Babi Arenhart é uma referência à seleção brasileira que vai muito além do handebol

Por Leandro Stein
21 min|
Babi Arenhart celebra no Rio 2016
Foto por Lars Baron/Getty Images

“Ser referência nunca foi uma escolha, não foi uma coisa que eu falei 'vou ser referência', mas eu fico muito feliz de poder ser um exemplo para elas. O maior presente que podemos dar para todas as gerações que vêm na frente é tentar passar o melhor, os valores do esporte. O que aprendemos, o que fazer e o que não fazer - porque, apesar de toda experiência, a gente ainda comete erros. E demonstrar que precisamos de todo mundo. Não é porque eu sou mais experiente: são mãos unidas. A maior missão é realmente motivar e mostrar que existe um caminho. É bem legal poder ser essa pessoa.”

A reflexão feita por Bárbara Arenhart demonstra sua personalidade, sua consciência e sua liderança dentro do handebol brasileiro. Babi é uma referência necessária e obrigatória na seleção feminina. Aos 37 anos, a goleira carrega a bagagem de quem participa de seu quinto ciclo Olímpico e continua construindo uma carreira belíssima. É a remanescente do inesquecível título mundial de 2013 no elenco que vai a Paris 2024, com companheiras que se inspiraram em sua caminhada para chegar agora aos Jogos Olímpicos.

Babi é guardiã, além do gol, também de uma história - que segue em frente e a empolga: “É muito gratificante poder olhar para trás e ter tanta história para contar, mas mesmo assim ainda poder olhar para frente e ter sonhos para sonhar juntos. É difícil explicar assim, com palavras, mas são sentimentos tão bonitos que eu só posso agradecer.”

Essa história é escrita por várias mãos. Ainda novata, Babi pôde jogar e treinar com lendas da seleção - cita ícones como Zezé, Chicória e Idalina. À medida que se firmou, a goleira integrou uma geração que expandiu fronteiras ao handebol brasileiro. E as lições continuam com a passagem do tempo: “A mochila dos aprendizados nunca pode ficar pesada demais. Então eu tive a sorte de aprender um pouquinho com cada uma dessas gerações e fui passando por muita coisa dentro da seleção. Eu aprendi tanto com cada uma delas.”

Convocada para sua terceira edição dos Jogos Olímpicos, Babi será suplente da seleção. Diante do excelente momento nas competições europeias, Gabriela Moreschi e Renata Arruda serão as principais opções do Brasil. Babi integra o grupo que estará em Paris 2024, mas só será utilizada nas partidas em caso de lesão. O que não afeta sua importância como uma referência, tal qual afirmou recentemente o técnico Cristiano Rocha: "Toda a liderança, toda a força que ela tem como pessoa, também vai nos ajudar muito."

Durante a etapa de treinamentos do Brasil no mês de junho, no Rio de Janeiro, Babi Arenhart conversou com o Olympics.com. A goleira analisou o momento da seleção e os desafios em Paris 2024, mas foi muito além. Também se aprofundou sobre sua carreira e temas fora das quadras. O exemplo que a goleira oferece, afinal, não se limita ao handebol.

MAIS | Brasil terá grupo duro no handebol, mas com memórias de vitórias épicas do passado

Bruna de Paula e Babi Arenhart em Tóquio 2020

Foto por Dean Mouhtaropoulos/Getty Images

A relação especial entre as três goleiras

“Eu preciso estar feliz para poder fazer o que eu faço”, conta Babi. Na reta final de mais um ciclo Olímpico, o sentimento de felicidade estava plenamente presente. “É impossível não estar sentindo uma euforia, de alguma maneira. Uma felicidade. Não é sorte, porque envolve muito trabalho, mas o maior privilégio que um atleta tem é poder se preparar para um evento de tanta grandeza. E mais uma vez eu estou aqui, podendo fazer parte disso tudo. O meu medidor de felicidade está lá no alto.”

A chance de treinar no Brasil não é tão frequente, então a seleção aproveitou a estadia no país para ficar mais próxima da torcida e da cultura brasileira. A equipe atravessou um período de muito trabalho e ao mesmo tempo de leveza, como definiu Babi. E a preparação das goleiras, orientada por Marcão (ele também uma referência da posição, presente em Atenas 2004), foi especial. O time vem com três opções excepcionais.

