Leandro Guilheiro não se via como treinador, mas agora transmite seus ensinamentos por mais medalhas Olímpicas no judô

Por Leandro Stein e Sheila Vieira
9 min|
Leandro Guilheiro, do Brasil
Foto por Paul Gilham/Getty Images

O Brasil possui uma tradição Olímpica no judô que se transmite de geração a geração. E, diante da importância da troca de conhecimentos, parte do grupo pré-convocado rumo a Paris 2024 convive diariamente com um medalhista consagrado. Leandro Guilheiro subiu ao pódio duas vezes, bronze em Atenas 2004 e Beijing 2008. Agora, ele orienta os passos de outros judocas da seleção, como treinador do Pinheiros, clube que defendeu quando atleta. Poderá se envolver com os Jogos Olímpicos de outra maneira, e com potencial de ampliar seu legado.

“Tem um evento que mexe comigo, que são os Jogos Olímpicos. Quando eu vejo os Jogos Olímpicos, quando eu estou de certa forma ali envolvido, é uma coisa que é muito sensível para mim - e talvez seja sensível até o dia em que eu morrer”, declarou Guilheiro, em entrevista exclusiva ao Olympics.com, durante o camp da Confederação Brasileira (CBJ) de Judô em Pindamonhangaba.

O elo Olímpico se renova de uma forma até inesperada, já que Leandro Guilheiro sequer almejava se tornar técnico. O ex-atleta se dedicava ao mestrado em matemática, mas as oportunidades recebidas como treinador o levaram para uma direção paralela. Concilia as duas áreas e, aos 40 anos, se mostra empolgado com os novos aprendizados.

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Quatro atletas do Pinheiros estão pré-selecionados para os Jogos Olímpicos: Larissa Pimenta (52 kg), Beatriz Souza (+78kg), Willian Lima (66 kg) e Rafael Silva (+100 kg). Outros seguem com chances, como Nauana Silva (63kg) e Ellen Froner (70 kg). Guilheiro é uma referência dentro da comissão técnica, ao lado de Maria Suelen Altheman, outra veterana Olímpica que treina os judocas do clube paulista.

Paris 2024 é o principal objetivo do judô brasileiro neste momento, mas não o único. Antes disso, o país disputa o Campeonato Mundial de Judô 2024, de 19 a 23 de maio, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Chance de se preparar para os Jogos Olímpicos e de aproveitar as trocas com Guilheiro para novas conquistas - o treinador, afinal, também tem medalhas de prata e outra de bronze em Mundiais.

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Leandro Guilheiro, do Brasil

Foto por Paul Gilham/Getty Images

Leandro Guilheiro nem almejava ser treinador

A trajetória como um dos melhores judocas brasileiros das últimas décadas não tornava a transformação como treinador tão natural a Leandro Guilheiro. Pelo contrário, a nova função não estava em suas ambições. Os caminhos, porém, se abriram na direção inesperada.

“Eu nunca almejei ser treinador, nunca esperei isso. Na verdade, tudo na minha vida foi por um outro caminho, estou nesse outro caminho também. Só que parece que, de certa forma, o destino me puxou para o esporte”, conta.

O “outro caminho” mencionado por Guilheiro é bem distinto: “Sou formado em matemática, com mestrado em matemática. Eu tenho um caminho no mercado financeiro. Também sou comentarista da Globo e SporTV”. Apesar do mestrado em matemática pura aplicada ser teoricamente alheio ao judô, o treinador também aproveita o conhecimento nos tatames.

O que levou Guilheiro a abrir os olhos para ser treinador foram as ofertas recebidas de diferentes países. O veterano optou por continuar no Brasil, mas resolveu abraçar o novo papel dentro do esporte: “Eu tive o convite de ir para fora também, ir para a França, ir para a Espanha, ir para Israel. Então foi o que eu pensei: não é possível, muito provavelmente existe um porquê muito maior aí para continuar no judô, pelo menos por agora.”

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A transição do atleta Olímpico para o treinador

Leandro Guilheiro indica que a maneira como encerrou sua carreira como atleta foi essencial para que mirasse novos horizontes. Depois de disputar sua terceira edição dos Jogos Olímpicos em Londres 2012, o veterano sofreu com lesões, mas não queria se ver vencido pelo corpo na hora de deixar os tatames. "Um dos preços que ia ter que pagar para seguir no judô era me dedicar 100% a isso. Daqui dois anos pode acabar, mas até lá meu foco principal é eu me resolver no esporte. Não quero encerrar a carreira e ter a frustração de que deveria ter investido energia nisso”, declarou, ainda em 2018, ao UOL.

Olhando em retrospectiva, Guilheiro se mostra muito confortável com a forma como botou um ponto final na trajetória como atleta. Sua postura deu tranquilidade para que seguisse em frente - seja como mestre em matemática ou como treinador de judô.

“Quando eu encerrei minha carreira competitiva, eu estava muito resolvido. Eu estendi bastante a minha carreira, algumas pessoas podem achar que eu fui até demais. No finalzinho eu não tive a média do desempenho que tive ao longo da minha carreira, mas pelo menos eu saí resolvido. Não tinha mais para onde ir e, assim, realmente eu estava apto, estava pronto para ir a uma outra vida”, revelou. “Como eu não carrego essa questão anterior e resolvi minha vida como atleta, consigo me dedicar muito bem para qualquer outra coisa.”

Tal mentalidade permitiu que Leandro Guilheiro superasse até mesmo algumas dúvidas que tinha sobre uma nova história dentro do esporte. Para ele, a dedicação como treinador precisa ser ainda maior do que nos tempos de atleta. Mas é exatamente das novas responsabilidades que surgem seus aprendizados.

