Caroline Santos, a Juma: o apelido que traduz um espírito de luta
O nome de Caroline Santos pode passar despercebido no mundo do taekwondo. Quando se fala de “Juma”, no entanto, grande parte do público da modalidade conhece: é uma das melhores taekwondistas brasileiras dos últimos anos. O apelido surgiu numa brincadeira e virou marca da mato-grossense, que vira fera dentro de quadra. Dona de duas medalhas de prata em Campeonatos Mundiais, Juma chega com boas expectativas para sua estreia nos Jogos Olímpicos, em Paris 2024.
“A mulher que vira onça é uma mulher forte, uma mulher destemida, uma mulher corajosa. E eu acho que é tudo que eu sou. Por sair da minha casa, sem conhecer ninguém, chegar aqui sem perspectiva de nada e conquistar tudo o que eu conquistei , olhar pra trás e ver tudo o que eu passei, todas as dificuldades e não desistir, é gratificante pra mim”, comentou a atleta, em 2022, ao Esporte Espetacular.
ASSISTA A PARIS 2024 AO VIVO NO BRASIL
A identificação com o apelido é tamanha que muitas vezes nem Caroline atende de primeira quando é chamada pelo nome de batismo. O nome de “guerra”, Juma, é que intimida as adversárias no taekwondo. E orgulha a própria atleta: “Eu gosto muito desse apelido, me representa muito, não só o apelido, mas a mulher que eu sou, que eu me tornei.”
Dos quatro representantes do Brasil no taekwondo, Juma é a melhor colocada no ranking Olímpico. A mato-grossense sequer precisou disputar o Pré-Olímpico das Américas: na sétima colocação dos 67kg durante o fechamento do ranking, obteve a cota porque outras duas adversárias à frente se classificaram por outros caminhos. Contudo, Juma também terá o desafio de se impor num peso acima de suas principais conquistas, como o taekwondo Olímpico possui quatro categorias a menos que nos Campeonatos Mundiais.
PARIS 2024 | O sistema Olímpico de classificação do taekwondo
Juma conseguiu sua maior oportunidade quando pensava em abandonar a carreira
Caroline Santos nasceu em Água Boa, no Mato Grosso, mas com apenas um ano de idade se mudou com a família para o interior de Goiás. Montividiu tem apenas 13 mil habitantes, mas permitiu os primeiros contatos de Juma com o taekwondo, graças a um projeto local da modalidade. A garota de dez anos ouviu de seu professor que tinha um biótipo favorável à disciplina e isso ofereceu mais motivação. Continuou envolvida mesmo quando voltou com a família para o Mato Grosso.
Juma, inclusive, se acostumou a treinar com meninos durante seus primeiros anos no taekwondo. Isso moldou seu caráter. "No começo era difícil, sempre tinha piadinhas e tudo mais. Quando eu comecei a treinar, eu lutava mais com homens do que com mulheres pela falta de meninas no esporte. Isso me incomodava muito. Por que as piadas, só porque eu sou mulher? Então, eu ia lá e batia neles”, contou ao site da ESPN, em março de 2024.
A carreira de Juma, no entanto, demorou a decolar. Aos 19 anos, a taekwondista pensou seriamente em largar o esporte. As viagens para as competições eram caras e ela não via retorno, sem grandes resultados. "Eu trabalhava, e treinava duas vezes na semana. Então, eu não queria mais prosseguir com o esporte, porque eu achei que estava na hora de criar, ir por outros caminhos", contou, ao Esporte Espetacular.
Juma pensou em fazer sua despedida no Campeonato Brasileiro de 2015. Foi justamente a competição que mudou sua história no taekwondo. Em sua última luta, a mato-grossense enfrentou Milena Titoneli. A adversária venceu, mas o estilo de Juma agradou os treinadores Reginaldo e Clayton dos Santos, especialmente por um golpe de difícil execução. Os dois convidaram a jovem a se mudar para São Caetano do Sul, em São Paulo, e a treinar na academia Two Brothers, referência na formação de taekwondistas.
"Eu não pensei duas vezes, já logo aceitei o convite, mesmo sendo muito crua no taekwondo competitivo. Sempre foi meu sonho ser uma atleta de alto rendimento. Eles me deram todo o apoio para me tornar uma atleta de destaque e hoje eu somo grandes títulos na minha trajetória", declarou Juma, em vídeo da CBTKD, em novembro de 2023.
MAIS | Maria Clara Pacheco assegura mais uma vaga para o Brasil no taekwondo em Paris 2024
A onça que transformou Caroline em Juma
Em São Caetano do Sul, Caroline Santos passou a conviver com alguns dos melhores taekwondistas do país. Sua academia lapidou talentos como Diogo Silva e Maicon Andrade, este prestes a ganhar o bronze na Rio 2016. E a nova casa também proporcionou o apelido que guia sua carreira: Juma, uma referência à personagem da novela Pantanal. A alcunha surgiu não apenas pelas origens da mato-grossense que chegava à “cidade grande”, mas também por uma brincadeira que ela fez em seus primeiros dias na nova cidade.
