Alison dos Santos encara barreiras com firmeza e bom humor

Por Fernanda Lucki Zalcman
7 min|
Alison dos Santos
Foto por Steph Chambers/Getty Images

Alison dos Santos, mais conhecido como Piu, tem uma daquelas histórias dignas de filme. As barreiras começaram cedo em sua vida, mas acabaram se tornando parte fundamental da sua carreira no atletismo.

Um acidente doméstico teve grande impacto na vida do jovem Alison. Com uma cicatriz aparente na cabeça, foi a sua altura diferenciada (2 metros) que chamou a atenção e o levou ao esporte, onde ele encontrou seu propósito e alcançou o topo do mundo.

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Para chegar lá, não foi fácil. Mas Piu conseguiu. Agora a briga é outra: se manter nesse patamar.

Acidente de Alison dos Santos e início no atletismo

Tudo começou em São Joaquim da Barra, São Paulo. Com apenas 10 meses, Alison dos Santos sofreu um acidente doméstico, em que uma panela com óleo quente caiu em cima dele. Piu sofreu queimaduras de terceiro grau e precisou ser levado para outra cidade para passar por uma cirurgia.

Após mais de dois meses internado, ele recebeu alta, mas ficou com cicatrizes na cabeça, com uma falha no cabelo, e outras menores no braço. Alison cresceu, então, como uma criança tímida e chegou a usar boné para esconder a marca.

Aos 14 anos, porém, um convite mudou a sua vida. Assim como diversos talentos brasileiros, Piu foi revelado através de um projeto social, o Instituto Edson Luciano Ribeiro, idealizado pelo duas vezes medalhista olímpico do 4 x 100 m rasos, Edson Luciano.

O biotipo de Alison chamou a atenção de Alderico, um dos treinadores do Instituto. Ele aceitou o convite e começou treinando salto em altura. Porém, Ana Fidélis, uma das treinadoras do projeto, percebeu que seu porte físico seria ótimo para as provas de pista, especialmente com barreira. E foi assim que Piu deu os primeiros passos no atletismo.

Alison dos Santos: o porquê do apelido “Piu”

Foi nessa mesma época que surgiu o principal apelido de Alison dos Santos. “Piu” era, originalmente, um morador de rua da cidade de São Joaquim da Barra. Ele tinha semelhanças com um dos atletas do Instituto, Kainan, que acabou recebendo o apelido.

Quando Kainan parou de treinar, foi Alison que herdou o apelido. No começo, ele não gostou do apelido e ignorava quem o chamasse assim. Agora, Piu é sinônimo de sucesso mundial.

Alison dos Santos: campeão do mundo e medalhista Olímpico

Pouco tempo depois de iniciar os treinos no projeto social, Piu deixou o interior e rumou para a capital paulista. Aos 16 anos, ele já corria entre os adultos nos 400m e começou a despontar no cenário internacional em 2017, quando foi campeão do revezamento 4x100m misto no Mundial Sub-18.

No ano seguinte, foi bronze nos 400m com barreira no Mundial Sub-20. E em 2019, deslanchou. Quebrou o recorde sul-americano sub-20 sete vezes, conquistou o ouro nos Jogos Pan-Americanos de Lima e ficou em sétimo lugar no Mundial de Doha.

A ascensão de Alison dos Santos foi brevemente interrompida pela pandemia de Covid-19, que o deixou sem competir por quase um ano. Mas ao retornar às pistas, nem parecia que havia ficado tanto tempo sem competir. Ele seguiu quebrando recordes e melhorando suas marcas pessoais, chegando pódio em três etapas da Diamond League, principal circuito de atletismo do mundo.

Os resultados aumentaram as expectativas para a participação de Piu nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. E ele correspondeu. Na prova mais rápida da história nos 400m com barreira, com direito à recorde mundial do sueco Warholm, Alison dos Santos trucidou a própria melhor marca e conquistou a medalha de bronze.

