100 dias para Paris 2024 - Qual foi a centésima medalha do Brasil?
Há muitas histórias para serem contadas da medalha conquistada por Adriana Araújo naquele 8 de agosto de 2012. Quando ela finalmente subiu ao pódio, em 12 de agosto, estava recebendo a primeira medalha Olímpica do boxe brasileiro em 44 anos - e pela primeira vez por uma mulher. Aquele bronze conquistado nos Jogos Olímpicos Londres 2012, cheio de simbolismos e significados, ainda teria um especial: o Brasil chegava a 100 medalhas na história Olímpica.
A edição de Londres 2012 foi marcante, pois envolveu a primeira vez que o boxe feminino participava do programa Olímpico. Na ocasião, o boxe brasileiro vinha em uma crescente e estava na expectativa pela primeira medalha em Jogos Olímpicos em 44 anos, desde que Servílio de Oliveira foi bronze em Cidade do México 1968.
A medalha de Adriana Araújo foi apenas a primeira do boxe brasileiro naquela edição. Poucos dias depois, Yamaguchi Falcão levou o bronze e Esquiva Falcão a prata. Nos Jogos Olímpicos Rio 2016, o primeiro ouro Olímpico do boxe brasieiro veio com Robson Conceição. Já nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020, o boxe liderou as conquistas brasileiras, com o ouro de Hebert Conceição, a prata de Beatriz Ferreira - na mesma categoria de Adriana Araújo -, e o bronze de Abner Teixeira.
Nesta quarta-feira, 17 de abril, faltam 100 dias para os Jogos Olímpicos Paris 2024, e o boxe aparenta ser uma das principais esperanças do Time Brasil em busca de pódios. Mas essa história de sucesso do boxe Olímpico do Brasil recomeçou com aquela centésima medalha de Adriana Araújo, uma trajetória muito longa, a qual vamos relembrar abaixo.
Primeiro round: a expectativa do boxe brasileiro pelo fim do jejum em Londres 2012
O boxe brasileiro já havia conquistado uma medalha Olímpica, com Servílio de Oliveira, em Cidade do México 1968. Porém, na virada dos anos 1990 para os anos 2000, os resultados do país não eram significativos em nível internacional, se limitando a algumas medalhas nos Jogos Pan-Americanos e em campeonatos continentais.
O panorama parecia começar a mudar nos Jogos Pan-Americanos Rio 2007. De frente a uma torcida apaixonada, o Brasil conquistou oito medalhas, e quebrou um tabu. Treinado por Luiz Dórea, Pedro Lima venceu a medalha de ouro, a primeira do país em 44 anos, desde São Paulo 1963.
A expectativa pela medalha Olímpica estava mais forte do que nunca. Se Pedro Lima não conseguiu assegurar sua vaga em Beijing 2008, mas a medalha Olímpica brasileira nunca pareceu tão perto. Naquela edição dos Jogos, Paulo Carvalho e Washington Silva caíram nas quartas de finais, ficando a uma vitória do pódio. A medalha não veio, mas, apenas pela segunda vez na história, o Brasil havia colocado dois atletas em posição de disputa de medalha, repetindo o feito de Helsinque 1952.
O ciclo Olímpico seguinte do boxe foi especial. O boxe feminino finalmente faria parte do programa de Londres 2012 e o Brasil tinha motivos para se empolgar com a novidade. Roseli Feitosa foi campeã mundial em Bridgetown 2010. No ano seguinte, ela foi medalhista de bronze nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara 2011. Também em 2011, o Brasil saiu sem medalha de ouro do México, mas Éverton Lopes sagrou-se campeão mundial em Baku 2011. Além disso, Esquiva Falcão levou o bronze. Ou seja, tudo indicava que o boxe poderia finalmente levar a primeira medalha em 44 anos.
Nos Jogos Pan-Americanos Guadalajara 2011, estreia do boxe feminino, a delegação brasileira conquistou um bronze, com Roseli Feitosa. Adriana Araújo estreou direto nas quartas de finais e perdeu para a mexicana Erika Cruz saindo sem medalhas. Mas antes de falarmos de suas conquistas, vamos lembrar o início dela no esporte.
Segundo round: o caminho de Adriana Araújo ao boxe
Em 4 de novembro de 1981, Adriana Araújo nasceu. Sua família vivia em uma comunidade carente de Salvador. Sua mãe era merendeira e diarista, enquanto seu pai trabalhava em uma empresa de construção civil. Mesmo sendo a caçula, já começou a assumir responsabilidades em casa e Adriana começou a trabalhar aos 12 anos. Desde criança, ela jogava muito futebol, e chegou a participar de uma peneira da Vitória. Mas a vida de Pitbull, como era conhecida, iria mudar para sempre quando conheceu o boxe através de uma amiga e passou a conciliar o esporte com seu trabalho.