Gabi Moreschi foi vice-campeã da Champions League e liderou as principais estatísticas da posição na maior competição da Europa. Renata Arruda também foi vice-campeã da European League, segundo torneio em importância do continente, e levou o prêmio de melhor jogadora. Já Babi Arenhart, além da importância como capitã da seleção, segue em grande forma pelo Krim Mercator, outro time de relevo na Champions League. Estava evidente a disputa em alto nível pelo gol do Brasil.

Babi, porém, usa o termo “dividir” a posição, e não “competir”, ao falar sobre o ambiente entre as goleiras. Há um evidente companheirismo e um apoio mútuo: “São muitos anos na seleção e a única coisa que eu consigo sentir é alegria. De chegarmos num momento como esse, tendo esse nível na nossa posição. O Brasil sempre foi muito bem servido de goleiras, a gente tem um histórico maravilhoso. E dividir essa posição com elas é uma coisa que me enche de alegria e de orgulho, porque eu sou muito próxima delas.”

“Estamos muito focadas em se ajudar, continuar crescendo e melhorando. O que a gente pode fazer para impulsionar uma a outra, a gente faz. Eu fico muito feliz que a nossa competição seja extremamente saudável”, explica. “A parte mais interessante é que somos três goleiras completamente diferentes, de características, de estilos de jogo. E jogamos um esporte coletivo, né? Ninguém joga sozinho. [...] A parte mais importante é o tanto que a gente divide de feedback. O tanto que a gente se ajuda, se corrige, se apoia, se motiva. Porque, no final das contas, acabamos sendo um time dentro de um time.”

Babi esteve presente até para apoiar as companheiras nas finais europeias, antes do encontro na seleção. “Ver a Rê e a Gabi brilharem daquela maneira é uma coisa que me deixa muito feliz. Eu acho que tudo o que eu poderia querer é ter parceiras dessa altura, sabe? Agora a chavinha já virou, porque acabou a temporada europeia. É muito legal a gente poder vestir essa camisa do Brasil juntas e poder trabalhar juntas. Ter duas companheiras de tanta qualidade só me impulsiona a querer melhorar ainda mais.”

MAIS | Handebol em Paris 2024: veja convocadas do Brasil

O legado de 2013: “é possível sonhar”

Babi Arenhart é sete anos mais velha que Gabi e 12 anos mais velha que Renata. A capitã é naturalmente um espelho às demais jogadoras, diante de seu protagonismo na seleção há tanto tempo, inclusive pelo papel decisivo na conquista do Campeonato Mundial 2013 - quando recebeu o prêmio de melhor goleira da competição. Algumas das jogadoras atuais estavam nas arquibancadas, sobretudo no Mundial 2011, realizado em São Paulo. Enquanto nota a beleza de poder ser influência, a gaúcha se mantém numa posição de aprendiz.

“Isso é o que torna o esporte ainda mais bonito: não temos noção do quanto as pessoas são influenciadas pela gente. Para mim é uma honra, é um orgulho poder ser referência para elas. E eu sempre falo: da mesma maneira que elas dizem que aprendem comigo, eu aprendo muito com elas. Esse mix de gerações é uma coisa que enche meu coração de orgulho”, assinala Babi.

Mesmo que atravesse gerações, o nome de Babi tende a ser mais fortemente vinculado ao time campeão mundial em 2013. Foi um momento importante não só para levar o Brasil a uma conquista histórica, mas também para mostrar a excelência das atletas brasileiras e abrir cada vez mais portas nas principais ligas do mundo. Jogadoras como Duda Amorim, Alê Nascimento, Ana Paula Rodrigues e ainda outros ícones podem não estar mais no grupo atual, mas plantaram sementes juntas.

“Uma coisa eu tenho certeza que posso falar com propriedade: acho que a gente ensinou ao handebol brasileiro que é possível sonhar”, reconta Babi. “Hoje a gente está com meninas aqui que assistiram da arquibancada aos jogos. Eu tenho foto com a Larissa e com a família dela no Mundial em 2011, aqui no Brasil. Essa é a beleza do 'é possível sonhar'. Daqui a pouco, quando tu vê, está sonhando com alguém que estava lá na frente. Esse foi o maior legado que a gente deixou no handebol brasileiro.”

