Gabriel Medina, Filipe Toledo e João Chianca ignoram pressão e focam no dia a dia em Paris 2024
A brazilian storm do surfe masculino do Brasil chega aos Jogos Olímpicos Paris 2024 novamente em destaque. Após ouro de Ítalo Ferreira em Tóquio 2020, país terá três representantes nesta edição que acontecerá nas ondas de Teahupo'o, no Taiti, Polinésia Francesa, neste sábado, 27 de julho.
Gabriel Medina, João Chianca, o Chumbinho, e Filipe Toledo serão os responsáveis por buscar mais uma medalha dourada para o país no esporte. Destes, apenas Medina já teve a experiência Olímpica na capital japonesa. Os outros dois, contudo, também chegam credenciados por bons resultados.
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Pressão por bons resultados? Nada disso, os três atletas preferem focar no trabalho desenvolvido nos últimos anos, na saúde mental e em cada bateria que terão pela frente. Nota a nota, eles encaram o bom resultado como “consequência”.
O Olympics.com conversou com exclusividade com Gabriel Medina, João Chianca e Filipe Toledo antes da estreia do surfe nos Jogos Olímpicos. Confira:
Gabriel Medina deixa pressão externa de lado e foca no trabalho
Olympics.com (OC): Parece que aqui é uma segunda casa para você. Como você está se sentindo?
Gabriel Medina: É incrível voltar ao Taiti. É um lugar que eu amo, minha onda favorita e realmente me sinto confortável aqui porque as pessoas são receptivas, as ondas são boas, é um lugar que gosto de estar. Quando volto para casa encontro uma vida semelhante, cidade pequena, conheço todo mundo, faz você se sentir parte deles porque te tratam como família. Eu não sei, só me sinto em casa aqui.
OC: Muitas pessoas esperam que você ganhe aqui porque tem muito talento aqui e pensam que se não ganhar vai ser vexame. Você sente essa confiança também?
Gabriel Medina: Eu não penso no que as pessoas falam de mim. Eu passei por muita coisa nos últimos dez anos da minha vida, ganhei três títulos, então não ligo com a pressão que as pessoas falam. Mas eu sei que foi um trabalho duro para este momento, e eu realmente quero me sair bem aqui. Porém, dedico maior atenção no meu tempo na água porque amo estar na água aqui. Não penso nos resultados, nos outros. Eu só quero surfar aqui porque é minha onda favorita. O resultado e o bom desempenho serão consequências porque amo estar aqui. Então, deixo as coisas acontecerem e estou confiante porque trabalhei forte e não pelo que as pessoas falam. Antes das competições, quando você pensa em estatísticas, são apenas números. Nós começamos do zero e vamos bateria a bateria – e cada uma é diferente. Você precisa entrar nela, se sentir conectado. E sinto que aqui é fácil se conectar, com tanta natureza. Eu me sinto próximo de Deus aqui porque você realmente sente o lugar, a energia.
OC: Quais emoções você sente aqui?
Gabriel Medina: Eu sinto gratidão. Toda vez que surfo aqui em fico grato. Não é todo lugar do mundo que você tem esse cenário, tão lindo, com boa energia, boas pessoas. Me sinto bem, com gratidão. Toda vez que venho para cá eu sei que é uma oportunidade e eu quero fazer mais. Eu sei que se surfar bem uma bateria, eu vou surfar outra bateria, e outra, e mais outra, e isso me faz tentar mais e mais.
OC: Você olhou o sorteio das baterias e com quem você vai competir?
Gabriel Medina: Eu vi as baterias. Como eu falei, eu não me preocupo muito, porque todos são muito difíceis, todos os atletas surfam muito bem, mas eu estou focado no meu trabalho. Eu treinei bem, eu me sinto bem. Eu queria chegar nesse momento e me sentir bem. Então o trabalho foi feito fora da água e agora vai ser nos detalhes ali dentro da bateria. Vou botar tudo o que eu que eu tenho praticado e trabalhado.
OC: Você mencionou que passou muito em sua carreira, mas os últimos dois anos foram mais difíceis, você saiu e depois voltou. Pode explicar como você está com sua saúde mental, sem bem-estar neste momento?
