Brasil terá grupo duro no handebol em Paris 2024, mas com memórias de vitórias épicas do passado

Por Leandro Stein
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Ana Paula Rodrigues celebra em Beijing 2008
Foto por Alexander Hassenstein/Bongarts/Getty Images

A seleção feminina de handebol terá grandes desafios em Paris 2024. O Brasil disputará sua sétima edição seguida dos Jogos Olímpicos e, nesta terça-feira, conheceu suas adversárias, com o sorteio dos grupos. A anfitriã França chega como atual campeã Olímpica e mundial. Espanha e Países Baixos são outras oponentes duras, que impuseram derrotas amargas às brasileiras nos últimos ciclos. Completam o grupo Hungria, escola tradicionalíssima, e Angola, dominante no continente africano.

Os confrontos, no entanto, também trazem boas memórias ao Brasil. A seleção de handebol começou a apresentar sua força ao resto do planeta com algumas vitórias marcantes sobre a França em Mundiais. Foram triunfos que permitiram vislumbrar a maior glória das brasileiras: a conquista do Mundial 2013, em campanha na qual o time bateu Países Baixos e Hungria nos mata-matas, incluindo um verdadeiro épico diante das húngaras. Durante o mesmo período, o Brasil venceu Angola em duas edições dos Jogos Olímpicos. Só a Espanha possui um histórico totalmente favorável como pedra no sapato do Brasil.

Passados mais de dez anos do título do handebol feminino, o Brasil conta com poucas remanescentes daquela glória - a goleira Babi Arenhart e a ponta Mariana Costa foram as únicas campeãs em 2013 que disputaram o Mundial 2023, enquanto a central Ana Paula Rodrigues foi cortada por lesão. Vencedoras do prêmio de melhor jogadora do mundo, Duda Amorim e Alê Nascimento se despediram dos Jogos Olímpicos em Tóquio 2020. Em Paris 2024, as lembranças das veteranas tentarão inspirar novas histórias.

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Babi Arenhart celebra no Rio 2016

Foto por Lars Baron/Getty Images

Vitórias sobre a França sublinharam a ascensão do Brasil

O Brasil despontou no cenário internacional do handebol feminino a partir de 1995, quando disputou seu primeiro Campeonato Mundial. Sua estreia inclusive aconteceu contra a Hungria, numa derrota por 30 a 23. Desde então, as brasileiras não se ausentaram de uma edição sequer da competição. Outro passo importante aconteceu em 1999, quando o Brasil faturou o inédito ouro nos Jogos Pan-Americanos. Aquela conquista iniciou um heptacampeonato no Pan e também garantiu a classificação inédita aos Jogos Olímpicos.

De início, o Brasil não conseguia fazer frente às principais equipes da modalidade. A seleção avançou às quartas de final tanto em Sydney 2000 quanto em Atenas 2004, mas ajudada pelas vitórias solitárias na fase de grupos sobre as incipientes anfitriãs, Austrália e Grécia. Nas duas campanhas, as brasileiras pararam nas quartas de final diante da República da Coreia, potência no handebol feminino. Também não venceram as forças europeias, incluindo derrotas para a França em 2000 e para a Hungria em 2004.

Os sucessos do Brasil pintaram primeiro nos Mundiais. A campanha de 2005 pela primeira vez colocou as brasileiras entre as oito melhores do mundo. A equipe avançou à segunda fase e superou times fortes do período. Primeiro bateu a Ucrânia, bronze em Atenas 2004. Depois, anotou 35 a 23 na França, que era a vigente campeã mundial, ouro em 2003.

É verdade que a França não vinha em sua melhor versão em 2005, sem uma vitória sequer na segunda fase. O que também não tira os méritos do Brasil pelo resultado. Lucila e Dali foram as artilheiras da partida, num time que já reunia Alê e Dani Piedade, futuras campeãs mundiais. O resultado classificou as brasileiras para a decisão do sétimo lugar. Venceram a revanche contra a República da Coreia, dona da prata em Atenas 2004.

Na volta aos Jogos Olímpicos em Beijing 2008, o Brasil caiu na fase de grupos, mas tirou uma casquinha das potências. Venceu a República da Coreia outra vez e arrancou um empate da Hungria. Já no Mundial 2009, a França reapareceu no caminho. As brasileiras provocaram uma grata surpresa logo na estreia da competição, com a vitória por 22 a 20. Ana Paula foi a goleadora da partida, autora de sete tentos. O Brasil só não manteve o ritmo e terminou aquele Mundial no 15° lugar. A França se recuperou e foi vice-campeã.

Dois anos depois, em 2011, o Brasil voltou ao Mundial de Handebol como anfitrião. Uma das provas de força iniciais veio de novo contra a França. Foi uma vitória épica, que ajudou a manter os 100% de aproveitamento das brasileiras na primeira fase. As europeias foram para o intervalo com o placar parcial de 17 a 10, mas o Brasil buscou a inimaginável virada por 26 a 22. Mais uma vez, Ana Paula liderou o bombardeio, com seis gols. No gol, a goleira Chana Masson fez a diferença.

Histórico técnico do Brasil de 2009 a 2016, o dinamarquês Morten Soubak classificou aquele triunfo como algo muito especial. "Essa virada não era uma coisa que eu esperava, nem as jogadoras. Para um jogo contra a França, tirar sete gols é muita coisa. Nós estávamos derrotados no intervalo, nada funcionava. Tínhamos que fazer alguma coisa e tentar buscar. Foi tática e coração”, afirmou Soubak, na época, ao UOL Esporte. “Comigo, esses foram os melhores 30 minutos do time, sem dúvidas. Tudo funcionou, o time foi muito bem. O que aconteceu hoje vai demorar mais uns 100 anos para acontecer."