“Cada campeonato, cada torneio, cada grupo, tem a sua parte especial. O que aconteceu em 2013 nunca vai se repetir de um jeito igual, mas o fato de que a gente hoje tem uma semente do sonhar junto e fazer acontecer de novo, obviamente de outra maneira, com outras pessoas, ela é muito animadora. Eu preciso estar feliz para poder fazer o que eu faço. Sou muito feliz de poder viver essas coisas ainda com um grupo tão especial. A gente tem um grupo de pessoas muito legais, muito trabalhadoras, e é bem motivante.”.

“É muito difícil a gente conseguir contar histórias que nunca foram vividas por outras pessoas. Cada um de nós carrega suas próprias experiências, até dentro dos mesmos eventos. Mas eu sempre tento trazer para as meninas as lições que a gente teve, o antes e o depois do Campeonato Mundial. Uma das minhas missões hoje como a mais experiente, por ser uma das poucas que está aqui ainda que viveu aquele momento, é essa. E é muito legal, porque as meninas mais novas gostam de ouvir, elas querem aprender.”

MAIS | 10 anos da conquista do Mundial de Handebol 2013 pelo Brasil

Foto por Divulgação/IHF

“Jogos Olímpicos que também me representam”

A questão de ser exemplo não se restringe ao que Babi Arenhart faz nas quadras. A goleira é uma pessoa que se posiciona de tempos em tempos sobre temas além do esporte - como o orgulho LGBTQ+, a igualdade de gênero, a inclusão de pessoas com Síndrome de Down, o combate ao racismo. Tem consciência da visibilidade que possui como atleta.

“Eu às vezes penso que a gente faz muito pouco pelas minorias. Eu sou uma pessoa meio indignada com as desigualdades do mundo, sofro bastante. Não consigo assistir a muitas coisas e não me posicionar”, afirma. “Acho que, pelo fato de ter crescido com a minha irmã com Síndrome de Down, a gente aprendeu sobre igualdade muito criança na minha família. Ela é perfeita, um poço de amor, e muitas vezes recebia olhares tão injustos ou coisas que aconteceram que eram tão injustas, que eu cresci assim. Todo mundo tem seu valor.”

“Eu acho importante o atleta hoje falar sobre determinados assuntos também. A gente não pode se limitar a viver na bolha do esporte e achar que as coisas ao redor não estão acontecendo. Tento sempre também ter cuidado, da maneira que eu me posiciono, mas o atleta, ainda mais perto dos Jogos Olímpicos, ganha uma visibilidade maior. E também é nosso papel ajudar o mundo a ser um lugar melhor. A gente às vezes se omite muito das coisas e eu não sou a favor dessa omissão. Eu acho que, se todo mundo se envolvesse um pouco mais, qualquer um, não só o atleta, o mundo seria um lugar melhor.”

Neste sentido, Paris 2024 representa ainda mais a Babi. “Essa edição eu sinto que já está especial, por várias coisas que envolvem os Jogos: a questão da igualdade, do número de mulheres ser maior do que o de homens, a questão da sustentabilidade, meio ambiente, tudo o que está ao redor.” Em conversa com uma amiga da seleção francesa, que atua em projetos de igualdade de gênero e protagonismo feminino, a goleira ouvia como os Jogos Olímpicos Paris 2024 “parecem um sonho”.

“Um evento dessa magnitude, colocar as mulheres nesse holofote e a igualdade nesse patamar, nas telas de todo o mundo, ninguém consegue ignorar. Existem muitas coisas acontecendo, muitos movimentos, mas os Jogos Olímpicos marcam gerações. Os Jogos educam. O que acontece nos Jogos vira referência para o mundo como um todo. É um privilégio poder fazer parte de uma edição dos Jogos com a qual eu me identifico. Eu me identifico com muitos dos valores que esses Jogos estão trazendo à tona. Eu estou representando meu país em Jogos Olímpicos que também me representam.”