Gabriel Medina: Sim, esses anos todos têm sido anos de aprendizado. Eu acho que a vida de atleta é assim, passa por altos e baixos. E você tem que saber lidar. Tem que aprender a lidar. Ninguém falou que ia ser fácil, ninguém falou que ia ser de um jeito. Eu acho que a vida é feita de dia após dia. Viver o momento e não se preocupar com as coisas. Eu acho que o importante é a gente manter a nossa fé durante o processo. Todo mundo passa por um processo. E tirar o melhor disso. Eu acho que errando, passando momentos difíceis é onde você mais aprende. E eu vivi muito isso. E eu me sinto orgulhoso da pessoa que eu me tornei, pelas coisas que eu passei. E toda oportunidade é uma oportunidade. É isso que eu gosto no surfe. Todo dia você vai surfar sempre tem a oportunidade de recomeçar. Talvez tenha um surfe mau, bom, varia muito. Às vezes o mar não ajuda tanto, mas você tem a oportunidade de recomeçar todas as vezes que você vai surfar. E eu levo isso para a vida.
OC: O que representa o sucesso para você aqui? O que te deixaria feliz quando saísse daqui?
Gabriel Medina: Hmmm, sucesso [pensativo]
OC: Pensa assim: muitas pessoas presumem que você ganhará, que é a única coisa que importa. Que ganhar uma medalha de ouro é a única coisa que te deixaria feliz no final dos Jogos Olímpicos. Mas para você, do fundo do seu coração, o que te deixaria feliz e sentindo que teve sucesso?
Gabriel Medina: Eu acho que, para mim, sucesso significa quando as pessoas se orgulham de você pela pessoa que você é, pela pessoa que você representa, seja dentro do esporte ou como ser humano. Isso significa muito para mim. Na verdade, eu faço muita coisa porque eu gosto de deixar as pessoas que estão do meu lado felizes. Então, é isso, deixar essas pessoas felizes significa sucesso para mim.
OC: Você está com seu padrasto aqui no Taiti. Como é tê-lo ao seu lado?
Gabriel Medina: Estou feliz de ter trazido meu padrasto de volta para a competição comigo. É um cara que eu me sinto à vontade, tenho muita confiança e uu fico feliz de trazer ele para cá, um momento importante da minha carreira. Acho que não tinha um jeito melhor de estar competindo nos Jogos Olímpicos, do lado dele. Com certeza ele dá uma motivação a mais e eu acho que ele merece a medalha. Por tudo que a gente já passou, então é um motivo a mais de estar aqui.
OC: E sobre o futuro? Já pensou nisso?
Gabriel Medina: Pensando rápido sobre o futuro, eu não sei realmente. Eu sei que eu tenho condições de vencer títulos e isso me motiva, me mantém ali. Ainda faz sentido eu estar fazendo o que eu faço. Hoje eu não tenho uma mulher, eu não penso nisso. Mas o meu sonho é ser pai um dia. O dia que eu estiver próximo disso e estiver para ter um filho, com certeza eu provavelmente vou parar de surfar, porque eu quero me dedicar ao meu filho. Então acho que a vida é feita de fases. Agora, é essa fase de trabalhar, de buscar o meu melhor. Eu acho que eu tenho muito para viver no surfe, estou com 30 anos. Mas é isso, viver passo a passo, sem muita expectativa.
João Chianca 'abraça cada momento' nos Jogos Olímpicos
OC: Como você descreve esse momento, a sensação que você está sentido esta semana ao surfar nos Jogos Olímpicos?
João Chianca: Eu me sinto realmente abençoado, honrado. Grande parte da minha vida está aqui comigo neste momento, neste local, com essa energia, essa ilha que eu amo e lugares especiais para mim. É um momento da minha que tenho grandes responsabilidades e compromissos com meu país. Isso é incrível. Você realmente se sente feliz de representar sua família, seus amigos, as pessoas que você ama e as pessoas que amam você. Eu estou aqui, é um título difícil, mas é muito importante para o Brasil, para todas as pessoas que realmente amam o surfe.
