Prato a prato, Georgia Furquim ‘puxa’ o tiro esportivo feminino do Brasil rumo a Paris 2024
Em março, Georgia Furquim conseguiu um feito inédito: obteve uma cota Olímpica para o Brasil no skeet feminino do tiro esportivo em Paris 2024. Sexta colocada no Pré-Olímpico das Américas 2024 de espingarda, ela pegou a única vaga disponível em um esporte que sequer tinha praticantes mulheres no país há mais de dez anos. “É a nível de milagre”, confidenciou.
Contudo, o feito não se explica apenas por intervenção divina. Pelo contrário, é fruto de muito trabalho e de mudanças que ela, aos 27 anos, promoveu em sua carreira para atingir este objetivo. Natural de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul mudou de cidade, passou a treinar no Clube do Nino em Chapecó, Santa Catarina, e até deixou o curso de arquitetura de lado mais uma vez.
Mudanças que, de certa forma, impulsionaram a modalidade feminina para novas conquistas. Semanas depois foi a vez de Geovana Meyer, 22 anos, obter uma vaga Olímpica inédita para o país na carabina 3 posições. Além disso, Marina Alves, 27, ficou a um tiro de obter uma cota na pistola 25 metros.
“As mulheres tendem a se puxar, elas precisam correr atrás”, resume Georgia Furquim em entrevista exclusiva ao Olympics.com. “Por que as mulheres estão se destacando agora? Acredito que pelo talento, a Geovana mesmo é uma menina muito talentosa”, completa.
Uma geração talentosa e determinada a mudar o perfil do tiro esportivo no Brasil. Esporte que rendeu as primeiras medalhas Olímpicas do país em Antuérpia 1920, é majoritariamente masculino e formado por atletas experientes do ambiente militar. Mas em Paris 2024, das três vagas obtidas por brasileiros até o momento, duas são de jovens mulheres abaixo dos 30 anos.
Uma lista que ainda pode aumentar a partir deste fim de semana, 13 e 14 de abril, com o início do Pré-Olímpico Global de Tiro Esportivo 2024 no Rio de Janeiro com as provas de carabina e pistola. É a última chance de classificação aos Jogos Olímpicos para os atiradores brasileiros. A competição termina em 19 de abril.
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‘Luto’ após Pan e recuperação: “fiz tudo o que pude e é suficiente”
A vaga Olímpica obtida por Georgia Furquim para o Brasil poderia ter vindo nos Jogos Pan-Americanos 2023 em Santiago, no Chile. Após uma excelente fase classificatória, a brasileira avançou entre as seis finalistas. Contudo, ela foi a quinta colocada e ficou a uma posição de assegurar a inédita cota.
“Me deu uma ressaca muito forte. Dei um tempinho para deixar esse luto vir e trabalhar um pouco isso na minha cabeça”, admite.
A segunda chance ocorreu no Pré-Olímpico das Américas de Tiro Esportivo em provas de espingarda, na República Dominicana. O início, porém, não foi bom. Após um primeiro dia abaixo do esperado, a brasileira começou os últimos 25 pratos e zerou o primeiro, o segundo e o terceiro postos. Três erros numa modalidade em que a diferença entre a vaga e a eliminação costuma ser de um ou dois pontos.
“Na minha cabeça eu falei ‘Georgia, pelo amor de Santo Cristo, é sua última chance! Poderia, por gentileza, fazer isso acontecer?’”, diverte-se, agora.
A saída foi apostar na tática ensinada pelo técnico cubano Daniel Ibarra, que treinou a seleção brasileira de tiro ao prato até 2020. "Ele falava para limpar a cabeça, respirar fundo e lembrar do treinamento. Eu ficava falando para mim mesma: ‘fiz o que pude e é suficiente’. Dentro da minha cabeça só ficou essa frase em looping até o fim”.
Deu certo. Georgia não errou mais e, com 22 pontos, passou para a final na quinta posição. Como a norte-americana Alishia Layne ficou em sexto na fase classificatória e pegou a última vaga na decisão no shoot-off diante da chilena Josefa Rodriguez Soberon, a brasileira já entrou na final com a cota assegurada para o Brasil em Paris 2024.
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Georgia Furquim cogitou ficar 10 anos parada; retornou após dois anos
O que faz Georgia Furquim chamar a vaga assegurada para o Brasil de milagre é o fato dela ter retornado à modalidade em 2022. Após os Jogos Pan-Americanos 2019, quando não avançou à final e não obteve a vaga em Tóquio 2020, ela resolveu interromper sua trajetória esportiva para arrumar outra profissão.
“A gente vê que, no Brasil, o nosso esporte não é profissional. Hoje conto apenas com apoio da CBTE e do COB através do planejamento deles. Mas eu, Georgia, não tenho nenhum tipo de apoio. Então eu preciso me formar como profissional, ter que estudar, fazer faculdade e ser um exímio profissional a ponto de ter dinheiro sobrando”, explica.
A ideia era extrema: como o tiro esportivo permite maior longevidade aos atletas, ela iria parar por uma década inteira para fazer seu pé-de-meia e retornaria ao esporte quando já tivesse mais de 30 anos. Contudo, aguentou apenas dois. Em 2022 já estava de volta para, mais uma vez, tentar a vaga Olímpica inédita no skeet.
“É muito difícil abrir mão de algo que você é reconhecido, sabe fazer e se encontra. Eu não consegui aguentar uma década, acabei voltando antes”. A graduação em arquitetura que espere. Entre idas e vindas após algumas repetências, ela decidiu trancar o curso em 2024.
Georgia Furquim começou recolhendo cápsulas e vai migrar para fossa Olímpica
Quando criança, Georgia Furquim queria aproveitar todas as oportunidades que tinha para sair de casa e ir a locais abertos, como fazenda e campos. Para isso, a melhor alternativa era acompanhar seus tios Rafael Rech e Nathiana Viana Furquim em competições de tiro. Ela até ganhou uma “tarefa” na equipe.
“Depois que a gente dispara, sobra uma cápsula de plástico que ele jogava para trás. Minha função era recolher esses cartuchos e colocar dentro de uma caixinha. Eu fazia isso durante toda a prova, muito compenetrada”, diverte-se.
O fato é que isso a aproximou do ambiente do tiro esportivo. Aos 17 anos, conseguiu o seu Certificado de Registro (CR) e pôde finalmente competir. Primeiro nas modalidades de percurso de caça e compak; depois no skeet, prova Olímpica. Mas após Paris 2024 já definiu seu próximo alvo: a fossa Olímpica.
“Eu atiro bem na fossa que é uma barbaridade”, brinca, carregando o sotaque gaúcho, para depois continuar. “Antes da vaga eu já estava com o plano para o próximo ciclo definido na fossa Olímpica. Mas se eu tiver apoio na continuidade do skeet, eu consigo manter as duas disciplinas. Se não tiver apoio, vou atirar só na fossa Olímpica no próximo ciclo”.
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