Treinador de Rebeca Andrade, Chico Porath recorda jornada ao topo: ‘Aprendi tudo do zero’

Por Sheila Vieira
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Rebeca Andrade e Chico Porath 7
Foto por GETTY IMAGES

Enquanto Rebeca Andrade força os olhos para tentar enxergar sua nota no telão, mantendo a expressão plena, seu treinador, Franciso Porath Neto, o Chico, tenta em vão conter as lágrimas de ansiedade e felicidade ao seu lado.

Esta é uma cena que virou rotina na ginástica artística desde Tóquio 2020, e que o Brasil espera revisitar em Paris 2024, onde Rebeca tentará novamente conquistar múltiplas medalhas. Nesta quarta-feira, 8 de maio, ela completa 25 anos.

“Sou como um pai que pode estar na arena de competição”, disse Chico com exclusividade ao Olympics.com durante os Jogos Pan-Americanos Santiago 2023.

“Eu participei dessa criação, desse desenvolvimento da Rebeca criança, adolescente e agora mulher com uma personalidade forte. São duas emoções, a do treinador e da pessoa que cuida dela”, explicou o técnico principal da seleção brasileira feminina.

Como um brasileiro sem origens no leste europeu formou uma das melhores atletas da história do Brasil? Qual é a rotina de treinamentos de Rebeca, Flávia Saraiva e Jade Barbosa e como elas tentam evitar novas lesões? Descubra abaixo.

Chico Porath: ex-estagiário, amigo e treinador

Antes de Rebeca, a única mulher brasileira campeã mundial de ginástica artística havia sido Daiane dos Santos, que treinava com o ucraniano Oleg Ostapenko. Sua compatriota Irina Ilyashenko permaneceu em Curitiba, e em 2000 recebeu um novo estagiário de educação física chamado Francisco. Os dois atualmente dividem o comando da seleção feminina.

“Nunca fui atleta de alto rendimento. Fazia estágio numa escolinha e do lado a seleção brasileira de ginástica treinava com a Iryna e o Oleg. Eu pedia para olhar”, contou Chico, que eventualmente conseguiu uma vaga no cobiçado time.

“O início é bem braçal. Aprendi tudo do zero. Ensinar as crianças a fazer espacate, os nomes dos elementos”, disse.

Em 2006, Chico foi a Guarulhos começar um projeto que visava formar ginastas para a Rio 2016, 10 anos depois. Inspirada por Daiane, Rebeca estava lá.

“A ginástica exige crianças especiais”, afirmou o treinador. “A Rebeca sempre marcou pela evolução rápida. Mesmo dentro de uma turma selecionada, que você sabia que todas seriam ginastas, ela evoluía muito mais rápido. Enquanto as outras aprendiam um elemento em quatro meses, ela aprendia em um, com qualidade”, contou o técnico, que também trabalha com o Flamengo.

Longe do estereótipo de treinador carrasco da ginástica, Chico estabeleceu uma cumplicidade com Rebeca, que é a base do sucesso da dupla.

“Graças a Deus a gente tem uma ótima relação, com a família dela também. Ela veio morar com a gente um tempo e isso fez com que criasse esse vínculo. É bem forte. Eu me emociono como treinador e como pessoa. Sou como um pai que pode estar na arena de competição.”

Como é o treinamento da seleção feminina de ginástica

Como sabemos, nem toda a história de Rebeca (e de Chico) foi de glórias. A ginasta passou por três cirurgias de LCA (ligamento cruzado anterior), que a impediram de participar de muitos eventos importantes. Um histórico que afetou sua maneira de treinar.

“A gente tomou muito cuidado para que ela estivesse liberada em cada fase [da reabilitação]. Como ela não tinha mais elementos para aprender, era voltar a fazer o que ela já sabia. Mudamos pouca coisa de elementos que colocavam ela em risco, mas como ela é muito talentosa, a gente conseguiu substitui-los e manter as séries ainda muito competitivas”, comentou.

As atletas da seleção principal têm a seguinte rotina: treinam no tablado de 8h a 11h ou 11h30, depois fazem fisioterapia e retornam para a preparação física, algo que fez toda a diferença para as ginastas com histórico de lesão, segundo Chico. Em seguida, treinam mais uma hora e meia e voltam para o cuidado dos fisios.

Elas treinam seis dias da semana, com uma sessão na quarta-feira e no sábado, e duas nos outros dias.

“Elas fazem muitos exercícios funcionais e para ganho de força, pela segurança. Trabalhar com cargas controladas, fazer uma cadeira extensora, um agachamento com segurança, isso também deixa articulações fortes para possíveis quedas. É importante entender o que cada uma precisa para segurar a Rebeca, a Jade, que tiveram lesões graves e continuam competindo”, explicou.

Quais aparelhos são priorizados nos treinos?

Durante a temporada, as ginastas começam treinando em aparelhos auxiliares, até chegarem aos aparatos de competição. Apesar de ser o mais artístico, o solo também é o mais desgastante devido ao impacto das acrobacias. Portanto, é bom evitá-lo o quanto possível.

“A gente sempre tem uma atenção especial para a paralela e para a trave, que possuem elementos bem técnicos e exigem menos fisicamente. Já o salto e solo costumamos trabalhar só em um período de treino. Temos uma pista de cama elástica, em que podemos trabalhar sem sobrecarregar os membros inferiores.”

Rebeca notadamente costuma reservar suas séries de solo para Mundiais e Jogos Olímpicos. Uma decisão que, segundo o treinador, foi decisiva para que o Brasil conseguisse a vaga em Paris 2024 e a medalha de prata por equipes no Mundial de 2023.

“Conseguimos no Mundial que ela fizesse cinco séries seguidas de solo. Não tem como ela fazer isso antes. A gente prefere que ela fique o máximo nos outros aparelhos”, disse Chico.

TOKYO, JAPAN - AUGUST 01: Rebeca Andrade of Team Brazil competes in the Women's Vault Final on day nine of the Tokyo 2020 Olympic Games at Ariake Gymnastics Centre on August 01, 2021 in Tokyo, Japan. (Photo by Laurence Griffiths/Getty Images)

Foto por 2021 Getty Images

O legado de Rebeca Andrade e Chico Porath

Assim como Chico Porath aprendeu com os treinadores que formaram Daiane dos Santos, ele espera poder manter o legado do esporte vivo após esta geração de ouro se aposentar. Ele nota que o caminho é árduo, mas gratificante.

“Comecei como estagiário, a profissão é difícil. O conselho é: depois que você achar o que você quer, não vai ter feriado, férias, você vai sofrer com cada lesão. Você vive o dia a dia do atleta. Não fui atleta, mas vivo a rotina de um. Enquanto todos estão viajando, estamos no ginásio. No final, é muito recompensador e vale a pena. Cada vez tem mais criança entrando na ginástica, então, treinadores, por favor, acreditem”, clamou.

E qual foi o momento mais recompensador para Chico? A prata no individual geral em Tóquio 2020.

“A primeira medalha [feminina] do Brasil, com chances enormes de ser campeã Olímpica, foi nos décimos. Ela encantou a Olimpíada. As pessoas passavam por mim na Vila e falavam que ela tinha que ter ganhado. A torcida das pessoas. Claro que a americana [Sunisa Lee] mereceu, mas o brilho e a história da Rebeca marcaram. Ela é minha campeã Olímpica.”