Caroline contava a história de um dia em que, acampando com a família, ouviu o barulho de uma onça próxima de sua barraca. Porém, resolveu tirar sarro e aumentar o “causo”. Afirmou que tinha brigado com o animal e até mordido o felino. A batalha só terminou quando as duas, de tão cansadas, foram cada uma para o seu lado. A piada a transformou para sempre em Juma.
"Contei essa história pra eles... Claro que é uma brincadeira, mas eu já estava acreditando e a galera deu muita risada. Aí surgiu o apelido de Juma", brincou, ao falar com o Esporte Espetacular. "No meio do taekwondo é só Juma, quem me chama de Caroline eu acho que nem tá falando comigo. Juma!!! Oi?! Caroline tem que chamar umas duas vezes."
MAIS | Henrique Marques correu contra o tempo para estar em Paris 2024
Duas pratas em Campeonatos Mundiais
Os novos ares em São Paulo também impulsionaram a carreira de Juma no taekwondo. A mato-grossense pôde disputar suas primeiras competições internacionais e teve bons resultados - rondou a medalha na Universíade e foi ouro no Costa Rica Open em 2017. Seu potencial ficava cada vez mais claro. "Eu falei: 'Acho que eu levo jeito pra isso'. Foi uma grande evolução depois que eu cheguei na equipe", relatou a atleta, em entrevista à Band, em junho de 2024.
Os pódios se tornaram corriqueiros a Juma, até que ela chegasse ao ápice em 2019, aos 23 anos. A mato-grossense conquistou a medalha de prata na categoria 62kg durante o Campeonato Mundial. Contudo, não seria neste momento que a taekwondista apareceu em Tóquio 2020. Sem a categoria 62kg nos Jogos Olímpicos, Juma concorria pela vaga nos 67kg e a representante do país foi justamente Milena Titoneli, a adversária da luta que mudou a carreira da mato-grossense lá em 2015. A paulista tinha sido bronze no mesmo peso durante o Mundial 2019 e ficou na quinta posição em Tóquio 2020.
A lista de conquistas de Juma se ampliou no ciclo seguinte. Em 2021, a mato-grossense ganhou o Campeonato Pan-Americano de Taekwondo e o Campeonato Aberto Feminino em Riade. Já em 2022, veio o bicampeonato no Pan-Americano da modalidade, mesmo sem ir tão bem no Mundial. Mas, apesar dos grandes resultados, Juma estava atrás de Milena Titoneli no ranking Olímpico rumo a Paris 2024. Apenas uma brasileira poderia assegurar a vaga, caso uma delas permanecesse entre as cinco primeiras da lista internacional.
As dificuldades para Juma se tornaram maiores no início de 2023, quando ela sofreu uma fratura na mão e ficou um tempo sem treinar. "Eu tive que dar passos para trás. Bateu a insegurança, bateu o medo", confessou. O retorno aconteceu em junho, durante o Campeonato Mundial em Baku. A brasileira conquistou mais uma prata e somou pontos valiosíssimos no ranking. O ano vitorioso ainda rendeu três ouros em Opens e na Presidents Cup Pan-Americana realizada no Rio de Janeiro.
A superação nos meses anteriores a Paris 2024
As lesões, porém, voltaram a impor desafios a Juma nos últimos meses. A brasileira se lesionou nos Jogos Pan-Americanos 2023 e perdeu a decisão do bronze nos 67kg. Ainda conquistou uma medalha de bronze por equipes, ao lado de Maria Clara Pacheco e Sandy Macedo, mas dependendo do apoio das companheiras. A contusão no tendão também botou em risco a posição de Juma no ranking Olímpico e ela precisou participar do Grand Prix no sacrifício, com dificuldades até para os treinos físicos.
No fim das contas, Juma não se manteve entre as cinco primeiras do ranking, mas a sétima colocação assegurou a cota em Paris 2024 no limite. A mato-grossense também se manteve acima de Milena Titoneli, que esteve à frente na corrida em boa parte do ciclo. Depois do fechamento do ranking Olímpico em janeiro, a taekwondista pôde se concentrar na recuperação.
Juma ficou cinco meses sem competir, mas voltou às quadras em abril e levou a prata no Tallinn Open. O bom desempenho contra algumas das principais concorrentes na categoria animou a brasileira. "Isso me deu mais confiança de que eu estou no caminho certo e me deu ainda mais ansiedade, mas uma ansiedade boa, pra poder vivenciar a mágica dos Jogos Olímpicos. Eu nunca participei, então estou muito ansiosa pra viver toda essa experiência", contou, à Band.
A maneira como se superou ao longo de sua carreira garante boas expectativas a Juma nos Jogos Olímpicos. "Eu estou muito feliz de poder olhar para trás e ver que eu não desisti, que superei vários obstáculos. Às vezes até eu falo assim: 'Caramba, eu sou muito forte'", comentou ao Bandsports, em maio de 2024. Uma fera capaz de mostrar suas garras e até de lutar como uma onça em Paris.
MAIS | Cabo-verdiano Nicalas Fernandes, do taekwondo: por vaga nos Jogos e uma boa causa