Vasco Vilaça e os segredos do sucesso do triatlo de Portugal
Triatletas lusos tiveram ano com resultados expressivos e colecionaram Diplomas Olímpicos em Paris 2024. Em temporada que marca meio século da criação deste esporte, o que faz a equipe portuguesa tão especial? Veja entrevista com o quinto colocado nos últimos Jogos.
Ao rever os resultados de Portugal em Paris 2024, chama a atenção o desempenho do triatlo lusitano na capital francesa. A modalidade não deu medalhas ao país, mas esteve entre os melhores. Afinal, foram três Diplomas Olímpicos: dois no evento masculino, com o quinto lugar de Vasco Vilaça e o sexto de Ricardo Batista, e um no revezamento misto, com a quinta colocação de Ricardo Batista, Melanie Santos, Vasco Vilaça e Maria Tomé.
Durante o ano, destacam-se Vasco Vilaça tendo sido segundo na etapa de Hamburgo do Circuito Mundial em julho, e Maria Tomé, que ficou em terceiro no Mundial sub-23, em outubro.
Um ótimo retrospecto, que pode servir de referência para a equipe lusa deste esporte, dentro do ciclo LA28.
No marco de meio século da primeira competição do triatlo que se tem registro, em 1974, o Olympics.com conversou com um dos protagonistas do time português em Paris e atual número 12 do mundo, Vasco Vilaça, a fim de desvendar os segredos do sucesso de Portugal nesse esporte, presente no Programa Olímpico desde Sydney 2000. Confira.
- Diploma Olímpico | O que é e quem o recebe?
- Mais | Os resultados de Portugal em Paris 2024
O raro começo de Vasco Vilaça no triatlo
Apaixonado pelos esportes desde muito pequeno, uma das primeiras lembranças que Vasco tem dos Jogos Olímpicos é de acompanhar a conquista da medalha de prata de Vanessa Fernandes (POR), no triatlo dos Jogos Olímpicos Beijing 2008.
“Ela não estava muito bem e lembro-me dela correndo com o boné nas mãos”, conta Vasco.
Vanessa já despontava no cenário europeu e mundial, um sucesso que fez os pais de Vasco levarem-no para fazer parte da escola de triatlo do clube Os Belenenses, dois anos antes, quando ele tinha apenas seis.
“Sou uma das poucas pessoas que iniciei diretamente no triatlo, aos seis anos”, relembra. “O triatlo d’Os Belenenses era bem conhecido por conta do sucesso da Vanessa Fernandes.”
Ainda com seis anos de idade, participou de uma prova do duatlo (combinado corrida e ciclismo). Ao final dela, disse a si mesmo que se tornaria um triatleta. Dedicado aos treinos, passou a vencer campeonatos de base, ganhar provas e disputar o pódio. Anos mais tarde, em 2017, foi campeão europeu júnior, mesmo ano em que foi vice-campeão mundial da categoria.
Quando opta fazer do triatlo, profissão
Depois de terminada a escola secundária (equivalente ao segundo grau no Brasil), Vasco tirou um ano para decidir pelos estudos ou ser atleta profissional.
Viajou o mundo e competiu em provas do circuito internacional. Ao retornar para casa, em Lisboa, voltou decidido a viver do esporte.
“Se eu quisesse ser só triatleta, tinha que ter as condições financeiras para fazer isso. Sabia que tinha responsabilidade com as minhas coisas, meus pais sempre reforçaram isso”, disse Vasco, cuja mãe Maria Dulce e pai Pedro Miguel atuam no ensino superior.
Vasco Vilaça e os detalhes do triatlo
Os bons resultados na base deram solidez para que Vasco pudesse subir para a elite da modalidade. O triatlo consiste em três disciplinas: natação, ciclismo e corrida. Ao ser perguntado qual das três prefere, ele diz não ter nenhuma favorita e ressalta: “O triatlo dá prazer. Acho que só quem já fez o triatlo é que percebe a liberdade. É o sentimento que está em sair da água, correr para colocar o capacete e saltar para a bicicleta, depois a corrida... é mesmo um sentimento espetacular e não trocava o triatlo por nenhum dos segmentos em especial.”
Se não há uma disciplina preferida, então qual delas pode definir o pódio? “A corrida é a que mais define [o pódio]. Porque o triatlo termina na corrida. Na natação e na bicicleta se pode perder, mas a prova ainda pode ser vencida na corrida. Ou seja, sem uma boa corrida não vai ganhar. Sem uma boa natação ou um bom ciclismo vau ser muito difícil, mas continua sendo possível [ganhar] por causa da corrida.”
