Ciclismo de estrada feminino tem zebra austríaca e mal-entendido sobre campeã

Anna Kiesenhofer deu a primeira medalha à Áustria no evento. Van Vleuten (NED) comemorou o título, mas só depois foi informada que tinha chegado em segundo

4 minPor Gonçalo Moreira
Anna Kiesenhofer (AUT) celebra a medalha de ouro nos Jogos Tóquio 2020
(2021 Getty Images)

Anna Kiesenhofer fez história Olímpica ao tornar-se a primeira ciclista austríaca vencedora da prova de fundo do ciclismo de estrada, superando o 4º lugar da compatriota Christiane Soeder em Beijing 2008.

A prova foi uma loucura. As mulheres tiveram pela frente 137km com relativa dureza, mas sem o principal ponto de dificuldade da prova masculina, o Passo Mikuni. A dinâmica da corrida parecia a habitual das provas de ciclismo: fuga de cinco elementos pegou fácil logo no início e as nações favoritas como Países Baixos, Alemanha e Itália foram se revezando no grupo principal controlando a distância para a frente. O problema é que calcularam mal e deixaram a fuga ganhar 10 minutos, uma enormidade para controlar em apenas 137km de corrida. Com o avançar da corrida ficou claro que as fugitivas poderiam ser protagonistas.

Annemiek van Vleuten garantiu a medalha de prata para os Países Baixos, nação que se esperava pudesse não só vencer – como fez em Londres 2012 com Marianne Vos e na Rio 2016 com Anna van der Breggen – mas até colocar mais do que uma atleta no pódio final. O momento surpreendente da prova veio precisamente quando Van Vleuten entrou na reta final da Fuji Speedway pensando que tinha vencido, festejando muito o suposto título de campeã Olímpica, apenas para pouco depois ser informada pelo staff técnico dos Países Baixos sobre a vitória de Kiesenhofer. Balde de água fria para as neerlandesas, que se explica pelo fato de não ser permitido o uso de rádios nos Jogos Olímpicos, como acontece ao longo da temporada de ciclismo.

"Na verdade, estou muito surpresa por sentar aqui no meio. Eu estava prestes a ir para outro lugar no fundo da sala. Ainda é difícil de acreditar. Acho que ninguém me esperava com uma medalha aqui, muito menos com uma vitória".

-Anna Kiesenhofer (AUT), após a vitória

Elisa Longo Borghini, de Itália, garantiu a medalha de bronze pela segunda edição consecutiva dos Jogos Olímpicos.

Não houve participação brasileira, apesar de na Rio 2016 a atleta Flávia Oliveira ter sido sétima colocada e com isso obteve o melhor resultado da história do Brasil na prova de fundo feminina Olímpica.

Campeã Olímpica com PhD e craque da matemática

Além dos fatos históricos e da estatística, é importante contextualizar o feito épico conseguido por Anna Kiesenhofer.

Primeiro porque mesmo competindo pelo time belga "Lotto Soudal", ela não faz parte da primeira linha do ciclismo; embora a "Lotto Soudal" seja uma instituição de enorme prestígio no ciclismo masculino, não tem o mesmo nível no feminino e inclusive pertence ao segundo escalão internacional, sendo apenas 94ª no ranking mundial. Em terceiro lugar, ela não tem nenhuma vitória na categoria máxima, o "WorldTour". Finalmente em quarto lugar porque aos 30 anos se dedicou a estudar matemática, tendo doutorado pela Universidade Politécnica de Catalunha, o que ajuda a entender que privilegiou o lado acadêmico em detrimento do esportivo.

Por tudo isto e algo mais, Anna Kiesenhofer entra na história dos Jogos Olímpicos pela improbabilidade de sua vitória, pela classe com que obteve este título e por demonstrar que é possível ser uma mente brilhante e uma atleta capaz de desafiar a lógica.

"Sim, sou amadora, mas na minha vida o ciclismo ocupa muito espaço. Sem retorno financeiro. Eu ganho o meu salário com outro trabalho. Mas no último ano e meio, eu estava totalmente focada em hoje, nem mesmo sabendo que tinha chance, mas estava sacrificando tudo por um bom resultado, que poderia até ter sido em 25º".

-Anna Kiesenhofer (AUT), na conferência de imprensa, após a prova, sobre ser amadora

Já tivemos ao longo da história muitas ilustres medalhadas no ciclismo de estrada feminino, mas Anna Kiesenhofer acaba de elevar a fasquia: uma campeã Olímpica com PhD craque da matemática!

O ciclismo regressa com as provas individuais de contrarrelógio no dia 28.

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