David de Pina coloca Cabo Verde no mapa do boxe após quase desistir do esporte

Por Ockert de Villiers
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David Pina
Foto por David Pina IG

David de Pina quase desistiu do boxe.

O pugilista cabo-verdiano considerou se aposentar, já que precisava realizar outras funções para cuidar da família.

Mas de Pina persistiu e acabou sendo recompensado por seus esforços, tornando-se o primeiro boxeador a representar seu país duas vezes nos Jogos Olímpicos.

De Pina fez sua estreia em Tóquio 2020 como wildcard, mas desta vez obteve a cota ao vencer todas as quatro lutas no segundo Pré-Olímpico de 2024, em Bangcoc, Tailândia, no final de maio.

O peso mosca (até 51kg) teve um batismo de fogo em sua estreia Olímpica em Tóquio, ao enfrentar o atual campeão Shakhobidin Zoirov, do Uzbequistão. Enquanto Zoirov conquistou uma confortável vitória unânime por pontos, Pina teve uma epifania.

“Lutei contra o atual campeão Olímpico e mundial. Não havia chances para mim”, disse de Pina.

“Mas depois disso, olhei para todo o ambiente e disse: ‘Não, esses caras não têm nada que não temos. Dois braços, duas pernas, uma cabeça. Eu também tenho isso!

“É por isso que continuo avançando, sei que podemos fazer isso porque vi com meus próprios olhos. Eu estava lá e percebi que poderíamos fazer grandes coisas. Só precisamos treinar em melhores condições e podemos conseguir.”

David de Pina: 'Sou um atleta diferente'

Com uma nova perspectiva, de Pina mudou-se do conforto da sua casa em Santa Cruz, Cabo Verde, para Portugal a fim de treinar sob a orientação do popular treinador Bruno de Carvalho, no Privilégio Boxing Club, em Lisboa.

Carvalho transformou o ‘diamante bruto’ em estrela polida com de Pina acrescentando nuances técnicas ao seu repertório.

“Como estava em Tóquio 2020 e como estou agora é muito diferente, não dá para comparar. Estava 100% bem fisicamente, mas não foi o suficiente contra o uzbeque. Ele não precisava ser físico para me vencer, apenas melhor técnica e taticamente”, disse de Pina.

“Comparado de vez em quando, são dois atletas diferentes. Estava tudo dentro de mim, mas eu precisava de pessoas para explorar meus talentos. Quando cheguei, meu treinador disse: ‘Pina, você é um diamante, mas seu país não sabe como usá-lo”.

O jovem de 27 anos ganhou projeção ao conquistar o bronze no Campeonato Africano de Boxe Amador em Maputo, Moçambique, em setembro de 2022.

Embora de Pina tenha feito grandes avanços no ranking mundial do boxe, muitas vezes ele teve que se afastar do ringue para colocar comida na mesa. O malabarismo com o treinamento intenso na academia e o trabalho fisicamente desgastante nos canteiros de obras tornava quase impossível para de Pina estar no seu melhor.

De Pina estava pronto para jogar a toalha depois de cair na sua segunda luta do primeiro Pré-Olímpico 2024, em Busto Arsizio, na Itália, em março de 2024. Mas foi Bruno de Carvalho que convenceu seu pupilo a seguir rumo ao sonho.

“Eu falei para ele [Bruno de Carvalho]: ‘Olha, não tenho dinheiro. Quero desistir, quero desistir do boxe’. Nos últimos três anos, tive que parar de lutar boxe para trabalhar nas obras”, disse de Pina.

“Só continuo porque tenho que honrar minha bolsa porque dei minha palavra. Mas depois disto, tenho que continuar com a minha vida, tenho filhos para alimentar e uma esposa. Mas meu treinador disse: ‘Você é um diamante, você nunca pode desistir. As pessoas só precisam saber o seu valor’.”

Fazendo história para Cabo Verde

Com vigor renovado e determinação para recompensar o treinador Bruno de Carvalho pela fé que depositou no pugilista, de Pina se voltou para o segundo Pré-Olímpico de 2024 em Bangcoc, na Tailândia.

O cabo-verdiano participou de seu primeiro treino internacional a fim de se preparar para o torneio, e bastante pronto quando subiu ao ringue.

Ele venceu suas duas primeiras lutas antes de enfrentar um verdadeiro teste de habilidade contra o antigo medalhista de bronze em mundiais, Dmytro Zamotayev (UKR). De Pina finalmente prevaleceu com uma vitória por decisão acirrada por 3 a2.

De Pina disse que teve que trabalhar duro contra o ‘monstro’ Mehdi Parvizi (IRI) para vencer o combate por decisão unânime e conquistar sua cota em Paris.

“Tive que vencer quatro lutas duras. Lutas difíceis! Se você perder uma, é um adeus, não há outra chance”, relembrou.

“Ninguém acreditava que eu venceria o ucraniano e ele foi o adversário mais difícil. Tive muitos problemas, mas foi um torneio incrível, nunca esquecerei.”

Assegurar a vaga nos Jogos foi o ápice na carreira de de Pina, que superou com sucesso alguns dos melhores lutadores do mundo. Sua conquista na Tailândia foi muito diferente de como ele entrou no esporte.

Relembre | David de Pina, de Cabo Verde, obtém vaga no boxe em Paris 2024

David de Pina: de ‘covarde’ a atleta Olímpico

Pina se descreveu como um “covarde” que cresceu em Santa Cruz, onde era intimidado por algumas crianças maiores da sua vizinhança.

Mas, por sorte, Pina foi convencido por um de seus rivais a ingressar na academia de boxe local, que também era a mesma que seu pai frequentava.

O treinador incutiu em Pina, então com 15 anos, a paixão pelos Jogos Olímpicos, com o jovem atento a cada palavra sua enquanto contava histórias sobre os diversos torneios internacionais.

“Graças a ele, que me ensinou como sonhar em ser um atleta Olímpico. Sempre depois do treino ele se sentava com as crianças e contava histórias sobre os Jogos Olímpicos, e sobre como é bom ser atleta Olímpico”, lembra Pina.

“Graças a ele comecei a sonhar em ir aos Jogos, e depois desses momentos nunca mais parei de sonhar. Depois que obtive a vaga, liguei para ele e disse que graças a ele sou atleta Olímpico pela segunda vez, desta vez conseguindo com minhas próprias mãos. Então, graças a ele!”

Com as bases firmemente estabelecidas pelo seu antigo treinador e por Bruno de Carvalho, Pina acredita que pode continuar a abrir novos caminhos para Cabo Verde. O arquipélago no Oceano Atlântico, localizado na costa ocidental do continente africano, nunca ganhou uma medalha nos Jogos Olímpicos desde a sua primeira participação em Jogos, em Atlanta 1996.

Perguntado se ele poderia realmente quebrar o tabu, Pina respondeu enfático: “Acredito que posso! Minhas atuações na Tailândia mostraram ao mundo que somos candidatos às medalhas. As coisas podem mudar até Paris, todos vão treinar e melhorar. Podemos não conseguir, é normal, mas mostrei na Tailândia que só precisava de uma chance.”

Como os Comitês Olímpicos Nacionais (CONs) têm autoridade exclusiva sobre a representação de seus respectivos países nos Jogos Olímpicos, a participação dos atletas nos Jogos de Paris depende de seus CONs selecioná-los para representar sua delegação em Paris 2024.