“Eu nunca pensei que ia estar no esporte, porque sei que requer uma dedicação muito maior até do que quando eu era atleta. Antigamente era só a minha vida, agora é a vida de 45 pessoas. E eu tenho um senso de responsabilidade muito grande com isso, sempre me questionei se eu teria essa condição”, diz. “Mas tem sido um aprendizado muito legal para mim. Tenho repensado o judô sempre de uma forma diferente, a gestão de uma forma diferente. Tem que gerenciar muita coisa ali: os atletas, comissões técnicas, comissão médica. Tem um aprendizado aí e eu estou aprendendo bastante.”

O cenário é competitivo, mas o Brasil pode manter a escrita no judô

Leandro Guilheiro acredita nas chances do judô brasileiro em Paris 2024. O treinador vê um cenário muito competitivo na modalidade, considerando a naturalização de atletas e um investimento maior de países antes incipientes. O número de nações que se candidatam ao pódio aumentou. Mesmo assim, o Brasil tem uma tradição a zelar.

“Em Jogos Olímpicos, o Brasil tem essa tradição de trazer medalhas. É uma modalidade que é muito mais difícil de prever medalha do que, por exemplo, atletismo, que você sabe mais ou menos qual é a faixa de tempo que a atleta e que o atleta correm. Mas a gente tem boas esperanças”, avalia.

Guilheiro salienta dois grupos de atletas dentre os pré-convocados do Brasil: aqueles que já conquistaram medalhas Olímpicas, se provando nos maiores palcos, e a nova geração que tenta se firmar na elite do esporte, com resultados consistentes ao longo do ciclo. O treinador indica sua crença em todos eles. Fala detalhadamente inclusive de um judoca que não é de seu clube, Guilherme Schimidt, mas representa o país numa categoria em que Guilheiro ganhou suas medalhas em Campeonatos Mundiais.

“Em geral, sempre tem aquela pessoa que corre por fora, que você não conta, mas chega lá e surpreende. E da mesma forma tem alguns favoritos que acabam não rendendo. Dado esse caldeirão todo de coisas, acho que a gente tende a continuar a nossa escrita de trazer medalhas”, complementa o treinador.

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As expectativas sobre os atletas do Pinheiros

Leandro Guilheiro ainda detalhou suas impressões sobre os quatro atletas do Pinheiros pré-convocados aos Jogos Olímpicos. São nomes importantes dentro da seleção brasileira e que podem repetir os feitos do sensei, com o pódio em Paris 2024.

Rafael Silva foi companheiro de Guilheiro em Jogos Olímpicos e tenta sua terceira medalha. O treinador aponta como o veterano lidou com mudanças nas regras e mesmo no estilo de seus adversários na categoria +100 kg. Vê a ética de trabalho como um trunfo. “O Baby tem a vontade, a experiência, o histórico dele. A gente vê o Baby do tamanho dele e não imagina o quão disciplinado ele é, o quão profissional ele é em relação a tudo. Mesmo hoje, à beira dos 37 anos, como ele busca a evolução, como está sempre com a mente aberta para evoluir”, comenta.

Quem chega pela primeira vez aos Jogos Olímpicos é Bia Souza, que tentava ir a Tóquio 2020, mas viu Maria Suelen Altheman ser a escolhida em sua categoria. Guilheiro sublinha como a judoca evoluiu durante esses três anos. “A Bia já estava pronta também para ir aos Jogos lá de Tóquio. Foi importante esse período de maturidade pra ela, conquistou medalha em todos os Mundiais que participou nesse ciclo Olímpico. Então, ela chega pronta”, afirma. “Eu sinto que a Olimpíada pra ela é um negócio que está ali, sabe? Ela almeja isso desde 2021. Acho que ela é uma das grandes chances que o Brasil tem de medalha, sem dúvida.”

Larissa Pimenta esteve em Tóquio 2020, mas perdeu para a campeã Abe Uta. A categoria 52 kg agora também conta com Distria Krasniqi, ouro nos 48 kg. Apesar da concorrência, Guilheiro elogia as condições técnicas da brasileira, após passar por cirurgia durante o ciclo e superar a disputa interna. “A Larissa é uma menina muito talentosa. Da geração dela, em relação à parte técnica e tudo mais, à inteligência de luta, talvez ela seja uma das mais talentosas mesmo”, fala o técnico. “A categoria dela é bem dura, quando a gente pega ali as oito primeiras do ranking. Mas ela pode figurar entre as melhores, com certeza.”

Em ascensão mais recente, Willian Lima conquistou bons resultados durante o ciclo. Para Guilheiro, a bagagem do judoca também nas categorias de base conta, pelo perfil psicológico e emocional de corresponder nos momentos mais decisivos. “É um cara que gosta dos grandes eventos, da grande pressão, da grande visibilidade do evento... A gente tem muita expectativa de que ele desempenhe bem, dadas essas características. É um atleta muito forte fisicamente, um atleta muito versátil. Ele se encaixa muito nesse judô atual, com essas regras atuais”, pontua.

Ao longo das análises, Leandro Guilheiro faz questão de enfatizar como os Jogos Olímpicos são complexos, por ser uma competição que acontece em um dia. Mas, conforme suas palavras, “se estiver tudo alinhadinho”, todos os seus atletas podem voltar para o Brasil com medalhas. Guilheiro tem conhecimento de causa, afinal, depois de Atenas e Pequim.