadeira, acabou virando coisa séria, principalmente depois que Charles Rodrigues entrou em sua vida.
Charlão, como é conhecido, decidiu trocar São Paulo pela praia de Maresias, onde conheceu Simone Medina. Gabriel ganhou, então, um padrasto, que acabou virando também o seu técnico. Com anos de surfe amador, Charles logo de cara viu que o menino levava jeito e tinha um talento diferente.
Não demorou muito para Gabriel Medina começar a carreira profissional. Com apenas 11 anos, venceu o Rip Curl Grom Search, já chamando a atenção. Foi colecionando títulos amadores e de categorias juvenis. Em 2010, foi campeão mundial sub-18.
E em 2011, Medina se tornou o surfista brasileiro mais jovem a disputar o Circuito Mundial com apenas 17 anos. Mesmo sendo novato, já mostrou suas habilidades logo de cara, apresentando suas acrobacias, e vencendo duas das cinco etapas que disputou, na França e nos Estados Unidos.
Gabriel Medina alcança o topo
Uma vez estabelecido na elite do surfe mundial, as vitórias no CT só voltaram em 2014. E voltaram em grande estilo. Logo na primeira etapa da temporada, Medina conquistou o título em três etapas. Em dezembro, no Havaí, Medina chegou para disputar o título da temporada e, para isso, precisava terminar à frente de Mick Fanning.
Garantido nas quartas de final, o brasileiro viu o australiano ser eliminado na quinta fase pelo argentino naturalizado brasileiro, Alejo Muniz. Com isso, sem nem entrar na água, conquistou o primeiro título do Brasil na elite do surfe mundial.
Vale lembrar que, até 2014, o principal campeonato do mundo era chamado de ASP (Association of Surfing Professionals), virando WSL (World Surf League) a partir de 2015.
Brazilian Storm e auge de Gabriel Medina
A vitória de Medina em 2014 foi tida como um fator determinante para a chamada “Brazilian Storm”, a Tempestade Brasileira. Até então, o surfe era dominado por Austrália e Estados Unidos, mas desde o primeiro título de Gabriel, o Brasil conquistou seis dos 10 troféus disputados.
Nos anos seguintes, Medina continuou brigando entre os melhores. Ficou em terceiro lugar em 2015, ano em que Adriano de Souza, o Mineirinho, foi campeão, e 2016; foi vice-campeão em 2017, perdendo para um de seus maiores adversários, John John Florence, até que voltou ao topo do pódio em 2018, quando venceu três etapas e conquistou o bicampeonato.
Em 2018, inclusive, três brasileiros terminaram a temporada entre os quatro primeiros colocados, com Filipe Toledo em terceiro e Ítalo Ferreira em quarto. No ano seguinte, foi a vez de Ítalo levantar o troféu, com Medina ficando na segunda posição.
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Frustração em Tóquio 2020 e a volta por cima Gabriel Medina
Em 2020, a WSL foi cancelada por causa da pandemia de Covid-19. No ano seguinte, o surfe fez a sua estreia nos Jogos Olímpicos e Gabriel Medina foi um dos representantes do Brasil em Tóquio 2020.
Ele chegou à capital japonesa depois de vencer duas etapas, além de ser vice-campeão em outras três. Um dos favoritos ao primeiro ouro olímpico da história do surfe, Gabriel Medina viu a medalha escapar após perder na semifinal para Kanoa Igarashi, atleta da casa. Na disputa pelo bronze, perdeu novamente, desta vez para o australiano Owen Wright.
Apesar da frustração, ele voltou à disputa da WSL, na qual também era muito favorito depois dos ótimos resultados da temporada. Foi o primeiro ano em que foi disputada a WSL Finals, que reúne somente os cinco melhores surfistas da temporada e segue um formato diferente em relação às outras etapas classificatórias, com um sistema de “mata-mata”.
O quarto e o quinto colocados do ranking se enfrentam na primeira rodada. Quem vencer encara o terceiro colocado e assim por diante, até chegar no líder. Já o título é definido em uma série melhor de três baterias.
Líder do ranking, Gabriel Medina disputou, portanto, somente a final. Ele encarou o compatriota Filipinho e venceu por 2 a 0 para chegar ao tricampeonato.
Gabriel Medina, saúde mental e o retorno
Após o tricampeonato, o ano de 2022 foi desafiador para Gabriel Medina. Antes da estreia na temporada da WSL, ele anunciou que ficaria de fora das duas primeiras etapas, alegando problemas físicos e de saúde mental.
Ele ficou afastado das competições por alguns meses e revelou ter tido depressão com tudo o que aconteceu no ano anterior. Em maio, Medina voltou ao circuito e conseguiu bons resultados, mas ficou de fora da WSL Finals, vencida por Filipe Toledo.
"Esses anos todos têm sido anos de aprendizado. Eu acho que a vida de atleta é assim, passa por altos e baixos. E você tem que saber lidar. Tem que aprender a lidar. Ninguém falou que ia ser fácil, ninguém falou que ia ser de um jeito”, afirmou Medina, ao Olympics.com.
“Eu acho que o importante é a gente manter a nossa fé durante o processo. Todo mundo passa por um processo. E tirar o melhor disso. Eu acho que errando, passando momentos difíceis é onde você mais aprende. E eu vivi muito isso. E eu me sinto orgulhoso da pessoa que eu me tornei, pelas coisas que eu passei.”