OC: Parece que você realmente abraça o momento. Como você faz isso sem deixar as emoções tomarem conta de tudo?
João Chianca: Eu abraço cada momento, cada parte da minha vida, cada fase que eu passo. É uma habilidade. Há momentos que realmente abraço e outros que preciso me concentrar, em fazer isso, fazer aquilo, e ser paciente. Essa foi habilidade que 2024 trouxe para mim. Eu abraço essa pressão, abraço esse compromisso que preciso ter com os Jogos Olímpicos, com este local. Eu aproveito todas as coisas, elas possuem uma energia que corre pelo meu corpo aqui nesta natureza, neste local, com essa camisa que tem o símbolo Olímpico. Eu penso que é assim que vivemos essa pressão. Você passa a aproveitar mais e mais. Não queremos que os dias passem rápido.
OC: Com que frequência dizem que você é maduro? E como atingir isso aos 23 anos?
João Chianca: Nem sempre (risos). Eu acho que tenho muitas personalidades, digo, a gente tem fases difíceis e passa por muita coisa que proporciona uma disciplina que eu realmente... eu desejaria ter em minha vida. Como atleta, como surfista profissional, sempre esperam que superaremos os desafios e passaremos pelas fases difíceis. Mas é muito difícil e o tempo entre o acidente que sofri e os Jogos Olímpicos não foram fáceis. Então, se foi um teste de disciplina e determinação, eu me saí bem. É assim que funciona. Nada como um dia após o outro. Faz a gente se sentir um sobrevivente para sempre e quando você vê sua alma, você deixa de lado aquela cara ou dia ruim que tiver.
OC: Você mencionou o acidente. Pode dizer quão severo foi para sua vida?
João Chianca: Foi difícil, às vezes penso nisso, às vezes aparece em minha mente. Pode ser paranoico, mas eu poderia mergulhar naquela onda e aquela onda ser a última da minha vida. É muito assustador – e foi o que aconteceu comigo. Um dia lindo, uma sessão linda no Havaí, outro lugar que eu amo e tenho no coração com muito respeito e empatia pela população. E então o acidente acontece. Não sei por quê. Não sabemos os motivos, mas foi tudo difícil por um momento. Tive uma segunda chance em minha vida e a chance de rever minha família, meus amigos, as pessoas que amo. Eu voltei para minha família, minha casa e me recuperei até poder entrar na água novamente e ter uma chance, uma chance distante, mas ainda uma chance de tornar isso possível nos Jogos Olímpicos.
OC: Pode explicar como você está fisicamente e mentalmente?
João Chianca: Estou 100%. Estou muito saudável e muito feliz com o lugar em que estou. Estou me sentindo muito bem, tenho acordado todo dia cedo, me preparado muito, diversas sessões de surfe e de treinos dentro e fora d’água. A minha expectativa está muito boa para esse evento. Estou me sentindo muito bem e quero agradecer por todas as orações e energias. Acho que isso faz a diferença. E agora é hora do show. Os bastidores acabaram e é hora de mostrar realmente o quão preparado e saudável estou – e tomare que role medalha.
OC: Você mencionou sua família. Fale como eles te apoiam e como estão orgulhosos de continuar o legado deles.
João Chianca: É um momento muito especial para nossa família. Sempre foi uma família básica de uma cidade pequena chamada Saquarema, no Rio de Janeiro, tem a oportunidade de ter os dois filhos no surfe mundial, um em ondas gigantes, outro em competições, tendo a possibilidade de ser atleta Olímpico. Acho que é o sonho de todo pai e mãe.
OC: O que sucesso representa para você aqui? O que te deixaria feliz quando você sair daqui?
João Chianca: Uma medalha com certeza me faria muito feliz aqui, seria um sonho realizado. Eu tenho um sonho muito forte de conquistar meu espaço nessa onda, de conquistar uma performance digna do surfe. Eu acredito na minha qualidade e na minha habilidade nesse lugar, então que uma medalha ia ser de extrema importância e realmente teria um peso muito marcante na minha carreira.