Com o apoio da torcida, o Brasil alcançou as quartas de final do Mundial 2011. A equipe sucumbiu diante da Espanha, num emocionante 27 a 26, decidido por um gol a 20 segundos do fim. As espanholas ganharam o bronze, com nova prata das francesas.

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O épico contra a Hungria na consagração do Brasil

O Brasil claramente desenvolvia um time especial no handebol feminino. A campanha em Londres 2012 deixou boas impressões, apesar da queda dolorosa. As brasileiras avançaram na primeira colocação durante a fase de classificação. Uma das vitórias aconteceu contra Angola, por 29 a 26. Todavia, o cruzamento das quartas de final foi cruel: a campeã mundial Noruega pintou no caminho e encerrou o sonho do Brasil, de virada. As norueguesas, que já tinham levado o ouro em Beijing 2008, repetiram o feito.

A volta por cima do Brasil aconteceu no Mundial 2013. E da maneira mais contundente possível, com o inédito título. Como em 2011, as brasileiras avançaram com 100% de aproveitamento na primeira fase. Já nos mata-matas, não teve quem fizesse frente ao time de Morten Soubak. Nas oitavas de final, o Brasil derrotou Países Baixos por 29 a 23. As neerlandesas começavam sua ascensão como uma força do handebol naquele momento. Ana Paula liderou o ataque com sete gols, enquanto Babi acumulou grandes defesas.

Já na fase seguinte, o Brasil enfrentava não apenas a Hungria, uma seleção tradicional, ainda que não vivesse sua melhor fase. Outro desafio era o do “fantasma das quartas de final”, após seguidas eliminações nesta etapa. “Tinha alguma coisa diferente e a gente sabia o que era. Tinha o medo de perder sabendo que podíamos mais”, declarou a capitã Dara, ao site Olimpíada Todo Dia, em 2018. “O que mudou para aquela partida foi o trabalho psicológico de toda a comissão técnica e principalmente da Alessandra [psicóloga da seleção]. Lembro que ela nos fez colocar pra fora tudo que nos deixava com medo. Não só as quartas de final, mas tudo que nos deixava apreensivas e entramos em quadra mais leves, sabendo qual era o tamanho do jogo.”

O Brasil fez contra a Hungria aquele que costuma ser considerado o maior jogo da história do handebol do país. Foram necessárias duas prorrogações para que as brasileiras arrancassem a dramática vitória por 33 a 31, depois de 80 minutos de handebol. Alê teve atuação monumental e anotou dez gols. Duda Amorim, estrela na própria liga húngara e que foi eleita a melhor jogadora do Mundial 2013, contribuiu com seis gols. O trauma das quartas de final estava superado.

“Conversamos que não íamos sair da quadra sem vencer o jogo. Não importava o amanhã, só o hoje. Conseguimos”, declarou Alê, na época, ao ge.com. “Já joguei Liga dos Campeões, Mundial, Olimpíadas, mas esse Mundial é especial, por esse grupo, por sempre confiarem no nosso trabalho. Acabou a maldição das quartas de final. Chega. Entramos na história, como entramos na história em 2011.”

A história do Brasil no Mundial 2013 se tornou ainda maior. Na inédita semifinal, as brasileiras derrotaram a Dinamarca por 27 a 21. Já a decisão tinha o desafio da Sérvia, anfitriã da competição. O Brasil reforçou o caráter demonstrado nas fases anteriores e conquistou o histórico título mundial com o triunfo por 22 a 20.

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O histórico recente menos favorável

O Brasil não conseguiu defender seu status de campeão no Mundial 2015. A eliminação aconteceu nas oitavas de final, contra a Romênia. Durante a fase de grupos, ao menos, as brasileiras registraram outra vitória marcante contra a França - que valeu a primeira colocação da chave. O triunfo por 21 a 20 veio no último lance. As francesas chegaram a empatar e, na saída de bola, Dara arriscou o tiro do meio da quadra para anotar o gol decisivo a três segundos do apito final.

Apesar das expectativas, o Brasil não alcançou a sonhada medalha no Rio 2016. As brasileiras terminaram a fase de classificação na liderança. A única derrota aconteceu diante da Espanha, por 29 a 24, com a recuperação na sequência graças aos 28 a 24 sobre Angola. Contudo, as quartas de final foram uma barreira ao Brasil. Vice-campeãs no Mundial 2015, Países Baixos tiveram uma atuação irretocável e ganharam por 32 a 23 na Arena do Futuro.

As campanhas recentes do Brasil nos Mundiais não foram tão impactantes. E as algozes muitas vezes foram as futuras adversárias em Paris 2024. A Espanha venceu as brasileiras nas fases classificatórias dos dois últimos Mundiais. Em 2021, a eliminação aconteceu contra a Dinamarca, nas quartas de final. Já em 2023, o Brasil sucumbiu na segunda fase, com uma derrota para Países Baixos atrapalhando os planos.

Em Tóquio 2020, o Brasil ficou na última posição de seu grupo. A única vitória veio contra a Hungria, na segunda rodada, por 33 a 27. Porém, derrotas para Espanha (27 a 23) e França (29 a 22) custaram caro. Num grupo equilibrado, as espanholas também foram eliminadas precocemente. Já as francesas, que teriam caído se perdessem para as brasileiras na última rodada, terminaram com o ouro. Em Paris 2024, a França pinta como favorita. O Brasil tenta se recuperar das derrotas recentes para resgatar tantos feitos de outrora.

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