Guilherme Caribé: o herdeiro dos velocistas da natação brasileira

Por Leandro Stein
11 min|
Guilherme Caribé
Foto por CBDA

A natação do Brasil tem uma ampla tradição nos 50m e 100m livre masculino nos Jogos Olímpicos. Desde Manoel dos Santos, bronze em Roma 1960, os nadadores brasileiros se acostumaram ao pódio. Gustavo Borges e Fernando Scherer lideraram uma geração nos anos 1990, enquanto César Cielo levou o inédito ouro. Mais recentemente, Bruno Fratus manteve a história viva com o bronze em Tóquio 2020. E a passagem de bastão tem em Guilherme Caribé, de 21 anos, o principal herdeiro em Paris 2024.

Desde que começou a quebrar recordes nas categorias de base, Caribé lida com as comparações. Baiano, logo na adolescência ganhou o apelido de “Novo Bala”, em referência a Edvaldo Valério - bronze no revezamento 4x100 em Sydney 2000. Depois vieram os paralelos com César Cielo, por superar marcas até então intocadas nas provas de velocidade. Também se aproximou de Bruno Fratus, tornando-se o segundo brasileiro na casa dos 21s nos 50m livre ao longo desta década.

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A pressão, que poderia incomodar, é tratada com naturalidade por Guilherme Caribé. Nada mal para quem chegou a abandonar a natação quando tinha 14 anos, diante das cobranças. Hoje em dia, o baiano diz gostar dessa pressão - e não nega a honra das comparações, com referências que se tornaram seus amigos ou então com um ídolo como Cielo. O jovem vem de resultados empolgantes e terá um grande palco para se apresentar em Paris, com a sua estreia nos Jogos Olímpicos.

A ambição de Caribé vai longe. “Como nadador, todos os atletas têm como maior sonho o ouro Olímpico. A gente tem só o do Cielo, então quero buscar mais um. Não só mais um. Pretendo buscar mais alguns para a gente", declarou o nadador, ao Olympics.com, em maio de 2023. Pela franca evolução nas piscinas, o brasileiro tem motivos para estar confiante rumo a Paris 2024 - ao menos para atestar sua condição como principal velocista do Brasil na atual geração.

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Apresentado à natação pelo pai, Caribé precisou parar antes de evoluir

Guilherme Caribé recebeu seu maior incentivo na natação dentro de casa. O pai, Matheus Rodrigues, chegou a participar de competições locais - inclusive no ano em que o filho nasceu, 2003. Já como professor, Matheus levou o menino para aprender natação com apenas dois anos. Quando tinha sete anos, Guilherme passou a receber as lições de Rafael Spínola, antigo treinador de seu pai. Seria um nome importante para o desenvolvimento da promessa, em especial pelo trabalho nos fundamentos.

Por mais que demonstrasse talento, ainda levou um tempo para que Guilherme Caribé realmente se destacasse na natação. O garoto não tinha grandes resultados em competições regionais no início da adolescência. Aos 14 anos, sem motivação, Caribé resolveu abandonar as piscinas. O período afastado das águas foi essencial para ressignificar a relação do jovem com a natação.

"As pessoas tinham colocado uma certa pressão em cima de mim, por conta de ser uma revelação ainda nova. Eu realmente não conseguia dar esse resultado que o pessoal esperava, acabou sendo uma frustração para mim. Tipo: 'Cansei de perder'. Aí parei. Serviu para eu perceber que realmente precisava da natação para viver, precisava nadar”, contou Caribé, em entrevista ao Globo Esporte, em 2023.

Quando Guilherme Caribé retornou à natação, aos 15 anos, se mostrou mais amadurecido. E o empenho nos treinos se refletiu em resultados expressivos. "Para mim é uma realização como pai, educador físico e como primeiro professor dele", contou Matheus Rodrigues, ao Correio da Bahia, em 2021. “Mais novo ele não gostava tanto do treino, mas a partir do momento que teve consciência do dom que tinha, e eu sempre disso isso a ele, Guilherme focou em se desenvolver.”