MAIS | A trajetória de Darly Zoqbi: do Brasil à Espanha

A influência da família na formação

A formação de Babi como pessoa e atleta se distingue pelos valores familiares que recebeu. Seus pais deram liberdade para que ela e os irmãos experimentassem vários esportes. No fim, três escolheram o handebol. Diante das limitações financeiras, a família fazia rifas, vendia frango e se empenhava para bancar as viagens. Os pais estavam sempre presentes, e com uma educação exemplar. A resiliência que eles ensinaram foi essencial, segundo Babi. Davam o ombro para chorar nas provações, mas mostravam que a vida é assim e os filhos não podiam desistir.

“A gente vivia fazendo o que dava pra que pudesse ser atleta. A maior lição que meus pais me ensinaram é que tínhamos que passar pelas dificuldades, fossem elas quais fossem”, afirma. E a própria comunidade do handebol abraçou a família em um momento de luto: em setembro de 2013, Babi perdeu a mãe, vítima de um câncer. "Não tem muitas palavras para descrever algo assim, mas a quantidade de amor, o cuidado, o carinho que eu e minha família recebemos naquele momento fez tudo ficar um pouco menos difícil." A conquista do Mundial 2013 aconteceu apenas três meses depois.

O orgulho e o exemplo prevalecem, com Babi sempre citando com afeto a inspiração oferecida por seus pais: “Eu gostaria de ser uma mãe parecida com o que a minha mãe e meu pai foram para mim, são pra mim. Existe paciência em lidar muito bem com sentimentos como pais, para não se intrometer na vida dos filhos dentro do esporte. Agradeço muito a educação que eu tive. Meus pais foram fundamentais em muitas questões.”

Essa capacidade de compreensão Babi também leva para o ambiente da seleção. A capitã gosta de estudar o comportamento humano. Costuma ler e assistir a entrevistas sobre o assunto. “Eu sempre tive um pouco em mim essa questão de analisar o comportamento humano, de tentar dar uma mão onde falta, dar espaço quando precisa”, conta. “Também é muito da família que eu venho, a gente cresceu com essa questão de muito cuidado um com o outro, sempre. Eu tenho um pouquinho disso dentro de mim, dessa herança familiar.”

Babi se debruça recentemente sobre o trabalho de Gabor Maté, médico húngaro-canadense que se dedica ao desenvolvimento infantil e ao impacto das experiências no comportamento futuro. “Muitas vezes a gente recebe uma resposta agressiva, mas isso não quer dizer que é comigo, isso é o momento que a pessoa está vivendo. Ele [Gabor Maté] trabalha muito essa questão da empatia, do como viver com o próximo através de um olhar de que essa pessoa também passou por um trauma. E aí tu começa a analisar os teus atos e a te colocar como num lugar melhor, como cidadão.”

MAIS | Brasil é hepta e obtém vaga Olímpica no handebol feminino

Babi Arenhart, do Brasil

Foto por Dean Mouhtaropoulos/Getty Images

A vida de “nômade” e as culturas que absorveu

Ao longo da carreira, Babi Arenhart também pôde vivenciar muitas realidades, que contribuíram ao seu modo de ser. Após sair do Brasil em 2007, a goleira atuou em oito clubes de oito países diferentes. “Vivi culturas de países que, sabe quando a caixinha vai abrindo e tu fala 'isso existe!'? Eu não sei quando isso vai parar, quando essa minha sede de viver vai dar uma acalmada. Se eu pudesse dar uma dica para qualquer pessoa é: viva, viaja, tenha coragem de ver o mundo, porque tem muita coisa legal pra gente aprender.”

Babi cita com muito carinho a Hungria, um país que “está em seu coração”. Atualmente, a goleira vive na Eslovênia e completará quatro anos no Krim Mercator. Elogia a maneira como os eslovenos são acolhedores e também a cultura esportiva do país. “A Eslovênia é muito viva. É um país saudável. Como tem muita natureza, é muito lindo. Meu pai me visitou, fomos num lago e ele falou: 'Eu me sinto muito perto de Deus. Eu nunca vi uma coisa tão linda na minha vida'.” Em meio às belezas naturais, há uma paixão por se exercitar e muito incentivo aos esportes, das diversas escolinhas aos grandes eventos levados ao país.

