Yohan Goutt Gonçalves, esquiador alpino do Timor-Leste: 'Esta comunidade de nações exóticas é o espírito Olímpico'
Pela terceira edição consecutiva dos Jogos Olímpicos de Inverno, Yohan Goutt Gonçalves representará a República Democrática do Timor-Leste no esqui alpino, em Beijing 2022. Além da performance esportiva, o franco-timorense também representa a ascensão de países pouco tradicionais no esqui.
Yohan Goutt Gonçalves não é apenas um esquiador alpino.
Além de ter se classificado pela terceira vez aos Jogos Olímpicos de Inverno, que serão em Pequim de 4 a 20 de fevereiro de 2022, ele faz questão de representar o país nativo de sua mãe, a República Democrática do Timor-Leste - uma pequena ilha acima da Austrália cuja língua oficial é o português. Ele quer aumentar a comunidade de pequenas nações no esqui.
O atleta de 27 anos balanceia sua preparação Olímpica e a administração da federação de esqui timorense que ele criou com a ajuda de sua família antes de Sochi 2014. Ele também organiza competições da FIS (Federação Internacional de Esqui) e trabalha com negócios da família.
Uma vida atribulada que corresponde perfeitamente a este homem hiperativo, sempre em busca de fazer o bem ao seu redor.
No meio de todas essas atividades, Goutt encontrou tempo para falar com o Olympics.com sobre sua conexão com o Timor-Leste, sua relação com "nações exóticas" do esqui e suas ambições antes de Beijing 2022.
Representando o Timor-Leste nos Jogos Olímpicos
Yohan Goutt nasceu perto de Paris, filho de pai francês e mãe timorense. Desde jovem, seu pai levava a família para as montanhas para esquiar, sempre quando tinham tempo livre. Foi amor à primeira vista.
Um dia, o jovem Yohan voltou de uma sessão de esqui com um amigo da família. Ainda sem fôlego depois da tarde na neve, ele disse: "Essa criança vai para os Jogos Olímpicos."
Uma simples frase que logo virou um objetivo para Yohan Goutt. Aos 8 anos, ele disse a sua mãe: "É isso que quero fazer. Quero esquiar pelo Timor-Leste nos Jogos Olímpicos."
Além de ser um grande orgulho para sua mãe, seu desejo de competir pelo Timor-Leste vem de sua vontade de homenagear sua nação materna.
"Meus tios foram grandes heróis da nação. Estava pensando de qual maneira eu poderia fazer algo pelo meu país também, não esquecendo minhas raízes. Acho que o esporte é uma excelente oportunidade", explicou Goutt.
"Um dia, eu estava no Timor-Leste e alguém me perguntou de onde eu era. Falei que era francês e timorense e a pessoa respondeu 'Ah, conhecemos um francês-timorense também! Ele é esquiador alpino, temos muito orgulho dele", ele disse sorrindo.
Apesar de seu rosto não ser tão conhecido, seu nome e exposição na mídia não passou despercebida, especialmente por ele ser o único atleta do país a ter participado dos Jogos Olímpicos de Inverno.
A bandeira do Timor-Leste também intriga outros esquiadores quando Goutt vai a competições. "Na Copa do Mundo, estava andando na sala dos atletas e a equipe inteira da Suíça começou a falar da bandeira. Como eles estavam falando francês, fui até eles e expliquei sobre o Timor-Leste para o Daniel Yule [campeão Olímpico do slalom paralelo em PyeongChang 2018]."
Fazer as pessoas conhecer melhor o seu país enquanto pratica seu esporte preferido era o grande objetivo de Yohan Goutt. Mas sua jornada até aqui nem sempre foi fácil.
Criando uma federação e unindo as pequenas nações
Para dar um pouco de contexto, a República Democrática do Timor-Leste foi declarada independente em 2002. Alguns atletas do país foram aos Jogos de Verão Sydney 2000, com uma bandeira neutra, mas somente em 2003 o Comitê Olímpico Nacional foi criado, dando aos atletas timorenses a chance de competir com orgulho por suas cores.