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As marcas impressionantes antes dos 20 anos

Treinado por Rafael Spinola e com o próprio pai como preparador físico, Guilherme Caribé competia pelo Clube dos Empregados da Petrobrás (CEPE) de Salvador. Logo começou a dominar as provas de velocidade nas categorias de base da natação brasileira. A partir dos 16 anos, venceu os 100m em todas as categorias. Já a hegemonia nos 50m se ampliou a partir dos 17 anos. Aos 18, em 2021, bateu o recorde sul-americano no Juvenil B. Seus tempos melhoravam a olhos vistos e chegaram ao patamar da elite em pouco tempo.

Dezembro de 2022 apresentou de vez Guilherme Caribé ao Brasil. Durante o Troféu Júlio de Lamare, ainda como júnior, o baiano nadou os 50m abaixo dos 22s e os 100m abaixo dos 48s. Seu tempo nesta prova, 47s82, era o quarto melhor da história de um nadador brasileiro e renderia a quinta posição em Tóquio 2020. Já nos 50m, os 21s87 o colocavam como oitavo brasileiro a atingir a casa dos 21s, o primeiro desde Bruno Fratus.

Entre os muitos que exaltaram os novos tempos de Caribé estava justamente Bruno Fratus: "Senhoras e senhores, temos um velocista! Apostem em Guilherme Caribé e fiquem ricos. Não por coincidência, mais um atleta que colhe resultados expressivos pouquíssimo tempo após ir treinar nos EUA. Soube fazer uso da oportunidade e de uma ética de trabalho impecável."

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Guilherme Caribé comemora título brasileiro nos 100m livre durante Troféu Brasil de Natação 2023

Foto por Satiro Sodré/CBDA

A nova vida na natação universitária dos EUA

A esta altura, o talento de Guilherme Caribé abria portas para o seu aprimoramento. Em agosto de 2022, o nadador se mudou aos Estados Unidos. Passou a integrar a equipe de natação da Universidade do Tennessee, com tradição na modalidade e brasileiros Olímpicos em seu histórico, como Fabíola Molina. Já em janeiro de 2023, Caribé assinou como atleta do Flamengo para o período em que estivesse treinando no Brasil.

A incursão na natação universitária dos Estados Unidos deu novas bases a Guilherme Caribé. O brasileiro entrou em contato com novos métodos e novos equipamentos. Com as diferenças de distância das piscinas em jardas, também passou a trabalhar mais suas viradas e os trechos submersos, quando ele mesmo diz que seu forte é nas braçadas. O jovem ainda ganhou mais massa muscular. E, algo crucial, começou a conviver com uma frequência de competição maior.

"Foi uma mudança muito importante para mim, em tudo. Ver pessoas com novos olhares, com foco Olímpico, com os mesmos objetivos que eu. Me adaptei muito bem ao método de treinos. Tenho um apoio sensacional da universidade. A mudança foi sensacional e hoje a gente colhe os resultados desse período que eu passei lá treinando", afirmou Caribé, ao site do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), em 2022.

Enquanto iniciava os estudos em comunicação, Caribé chamava atenção em suas primeiras competições na NCAA, quebrando recordes de calouros. O baiano também passou a conviver com alguns dos melhores do mundo em sua distância, a exemplo de Jordan Crooks, outro atleta da Universidade do Tennessee. O representante de Ilhas Cayman ganhou o ouro nos 50m livre durante o Mundial de Piscina Curta em 2022. A disputa nos treinos se desenvolveu em amizade fora da água.

“Na Bahia, eu tinha treinos mais longos, fazia muita série grande e puxava meu ritmo. Aqui é totalmente diferente, os treinos são mais curtos e intensos. É divertido para o pessoal da velocidade, treinando com gente do lado. As pessoas me empolgam e eu empolgo o pessoal, então fica essa competição no treino”, afirmou ao Olympics.com, em 2023. “A natação é um esporte individual, mas aqui eles conseguem fazer com que seja coletivo. Você se sente mais parte de um time, que tudo que você faz importa para o time.”

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Três ouros e uma prata no primeiro Pan

De volta ao Brasil em junho de 2023, Guilherme Caribé participou pela primeira vez do Campeonato Brasileiro Absoluto de Natação. O baiano conquistou o ouro nos 100m livre e ficou com a prata nos 50m livre, apenas um centésimo atrás de Marcelo Chierighini. No mês seguinte, Caribé participou pela primeira vez do Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos, em Fukuoka. Não avançou à final dos 100m, com o 12° tempo das semifinais, enquanto o lamento nos 50m ficou para uma saída falsa que o desqualificou.