“Eu nunca gostei de lutas, mas eu nunca fugi da luta”, revelou em um depoimento ao Repositório Digital do Centro de Memória do Esporte, ocasião em que suas conquistas foram tema da dissertação de mestrado "Mulheres de ouro: Trajetória e Representação de atletas de lutas", por Vera Lúcia Ferreira Pinto Fernandes.
De acordo com a enciclopédia “Atletas Olímpicos Brasileiros” escrita por Kátia Rúbio, ela “começou a treinar boxe aos 18 anos com o técnico Rangel de Almeida” na Academia Mundo de Boxe, enquanto “conciliava os treinos com a profissão de agente de saúde” em Salvador. O documentário “As Lutas de Adriana” dirigido por Alberto Iannuzzi, revela que ela, exímia jogadora de futebol na adolescência, entrou na academia para perder peso, por questões estéticas, mas acabou demonstrando um grande talento para o esporte.
Em apenas seis meses, percebeu que tinha talento para ser uma atleta de elite. Em pouco tempo já estava treinando com Luiz Dórea, então técnico da seleção baiana de boxe e que levaria Pedro Lima ao ouro pan-americano. Mesmo assim, encontrava dificuldades, e precisava ir andando para a academia.
Além disso, sofreu muito com sexismo, como quando declarou ao Globo em 2019: "No início, meu próprio colega de treinamento dizia que ali não era o meu lugar, que eu deveria fazer serviços domésticos. Duvidava da minha capacidade. Era discriminada também por pessoas que me criticavam por praticar o boxe".
Revelou que se inspirou muito com “Menina de Ouro”, filme de Clint Eastwood, vencedor de quatro Oscars: filme, direção, atriz (Hilary Swank) e ator coadjuvante (Morgan Freeman). Nele, Hilary Swank interpreta uma garçonete que aparece na academia para ser treinada pelos personagens de Freeman e Eastwood, apesar dos protestos deste último por ela ser mulher e ser considerada velha para começar a carreira. Dá para entender porque Adriana se inspirou nesta obra. Mas o final feliz ainda aguardava a pugilista brasileira.
Terceiro round: Adriana Araújo faz história em Londres 2012
Poucos meses antes de Londres 2012, aconteceu o Mundial de Boxe Feminino Qinhuangdao 2012. O torneio serviu de Pré-Olímpico para o esporte. Adriana Araújo era uma das boxeadoras brasileiras buscando uma vaga. Ela venceu Mira Potkonen (FIN) e Ryu Yong-Sim (PRK) antes de perder para a russa Sofya Ochigava nas quartas de finais. O resultado, apesar de deixar ela de fora do pódio, a garantiu como uma das competidoras mais fortes em Londres 2012.
A estreia dia 5 de agosto contra Saida Khassenova, do Cazaquistão, foi complicada. Segundo Cahê Mota, em Londres para o GE.com, a luta parelha foi "marcada pela gritaria". Mas não das lutadoras e sim da torcida brasileira. Khassenova começou a luta na frente, mas empurrada pelos torcedores barulhentos, Adriana conseguiu virar já no terceiro round - de quatro no total - e vencer por 16 a 14. Ela chegou a ser punida quando continuou dando golpes por não ter entendido que o árbitro havia iniciado uma contagem diante do estado da adversária. Depois, quem não entendeu foi o árbitro, surpreso pela comemoração efusiva de Adriana no ringue.
- A luta foi difícil. Estamos nas Olimpíadas. Todo mundo veio aqui para vencer. Eu sabia que nenhuma luta seria fácil para mim, mas eu tenho certeza que as minhas adversárias sabem que eu também não serei fácil para elas. Vou manter o mesmo foco com o ímpeto de sair daqui com medalha - disse a brasileira, então quinta colocada do ranking mundial.
Com a derrota na estreia por Érica Matos e Roseli Feitosa, Adriana Araújo era a única esperança de medalha do boxe feminino brasileiro.
Nas quartas, uma luta equilibrada contra a marroquina Mahjouba Oubtil. Adriana venceu os dois primeiros rounds (4 a 2, 3 a 2). No terceiro, a marroquina venceu por 4 a 3, mas com 6 a 4 no quarto e último round, Adriana selou a vitória por 16 a 12. Uma vitória histórica, que garantiu a tão sonhada medalha Olímpica.