No Timor-Leste, exceto no topo da montanha Ramelau, que culmina a 3.000 metros de altitude e onde faz 8°C à noite no inverno, a temperatura média é de 28°C. A ilha nunca viu neve.
Logo, a nação começou do zero nos esportes de inverno.
"Quando eu tinha 15 anos, tinha o projeto de representar o Timor-Leste nos Jogos Olímpicos, então perguntei para a minha mãe como era possível fazer isso acontecer. Primeiro tínhamos que criar uma federação de esqui."
"O Comitê Olímpico local nos ajudou com a parte Olímpica, mas tínhamos que pedir à FIS ajuda no aspecto esportivo, como pontos de classificação, etc.", ele lembra.
Assim que a federação foi criada, o esquiador alpino conseguiu competir pelo Timor-Leste oficialmente. Uma aventura de sucesso, tanto que hoje em dia alguns esportes vão à federação criada por Goutt para saber que passos eles devem seguir para criar uma federação na ilha.
O impacto da criação dessa federação é bem maior do que o esperado. Cruzou as fronteiras do Timor-Leste.
Durante os anos, Goutt fez amizade com alguns esquiadores que também vêm de nações sem tradição no esqui. Junto ao jamaicano Benjamin Alexander, o ganês Carlos Maeder, o marroquino Yassine Aouich e Calcy Ning-Chien Tang, da Taipé Chinesa, eles foram o "time exótico de esqui", um grupo não-oficial que vive com o espírito Olímpico.
"Nós criamos este grupo com um esquiador da Jamaica. Falei para ele 'se você tiver perguntas, não hesite, podemos nos ajuda'. Tenho sorte de ter ido a duas edições dos Jogos Olímpicos, então posso ajudar as pessoas que querem ir também e elas podem trazer as experiências de suas competições".
"Falamos sobre as provas que podem ser boas para ganhar pontos e decidimos ir juntos. Dividimos o hotel, a comida, o aluguel da van. Assim que economizamos gastos dos nossos treinamentos. Não somos técnicos, mas temos a experiência, então estamos tentando treinar o melhor possível, ajudando um ao outro, e espero que todo mundo consiga seus objetivos."
"Os pontos para os Jogos Olímpicos não são o mais importante. É também sobre comunidade de nações pequenas, culturas diferentes, e eu diria que esse provavelmente é o significado do espírito Olímpico."
Para trabalhar ainda mais a favor de nações pequenas no esqui alpino, o timorense organiza, com sua federação, algumas provas da FIS, como uma em Dubai em novembro de 2021, a primeira competição da FIS que aconteceu dentro de um domo de inverno. Foi nessa prova que Goutt se classificou para Beijing 2022.
É importante manter em mente que o esqui continua sendo seu principal foco.
Yohan Goutt em Beijing 2022
"Em Sochi, meu objetivo era mostrar minha bandeira durante a Cerimônia de Abertura e ter meu nome na classificação final. Foi o que fiz, terminei na 43ª posição, mas sem esquiar no meu melhor nível. Em PyeongChang, queria dar o meu melhor. Provavelmente tentei demais porque saí do percurso, como muitos atletas naquele dia", disse Goutt.
Neste ano, sua meta é diferente outra vez. Goutt vai focar em dois eventos: slalom e slalom gigante. Algo inédito para ele seu país.
"Como em PyeongChang, quero dar meu máximo nos esquis em Pequim e terminar as provas com um esqui mais do que correto".
Para isso, Goutt conta com seus amigos de nações pequenas para treinar com ele no leste europeu.
Goutt também tem planos para o futuro. Além de ter feito um acordo com a Federação Suíça de Esqui para ter esquis com rodas e apresentá-los aos timorenses, ele quer se tornar um diretor técnico de provas.
Antes disso, ele tem um encontro marcado com a montanha chinesa a partir de 4 de fevereiro.