Apaixonado pelo sentido de dever do avô em relação ao país natal e os sacrifícios pessoais que ele teve que passar, Anthon Bosch prometeu um dia representar a África do Sul nos Jogos Olímpicos de Inverno.
O snowboarder nascido na Suécia poderia ter tomado o caminho mais fácil, aquele pavimentado por recursos generosos e outras facilidades que podem ser proporcionadas pelo país onde nasceu. Apesar disso, ele resolveu honrar a promessa que fez ao avô.
Alguma ajuda de Mandla Mandela
Bosch era uma estrela em ascensão do snowboard sueco, com uma série de vitórias para o país de bandeira azul e amarela, nas categorias júnior e juvenil. Ele terminou entre os três primeiros no Big Air do campeonato nacional da Suécia antes de mudar de nacionalidade.
Há cinco anos, Bosch deus os primeiros passos para cumprir este sonho quando recebeu autorização da federação sueca para competir por outro país e, assim, representar a África do Sul. Para isso ele contou com o apoio de Mandla Mandela, neto do líder sul-africano Nelson Mandela, que colaborou para que Bosch obtivesse a dupla cidadania.
"Passei muito tempo com ele (meu avô) quando jovem, ele parecia ser muito mais meu amigo do que outra coisa. Quando eu era mais novo, não entendia muito tudo isso (seus esforços), mas de alguma maneira ele me inspirou com sua história e suas ações," lembra Bosch.
"Em 2012, quando comecei na Escola Norueguesa de Snowboard, decidi que eu realmente queria um dia representar a África do Sul. Finalmente consegui a carta de liberação da Suécia (em 2016), e Mandla Mandela um dia telefonou para o meu pai do nada e disse que tinha ouvido falar da minha história e que sabia da família Bosch. Levou um dia apenas para ele fazer tudo acontecer."
Forçado ao exílio
O que parecia ser apenas um dia para Bosch foi o ápice após décadas de sacrifícios para uma família dilacerada por um sistema cruel.
Meses antes da estreia da África do Sul em Jogos Olímpicos de Inverno em Squaw Valley 1960, o avô de Anthon, Edward 'Eddie' Bosch embarcou em um navio para a Grã-Bretanha a fim de escapar do regime do Apartheid.
Forçado a um exílio político por conta do ativismo de seu irmão, Jonie, seria a última vez que Eddie tocaria o solo sul-africano em 34 anos.
O avô de Anthon deixou o seu país natal por causa da participação de seu irmão (Jonie Bosch) na luta contra o regime do Apartheid e suas políticas de segregação racial.
Eddie, um de 11 irmãos, deixou a África do Sul e partiu para a Inglaterra aos 17 anos de idade e acabou indo para a Suécia, onde construiu uma nova vida com sua família por mais de três décadas. Quando voltou, em 1993, Eddie encontrou sua grande família reduzida a apenas dois irmãos vivos.
O que você está disposto a fazer?
Por todos esses anos Eddie não aceitou a cidadania sueca e insistiu em sua raiz sul-africana. Inclusive adotou um corte de cabelo que lembrava o país onde nasceu. A imensa conexão de Eddie com a África do Sul e o continente mexeram com Anthon, o que provocou nele uma autorreflexão.
"Houve uma conversa do Anthon com seu avô, e ele (Anthon) questionava sua identidade sul-africana," lembrou o pai de Anthon, Brian, sobre o ponto de inflexão do filho.
"Meu pai disse: 'você sabe, o que te define como sul-africano não é o passaporte que você tem, porque eu era mesmo não tendo um passaporte sul-africano por 34 anos, isso nunca me impediu de ser sul-africano. O que nos define é o que estamos preparados e dispostos a fazer pela África do Sul e toda a sua nação'."
Desde então Anthon tem dedicado a sua vida para o seu sonho de representar a África do Sul nos Jogos Olímpicos, o que começou nos de PyeongChang. Uma persistente lesão no ombro e cirurgias acabaram com suas esperanças de atingir esse objetivo em 2018.
Ainda há uma esperança
No mundial de snowboard de 2017 na Serra Nevada, na Espanha, Bosch terminou em 31º no Big Air e em 47º no slopestyle. No ano passado ele ficou em 40º no slopestyle e em 55º no Big Air do mesmo torneio em Aspen, Estados Unidos.
Bosch fez progressos ao colocar o país que adotou no mapa do snowboard mundial como o único sul-africano no circuito internacional e da Copa do Mundo. No entanto, para piorar a situação, veio a pandemia da Covid-19, o que complicou ainda mais os esforços para se classificar para Beijing 2022.
Enquanto a data limite para tentar a classificação se aproxima (16 de janeiro), Anthon ainda mantém uma chama acesa de esperança de que ele chegará ao topo da modalidade.
"Significaria o mundo para mim, é algo que quero muito e tem sido o objetivo de toda uma vida, basicamente," disse Anthon.
"Seria realmente como uma volta completa, e eu espero me sentir mais em paz dentro de mim e, sim, isso significaria muito para mim, com certeza."
Inspirando um país conhecido pelo calor
Anthon, que passa a maior parte do ano em busca da neve, consegue encontrar tempo para rever os familiares na Cidade do Cabo, na África do Sul. O jovem de 25 anos de idade não apenas trilha o seu caminho para os Jogos, mas serve também de inspiração para outros sul-africanos.
Ele acredita que ainda há um potencial escondido no país que adotou, onde desfruta da neve na estação de Afriski, localizada nas montanhas Maluti, no Reino do Lesoto, pequeno país encravado no interior da África do Sul.
"A última vez que vi este garoto do Afriski, ele tinha nove anos, acredito, talvez tenha 11 agora e ele é tão bom no esqui quanto no snowboard," ele se lembra.
"É bacana porque os montes de lá chegam a ser maiores do que os que comecei no snowboard. Acredito que os melhores snowboarders tornam-se os melhores porque eles vêm de condições não tão boas para treinamento. Acredito que há mais paixão e quanto mais você se acostuma às condições adversas, quando encontra as boas, tudo se torna mais fácil."
O snowboarder planeja lançar um documentário durante o ano de 2022 sobre o exílio político forçado do avô para a Suécia e sua candidatura em representar a África do Sul nos Jogos Olímpicos de Inverno.