Ao final da luta ela comemorou, mas queria mais. "Estou bastante feliz com essa medalha, mas meu objetivo é o ouro. Não é impossível. É muito legal ter essa conquista, ainda mais por ser uma mulher. Fico lisonjeada de ser um exemplo para as meninas do Brasil”, de acordo com reportagem de Bruno Freitas para o UOL, “Espero que o boxe feminino seja mais visto agora", declarou.
Já com o pódio garantido, ela reencontrou a russa Sofya Ochigava e numa luta muito disputada, ela perdeu por 17 a 11, mas garantiu assim sua medalha de bronze, entrando para a história Olímpica do Brasil como a centésima medalha conquistada.
Ao final, um misto de comemoração e ressentimento por todos que a duvidaram, mas um agradecimento especial a seus treinadores Luiz Dórea e Rangel Almeida. "A medalha vai ser muito comemorada em Salvador, com meus amigos, minha família e meus técnicos", declarou Adriana em matéria da Gazeta do Povo da época.
Quarto round: o que fazer depois do final feliz?
Porém, a vida depois da medalha não foi fácil para Adriana Araújo. Ela revelou que em 2013 perdeu vários patrocínios por ter ficado fora das competições e em meio a conflitos internos, chegou a ficar fora da seleção.
De volta, era esperança para a Rio 2016. Porém, sofreu novamente com o paredão russo nos dois Mundiais do ciclo Olímpico. Em 2014, nova derrota para Sofya Ochigava, desta vez nas oitavas no Mundial de Jeju City, Coreia do Sul. Poucos meses antes dos Jogos Olímpicos da Rio 2016, parou em outra russa nas oitavas do Mundial de Baku, Cazaquistão. Anastasiia Beliakova foi a responsável pela queda de Adriana, também nas oitavas.
A expectativa por uma nova medalha na Rio 2016 era grande. Mas Adriana pegou uma chave dura e estreou nas oitavas contra a finlandesa Mira Potkonen. Adriana se saiu vitoriosa no primeiro round, mas a europeia impôs seu ritmo e conseguiu virar o jogo.
"Não frustrada, não tenho porque me frustrar, fiz grande história para o meu país e para a modalidade. Fico triste pelo resultado, queria trazer mais alegria pro meu país, mas frustração, não. Sou uma atleta que fez história pelo meu país", declarou a boxeadora pouco após à eliminação, de acordo com relato de Eduardo Ohata para o UOL.
Depois da Rio 2016, teve dificuldades em continuar na carreira amadora e decidiu se profissionalizar. Além disso, começou a trabalhar como motorista de uber e também cursou faculdade de administração.
Legado Olímpico de Adriana Araújo
Com a conquista da medalha em Londres 2012, Adriana acreditou que sua carreira iria dar uma guinada, mas não foi o que aconteceu. "Eu era uma atleta medalhista, fodona, cheia de história, mas não tinha o reconhecimento que deveria ter. Os meninos (atletas do boxe), depois de 2012, conseguiram se tornar profissionais porque as empresas chamaram eles. Talvez, se eu fosse homem, eu estaria lá também. Mas eu sou mulher, entendeu?", contou para Roberta Nina no Dibradoras, blog do UOL, em 2019.
Na Rio 2016, Adriana Araújo contou com outra baiana como sua sparring. Beatriz Ferreira. Enquanto Adriana ia iniciando sua carreira profissional, Bia ia estabelecendo seu percurso na 60kg, sendo bicampeã mundial (2019 e 2023) e tendo duas medalhas de ouro nos Jogos Pan-Americanos, em Lima 2019 e Santiago 2023.
Nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020, Beatriz seguiu os passos de Adriana e foi medalhista de prata, curiosamente vencendo Mira Potkonen, antiga rival de Adriana, em seus últimos Jogos antes de completar 40 anos, data-limite para os boxeadores.
Mas mesmo depois que Adriana Araújo, Roseli Freitas, Beatriz Ferreira e outras boxeadoras mostraram que não existe espaço para o sexismo no esporte, ela ainda vê preconceito. "Ele ainda é muito forte no esporte em geral. Infelizmente no boxe não é diferente. Há uma diferença que vai desde a estrutura ao investimento nos atletas. Os homens são o centro das atenções, sendo beneficiados durante os treinamentos", declarou em 2019 ao Globo.
Desde aquela centésima medalha de Adriana, o Brasil já conquistou outras 50 medalhas. E em Paris 2024 que serão a primeira edição dos Jogos Olímpicos com paridade de gêneros com certeza, Bia Ferreira pode continuar a caminhada iniciada por Adriana de manter a grande tradição - recente - do boxe feminino brasileiro de 60kg.