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Objetivo final: Paris 2024
A temporada de 2023 também foi desafiadora para Gabriel Medina. Era um ano decisivo na briga pelas vagas olímpicas em Paris 2024. Depois de um início ruim, ele voltou a vencer uma etapa em Margaret River, na Austrália, mas foi a única do ano.
Com isso, ficou de fora do Finals mais uma vez. Além disso, terminou atrás de outros dois brasileiros, Filipe Toledo, o campeão, e João Chianca, que acabaram ficando com as duas vagas nominais para os Jogos Olímpicos.
ISA Games 2024: o campeonato perfeito de Gabriel Medina
Ainda existia, porém, uma última possibilidade para Gabriel Medina ir a Paris 2024. Para isso, o Brasil precisava vencer o ISA Games de 2024 para conquistar a terceira e última vaga por país possível.
Medina, Yago Dora e Filipe Toledo representaram o país na competição. Gabriel teve um desempenho impecável do início ao fim, vencendo todas as baterias que disputou. Com os compatriotas eliminados, ele chegou à final precisando da vitória e de uma combinação de resultados dos adversários.
E conseguiu. Mesmo em um cenário improvável, ele venceu a bateria com autoridade e o marroquino Ramzi Boukhiam ficou em segundo lugar, assegurando a vaga ao Brasil. Com isso, Medina ganhou a oportunidade de voltar aos Jogos Olímpicos e, desta vez, buscar um resultado diferente.
"Foi um dia muito especial para mim, deu tudo certo, feliz por ter conseguido essa minha vaga para os Jogos Olímpicos. Claro que eu dependia de um time, mas todos ali competiram com o coração e foram uma equipe excelente e fico feliz por haver feito parte dela. Era um sonho poder estar no Taiti com o time brasileiro, a gente conseguiu realizar esse sonho", celebrou em entrevista ao Olympics.com, na época.
Gabriel Medina tem histórico positivo nas ondas de Teahupo'o
Medina estará em uma de suas ondas preferidas, no Taiti, em busca da consagração máxima de uma carreira já história.
Desde 2014, o brasileiro sempre chegou pelo menos às semifinais nas etapas de Teahupo'o. Ele foi campeão em 2014 e 2018 e vice em 2015, 2017, 2019 e 2023. Em 2016, o paulista terminou na 3ª colocação, única vez em que não avançou à final. Vale lembrar que a etapa não foi disputada em 2020 e 2021 por conta da pandemia, e em 2022, Medina não competiu por causa de uma lesão.
O Taiti fica na Polinésia Francesa, território que fica a 15.716 quilômetros de Paris. A etapa é uma das mais icônicas e perigosas da WSL: Teahupo'o, na língua local, significa praia dos crânios quebrados.
Mesmo assim, o perigo não é páreo para Gabriel Medina, que brilha nas ondas do Taiti. E é com esse retrospecto que ele vai em busca do tão sonhado ouro olímpico.
“Toda vez que surfo aqui, eu fico grato. Não é todo lugar do mundo que você tem esse cenário, tão lindo, com boa energia, boas pessoas. Me sinto bem, com gratidão”, disse Medina, ao Olympics.com.
“Toda vez que venho para cá eu sei que é uma oportunidade e eu quero fazer mais. Eu sei que se surfar bem uma bateria, eu vou surfar outra bateria, e outra, e mais outra, e isso me faz tentar mais e mais.”
O importante apoio de Charlão
As expectativas sobre o desempenho de Gabriel Medina em Paris 2024 se cumprem. O brasileiro teve um ótimo rendimento na fase de classificação, antes do reencontro com Kanoa Igarashi nas oitavas de final. A nota 9.90 e a fantástica foto da comemoração de Medina já estão na história Olímpica.
A confiança ao redor de Gabriel Medina também aumenta pela volta da parceria com Charlão, seu padrasto e novamente seu treinador, que está presente no Taiti para orientá-lo. É um apoio essencial.
“Estou feliz de ter trazido meu padrasto de volta para a competição comigo. É um cara que eu me sinto à vontade, tenho muita confiança e eu fico feliz de trazer ele para cá, um momento importante da minha carreira”, avaliou Medina, ao Olympics.com.
“Acho que não tinha um jeito melhor de estar competindo nos Jogos Olímpicos, do lado dele. Com certeza ele dá uma motivação a mais e eu acho que ele merece a medalha. Por tudo que a gente já passou, então é um motivo a mais de estar aqui.”
A nova oportunidade em Paris 2024 e em Teahupo'o
Diante do muito que viveu ao longo de sua carreira e de sua vida pessoal, Gabriel Medina demonstra consciência da construção de todos esses processos. Chegou a Paris 2024 com vontade de dar seu máximo.
“Eu passei por muita coisa nos últimos dez anos da minha vida, ganhei três títulos, então não ligo com a pressão que as pessoas falam. Mas eu sei que foi um trabalho duro para este momento, e eu realmente quero me sair bem aqui”, analisou, ao Olympics.com.
O próprio surfe, afinal, é feito de novas oportunidades. E poucos o conhecem tão bem quanto Medina: “Toda oportunidade é uma oportunidade. É isso que eu gosto no surfe. Todo dia você vai surfar sempre tem a oportunidade de recomeçar.
“Talvez tenha um surfe mau, bom, varia muito. Às vezes o mar não ajuda tanto, mas você tem a oportunidade de recomeçar todas as vezes que você vai surfar. E eu levo isso para a vida", finalizou Medina, ao Olympics.com.