Filipe Toledo celebra melhor momento da vida nos Jogos Olímpicos
OC: Você está nos Jogos Olímpicos! Como você está se sentindo?
Filipe Toledo: Eu ainda estou tentando descobrir! Eu trabalhei tão forte estes anos. Fiquei perto de me qualificar em Tóquio, não fui, tive estes anos para recomeçar e agora estou aqui! Está perto de começar! É o sonho de todos os atletas estar nos Jogos Olímpicos, fazer parte disso, ganhar uma medalha, e agora tenho a chance disso.
OC: Você está sorrindo bastante aqui, mas o que isso significa? A gente sabe que um sorriso nem sempre significa que está tudo bem. O que representa neste momento?
Filipe Toledo: Posso dizer que estou no melhor momento da minha vida. Mais feliz, mais confiante. Eu realmente sinto que estou no presente agora, vivendo dia a dia. Quando estou em casa com minha mulher, meus filhos, eu realmente estou com eles. Não apenas dizendo ‘estou com eles’, mas na minha mente estou estressado. Agora estou completamente... livre não é a palavra, mas natural, o Filipe certo agora. E quanto mais tempo estou em casa, fazendo minhas viagens, menos pressão coloco em mim. Sinto que foi a melhor escolha para mim, me afastar das competições. Agora tenho um só objetivo, que são os Jogos Olímpicos, e o foco está em mim, na minha família e me tornar uma pessoa e um atleta melhor.
OC: Pode explicar essa jornada que você fez? Como você estava antes e como você está agora? Por que foi importante fazer isso, dizer que precisava de um tempo?
Filipe Toledo: Em 2019 e 2020 foram dois anos que foram bem difíceis para mim, mentalmente falando e fisicamente também. Meu corpo acabou sofrendo por conta disso. Eu achava que eu estava em um momento bom, mas na verdade eu ainda não tinha entendido onde eu estava, como eu estava e como deveria ser. Então em 2020, 2021 e 2022 eu passei por esses desafios. Em 2022 foi quando eu conquistei o meu primeiro título e eu consegui manter este mesmo ritmo em 2023 e logo depois do meu segundo título eu senti um peso. Eu senti que eu estava voltando para aquele ano de 2019, que foi o ano onde eu estava para baixo, o ano em que eu estava desmotivado, o ano que eu estava sem perspectiva de vida nenhuma. Ter passado todos esses anos assim me fez entender e me fez crescer. Eu me tornei uma pessoa muito melhor e percebi antes de acontecer. Então, no final de 2023, eu senti que eu precisava de um tempo. Eu precisava descansar, eu precisava me encontrar de novo. Eu precisava encontrar a minha felicidade no surfe. Decidi sair do campeonato, sair do circuito mundial e viver. Viver para mim, sem pressão, sendo eu, sendo filho, sendo marido e pai. Então foi um momento que eu precisava e eu acho que é um momento que muitos atletas precisam, mas ninguém fala sobre isso. Eu vejo que a gente está ganhando força, falando sobre isso cada vez mais. As pessoas estão entendendo cada vez mais e eu acho que é um tema, uma bandeira que eu gosto de representar e que vai mudar a vida de muito atleta.
OC: Você obviamente é um homem de família. O que o sucesso significa para você aqui diante do sacrifício que você faz para ficar longe deles?
Filipe Toledo: Eu acho que o sucesso vai de pessoa para pessoa. Claro que o maior objetivo para mim é ter uma medalha, voltar para casa com uma medalha para os meus filhos, para o meu país. Mas eu acho que o sucesso é parte da dedicação. Estar preparado e entregar tudo o que eu puder dentro d'água, fazer tudo o que eu puder e saber que eu entreguei tudo, o que pode não ser suficiente ou pode ser suficiente. Mas eu sair daqui satisfeito. Eu tentei de tudo, eu fiz de tudo, então sair daqui sem nenhum arrependimento. Então acho que sair daqui sem arrependimento para mim já é um sucesso. Isso é o mais importante. O momento que eu acabo ficando confortável e entregando tudo o que eu tenho é quando os resultados aparecem e eu estou preparado para esse resultado.