Vasco treina 30 horas por semana, metade delas sobre duas rodas. Não porque se dá mais importância ao ciclismo, mas sim por ser uma disciplina que oferece menos risco de lesão. Tem como base para treinos a cidade de Girona, na Espanha, pela facilidade que lá tem para poder nadar, pedalar e correr.
Além do circuito internacional, o português compete na Superliga de triatlo ("SuperTri"). Tem a companhia da brasileira Vittoria Lopes. “Somos os únicos ali que falam o português, então nos ajudamos muito. A Vittoria é extrovertida e quando uma pessoa se abre assim fica mais fácil retribuir e construir uma amizade”, comenta.
Os detalhes das transições
Com disciplinas de natação, ciclismo e corrida, em que todas elas cada segundo conta, o triatlo ainda tem as transições. É troca de uma disciplina para a outra. Na primeira, o triatleta sai da água e corre para a bicicleta. Na segunda, sai das pedaladas e calça os tênis para correr. Não existe intervalo, nem tempo para fazer isso. Quem for mais rápido, sai antes. Isso faz com que até as transições sejam treinadas: posição do pedal, dos tênis e dos cadarços para a corrida, por exemplo.
“Tenho 18 anos de triatlo, a quantidade de transições que já fiz me ajudam muito. Muitas vezes faço os movimentos só para ter a memória muscular naquele último instante antes da prova, porque ali se ganha ou se perde três segundos. Tirar isso depois na corrida não é fácil”, explica Vasco. “A transição que tenho mais dificuldade é do ciclismo para a corrida, porque já venho com as pernas cansadas. Não sou tão rápido no começo.”
O sucesso do triatlo português em Paris 2024
Vasco não demora para falar sobre o êxito do seu país no triatlo em Paris 2024: “A escola [de triatlo] que existe em Portugal é a responsável pelos nossos resultados internacionais.”
“Isso tem um pouco da Vanessa [Fernandes], da influência que ela teve em tantas crianças iniciarem. Quando eu comecei a fazer triatlo, era incrível a quantidade de crianças que faziam também”, argumenta Vasco.
Além disso, a seleção portuguesa construiu ao longo dos anos uma equipe que cresce em resultados a cada temporada. A experiência de um acaba por colaborar com o outro, em um sistema de ajuda mútua e partilha de informações, fundamentais para o sucesso do time, segundo Vasco: “Temos feito triatlo tão juntos há 15 anos, tantos anos e devagar criamos uma cultura diferente daquela que havia, uma cultura de ajudarmos uns aos outros, estarmos felizes uns pelos outros. Devagar os bons resultados de uns e dos outros se complementam.”
Através de um exemplo, ele continua: “Olha só, eu fui vice-campeão do mundo júnior, torneio que o Ricardo [Batista] depois foi campeão. O irmão do Ricardo, o João, já foi duas vezes campeão mundial júnior. Ou seja, cada geração vê que a anterior conseguiu e acaba fazendo mais.”
No entanto, Vasco reconhece que os Jogos Olímpicos não são uma competição comum. Tem o aspecto positivo de os atletas de Portugal serem bem novos (a média de idade da seleção portuguesa em Paris era de 25 anos), o que permite projetar resultados ainda melhores em LA28.
Por outro lado, os Jogos exigem muita experiência. “É um momento de muito mais estresse, muito mais complicado que uma prova normal”, coloca. "Às vezes é bom ter alguém que diga: 'já passei por isso, se calhar vamos fazer diferente'."
Ao desenvolver sobre a experiência, Vasco relembra uma das suas primeiras competições internacionais por Portugal, em que teve uma espécie de mentoria de Vanessa Fernandes (POR). O papel dela era justamente transmitir conhecimento desses detalhes aos mais novos.
“Eu admiro a convicção dela [Vanessa Fernandes]. Ela sabe o que está falando e acredita naquilo que está falando. Ela nos dizia: ‘se você está na largada, você está lá é para ganhar, nenhum outro resultado interessa, tem que saber o que quer’.”
“Um tipo de mentalidade que faz uma diferença enorme na forma como você aborda toda a prova”, acrescenta.
Ao final da conversa, Vasco reflete sobre o que faria de diferente para o ciclo Olímpico que se inicia, em comparação ao anterior, o de Paris. “Tenho que mudar a forma como me comporto em situações de mais estresse. Às vezes focar mais, mas outras vezes deixar fluir em momentos em que não há muito o que controlar. Tenho que estar descansado, sem outras coisas que me tiram a atenção daquilo que é importante.”
“Só porque não fui campeão Olímpico não quer dizer que as coisas estejam mal. Estou no caminho certo”, finaliza.