Enquanto segue em frente na carreira, Babi desfruta. “Sou meio nômade. Tenho até um pouco de medo do que vai ser a minha vida quando eu parar de jogar, e esse tanto de viagem terminar. Eu sempre falo que não me arrependo de nenhuma escolha que fiz na minha carreira. Eu sempre fui atrás do que achei que era o certo naquele momento. Óbvio que eu tive muitas experiências que não foram boas, momentos de muita dificuldade, mas eu não mudaria nada. Eu sou muito observadora e gosto muito desse tipo de desafio.”

“Eu não sou uma pessoa que fica muito tempo numa zona de conforto, em nenhum sentido da vida. A vida é muito valiosa pra gente ficar naquela coisa de que está tudo certo, sabe?” , diz. “Cada país, cada vivência, cada companheiro de time: eu sou tão rica de experiências nesse sentido que não consigo parar de querer mais isso. Eu aprendi tanto! As pessoas que cruzam o nosso caminho são também professores, formam quem nós somos, mas eu tive muita sorte de ter cruzado caminhos com pessoas legais, tão inspiradoras.”

PODCAST | Bruna de Paula e o sucesso construído desde cedo no handebol

Os ensinamentos de Londres 2012 e o clima da Rio 2016

Babi participa dos ciclos Olímpicos desde Beijing 2008, quando, ainda novata, pôde treinar e adquirir experiência. A partir de então, se firmou como opção. “Cada Olimpíada foi um mundo diferente”, define. “Eu estava falando com a famosa Rita [Orsi], nossa supervisora: 'Nossa, eu já fiz cinco ciclos Olímpicos. São quatro anos e, quando vai chegando perto, parece que é outro planeta'. Por mais que tu saiba o caminho, tem que treinar, tem que fazer isso, são mundos diferentes. E acho que essa também é uma coisa legal, que todo mundo sempre quer jogar mais uma Olimpíada: tu sempre quer viver um outro mundo assim.”

Em Londres 2012, contudo, Babi precisou lidar com a frustração de ser cortada do time. Um episódio que, anos depois, vê pelo lado positivo: “O meu corte para Londres foi uma das ‘melhores piores’ coisas que já aconteceram na minha vida de atleta. Nada tirou tanto o meu chão dentro do esporte quanto aquele corte. E foi fundamental para mim. Não sei como teria sido minha carreira se isso não tivesse acontecido, mas, hoje, depois de tudo, eu sou muito grata, porque me ensinou muita coisa. E, um ano depois, ser campeã do mundo e ter sido a melhor goleira… Era para ser assim, sabe?”

Desde então, Babi se inseriu em elencos diferentes, trabalhou com técnicos diferentes, treinou em sistemas diferentes. A goleira explica que, diante do foco nas partidas, suas lembranças nos Jogos Olímpicos em que esteve presente se concentram na rotina de atleta. O clima na Rio 2016, de qualquer maneira, é inesquecível: “O Brasil jogando no Brasil, com o ginásio lotadíssimo e inteiro cantando o hino nacional, foi uma coisa inexplicável. Mas, no fundo, a única coisa que a gente vai fazer numa Olimpíada é jogar.”

E, dentro desse trabalho focado, existe também uma convivência que vai além da própria modalidade. Que está em representar o Brasil: “Poder viver o espírito Olímpico, ser Brasil junto com grandes nomes do esporte brasileiro, já é uma coisa que tu fala 'nossa, eu tô aqui com a Rebeca Andrade'. Outro dia ficamos conversando um tempão com a Jade Barbosa. Que legal! Não sei se os outros atletas enxergam a gente dessa maneira, mas a gente tem uma idolatria. É muito legal poder vivenciar, dividir, compartilhar momentos com eles.”

MAIS | Duda Amorim: três momentos da lendária jogadora de handebol do Brasil

Babi Arenhart, do Brasil

Foto por Getty Images

O que a seleção leva de especial a Paris 2024

Babi conta que não costuma olhar para trás. Ainda assim, a homenagem que recebeu quando completou 200 partidas pela seleção a fez pensar no muito que já caminhou. Compartilhou gerações que conquistaram cada vez mais espaço para o Brasil, alcançou o topo, lidou com altos e baixos. E segue apaixonada pelo que faz.