Sem apresentar seu melhor na grande ocasião até então, Caribé esperou alguns meses até poder disputar os Jogos Pan-Americanos 2023. Conseguiu um reconhecimento maior e medalhas novas para si: levou três ouros e uma prata. Foi campeão com o time brasileiro nos 4x100m livre masculino e no misto, além de ser vice nos 4x100 medley masculino. Já nas provas individuais, subiu ao topo do pódio nos 100m e ficou em quinto nos 50m.

"Tenho apenas 20 anos, então tenho muita carreira pela frente. Esse é meu primeiro Pan-Americano, até agora três medalhas de ouro, então está sendo bem legal", festejou o nadador, à ESPN. "Essa competição me anima ainda mais para o ano que vem. Vamos para esses Jogos Olímpicos buscando o que eu não fiz no Mundial.”

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Foto por Satiro Sodré/CBDA

O recorde de Cielo na NCAA e o domínio na Seletiva

Guilherme Caribé conciliou os compromissos com a equipe brasileira e o início da temporada 2023/24 da NCAA. Seria mais um período importante para que o baiano se aplicasse durante os treinamentos e chegasse bem nas competições finais do esporte universitário. Foi tão bem que quebrou um recorde de César Cielo que durava 16 anos nas 100 jardas livre, ainda que tenha levado a prata na prova, atrás do canadense Joshua Liendo.

"Estava conversando com o meu técnico e a gente viu que não tinha como nadar bem todas as competições. A gente tinha que realmente aumentar um pouco a carga de treino para fazer o polimento correto e nadar na hora certa. Foi o que fizemos e deu certo", relatou Caribé, em entrevista ao Swim Channel, em abril de 2024.

Diante das particularidades da NCAA, com provas de piscina curta e uma metragem diferente das competições internacionais, Caribé ganhou mais segurança para se dedicar aos Jogos Olímpicos. "Quando eu dei uma descansada, foi uma das primeiras coisas que veio na minha cabeça: eu falei 'o trabalho está sendo bem feito'. Essa mudança agora pra [piscina] longa vai ser interessante", afirmou, também ao Swim Channel.

E a Seletiva Olímpica Brasileira de Natação teve em Caribé um de seus destaques. O baiano já tinha salvaguarda para a vaga nos Jogos Olímpicos, mas fez de novo o índice nas suas duas principais provas. Nadou para o ouro nos 50m, com 21s88, e nos 100m, com 48s16 - curiosamente, nesta prova, foi até mais rápido no qualificatório, com 47s95. "Esperava mais. Porém, estou feliz por conquistar a vaga para os Jogos. É uma prova dificil. Não digo que estou satisfeito, mas feliz", comentou, ao sair da piscina nos 100m.

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A responsabilidade das marcas excelentes de Caribé

Guilherme Caribé chega a Paris 2024 sob os cuidados dos velocistas brasileiros que o antecederam. Edvaldo Valério é uma inspiração na Bahia e também um amigo. Já com Bruno Fratus, o contato muitas vezes acontece por telefone. “Eu tenho o número de telefone do Fratus e ele me manda mensagem, pergunta como eu estou. É um cara que se preocupa comigo e isso me conforta muito", confessou Caribé, ao Olympics.com, em 2023.

Já o ídolo César Cielo é um norte. Caribé chegou a participar de uma clínica com o antigo campeão Olímpico dos 50m quando era mais jovem. “Depois que eu nadei 47 (nos 100m), muita gente começou a me chamar de ‘novo Cielo’. É legal ser prestigiado, ver que o Brasil acredita em mim. Mas em momentos como o atual, o foco é total no treinamento. Prefiro me afastar um pouco, ficar mais na minha”, declarou, também ao Olympics.com.

“É algo assustador, para falar a verdade. Sabendo que o trabalho tem dado certo, que temos marcas melhores que atletas Olímpicos, sabendo a idade que eu tenho, é assustador porque projeto em cima de mim uma pressão e uma responsabilidade. Não é pressão ruim, é positiva, de que eu tenho a oportunidade de ter um caminho traçado e quem sabe eu ser um atleta do mesmo nível ou melhor que eles. É isso que eu busco”, apontou Caribé, em 2023, ao Correio da Bahia. Os Jogos Olímpicos pintam como a chance de fazer acontecer.

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