A conquista olímpica colocou Alison como um dos principais atletas do Brasil e uma das grandes figuras no atletismo mundial. Mas ele queria mais. Seguiu vencendo etapas da Diamond League, até que atingiu o ápice.

Em 19 de julho, no Mundial de Atletismo de 2022, ele quebrou o recorde da competição nos 400m com barreira e se tornou campeão mundial. Foi o primeiro ouro masculino da história do Brasil em mundiais da modalidade - o segundo no geral, igualando Fabiana Murer, campeã em 2011.

Lesão grave e a retomada de Piu rumo a mais um pódio Olímpico

Depois de atingir o ápice, veio a queda. Em fevereiro de 2023, Alison dos Santos sofreu uma grave lesão no joelho direito e precisou passar por uma cirurgia. Sem competir desde setembro do ano anterior, ele ficou fora das pistas por 10 meses.

"Tem coisas que estão fora do seu controle. Eu não estava zoando, não estava fazendo nada, não estava nem correndo quando lesionei o joelho. Então você fala ‘era para acontecer’. Eu aprendi muito nesse momento. Nos primeiros dias eu literalmente não queria falar com ninguém, eu estava só fazendo o que eu podia fazer de treino e tentando manter a cabeça no lugar. Não conseguia nem estender a perna nos primeiros dias. E depois que eu fiz a cirurgia, eu e meu treinador sentamos e falamos assim: ‘Vamos fazer as coisas como devem ser feitas.’ E nesse momento o psicológico é muito importante, porque chega a uma situação que vai além do físico. Entender que não importa o quão bem eu me preparei para competir na temporada passada, mas sim o quão bem eu estava com a minha cabeça", contou ao Olympics.com.

Dez meses depois, Piu retornou às competições na etapa de Silésia da Diamond League. A volta, porém, foi nos 400m rasos. E mesmo não sendo sua principal prova, terminou em terceiro lugar e conseguiu o índice olímpico. Já o retorno aos 400m com barreira se deu na semana seguinte, quando ficou na segunda posição da etapa de Mônaco e conquistou mais um índice olímpico.

O principal objetivo da temporada, porém, era o Campeonato Mundial, no qual ele defendia o título. Desta vez, no entanto, Alison acabou batendo na oitava barreira e fechou a prova na quinta colocação, longe de sua melhor marca.

Após o resultado abaixo do esperado, Piu tomou novos rumos. Se mudou para a Flórida, nos Estados Unidos, onde fará toda a sua preparação, focando nos treinos e competições fora do Brasil. Tudo isso com um objetivo a longo prazo, mas muito claro: a medalha olímpica em Paris 2024 e Los Angeles 2028 - de preferência o ouro.

Temporada Olímpica em grande forma

Em 2024, Alison voltou às pistas em grande forma. Em maio, venceu os 400m com barreira nas duas etapas da Diamond League. Na de Oslo, inclusive, com direito à derrota do principal rival em casa, Karsten Warholm, e o melhor tempo do ano, superando sua própria marca. Em julho, já no mês Olímpico, manteve a invencibilidade no torneio, disputado em Paris, e levou mais um ouro para casa.

Alison dos Santos estará novamente na capital francesa em busca do lugar mais alto do pódio e da tão sonhada medalha dourada Olímpica. E se tem uma coisa que Piu já provou é que barreira nenhuma é páreo para o seu talento.

"Eu gosto de números pares. 2022 foi um ano lindo para a gente, um ano mágico e 2024 eu quero o mesmo caminho. Estou literalmente entregando a minha vida, sendo consciente, fazendo tudo bonitinho, literalmente levando uma vida de atleta, fazendo tudo ao meu alcance para chegar naquele dia e, literalmente antes da final, me sentindo leve e tranquilo, ter uma conversa comigo mesmo antes de entrar no bloco e falar assim: 'Você fez tudo o que você pôde, eu fiz tudo o que estava ao meu alcance. Agora é só botar em prática toda que todo aquele suor, aquelas lágrimas, todo aquele sangue derramado na pista, e se divertir.'"