“A gente se reconstrói o tempo inteiro. Eu sinto muito orgulho. E eu sinto que é um baita privilégio poder estar aqui ainda. Mais que isso, é um privilégio eu ainda amar estar aqui. Eu sou muito movida a pessoas. Eu gosto de gente. É apaixonante fazer parte de um grupo tão especial. Eu olho pra trás e só falo: 'Que bonito tudo isso! Mas que bom poder estar aqui ainda'.”, salienta.

Sobre a atual seleção, Babi elogia a diversidade no padrão de jogo das atletas e a inteligência: “A nossa diversidade é a nossa força hoje em dia. Se eu fosse um treinador estudando o Brasil, eu ia dar uma pirada.” Tal aptidão do Brasil será importante no grupo com França, Espanha, Hungria, Países Baixos e Angola. A capitã vê a chave também diversa, com times de estilos muito distintos. “A gente vai ter que se reinventar muito e estar bem preparado, taticamente e psicologicamente, para essa mudança de estilo de jogo.”

Babi sublinha a inteligência estratégica necessária, entre avaliar as partidas vitais, focar no agora e rodar o elenco. A goleira aponta dois grandes favoritos ao título, França e Noruega, mas um cenário aberto para o restante dos times. “Isso de alguma maneira é bom pra gente, porque está todo mundo igualado”, diz. “Nosso objetivo para Paris é mirar no alto. Não posso nunca dizer que o meu sonho não é ter uma medalha olímpica, porque é. É um desejo que eu tenho há muitos anos.”

Também será uma edição especial do handebol nos Jogos Olímpicos, entre a relação da França com o esporte e as despedidas de grandes nomes da modalidade. O fato de encarar as anfitriãs logo na terceira rodada já motiva Babi: “A gente vai estar jogando na França, que é o país do handebol. Quando saiu o sorteio do grupo e a gente pegou a França, eu fiquei eufórica. Porque eu pensei: jogar contra a França, na França, sabe? Não existe motivação maior e espetáculo maior do que esse.”

MAIS | Os grupos do handebol feminino e masculino em Paris 2024

O sonho da medalha e o futuro do handebol no Brasil

Babi Arenhart brinca que é “péssima em fazer planos”. Prefere viver o agora e não possui planos fixos para o futuro pós handebol, por mais que tenha ideias e já se estruturou para sua trajetória depois de deixar as quadras. Por enquanto, aproveita sua paixão. “Eu gosto muito de respeitar os meus sentimentos, o que eu acho que quero fazer no momento. Eu não tenho vontade nenhuma de parar de jogar handebol ainda. Eu sou muito feliz fazendo o que faço”, aponta. “Eu me sinto mais livre para ser feliz dessa maneira.”

O pensamento de Babi está voltado a Paris 2024. A capitã segue acreditando no impacto positivo que a seleção feminina pode trazer ao handebol do país. Se por um lado momentos como o Mundial 2013 e a Rio 2016 não permitiram a construção de uma estrutura mais sólida para a modalidade no Brasil, inclusive com questões políticas e de gestões anteriores que influenciaram as atletas, a goleira confia nos reflexos de uma campanha positiva nos Jogos Olímpicos.

“O nosso maior sonho, de conquistar uma medalha e colocar o Brasil no topo do mundo do handebol, também é relacionado ao futuro da nossa modalidade no nosso país”, assinala, refletindo sobre como seria bom ter uma liga nacional mais forte, como a do vôlei, e jogar perto do público brasileiro. “Que sonho se a gente pudesse falar: agora estamos todas voltando pro Brasil, vamos jogar a liga nacional no Brasil. Eu seria a pessoa mais feliz do mundo. Eu seria a primeira a falar 'tô indo!'.”

“Uma medalha ou até uma boa representação do handebol na Olimpíada faria que algumas coisas mudassem no nosso país. E só assim então a gente pode sonhar com um futuro mais brilhante da modalidade, falando muito a longo prazo, falando de próximas gerações e tal. Potencial humano não falta, a gente é muito rico em material humano, o que é o atleta em si. Mas ainda falta bastante estrutura, principalmente financeira, de apoio, de patrocínio”, finaliza. A referência de Babi não se resume ao que ela já fez, mas também à maneira como ela sonha junto e dá asas às mais novas buscarem ainda mais.

MAIS | Handebol feminino em Paris 2024: formato, programação e onde assistir