Patrícia Sampaio: lidar com lesões no judô é 'encontrar felicidade em momentos de infelicidade'
Janeiro de 2023. Incentivada pela torcida, Patrícia Sampaio foi ao topo do pódio no Grand Prix de Almada (Portugal). Era apenas o começo de um ano repleto de conquistas, que fizeram desta tomarense de 24 anos, na categoria até 78kg, uma das protagonistas da seleção portuguesa feminina de judô.
Às vésperas do Campeonato Europeu adulto, entre 25 e 27 de abril, Patrícia falou em entrevista com o Olympics.com: "Não é trabalhar num dia e no [dia] seguinte os resultados vêm. São muitos anos e muitos meses de preparação", começa.
O importante papel do irmão Igor em seu judô
Uma preparação que, em um primeiro olhar, teve início aos sete anos de idade, influenciada pelo irmão, Igor Sampaio, já praticante da modalidade. Mal sabia que não muito tempo depois, ele se tornaria seu treinador.
"Ele é meu treinador há onze anos, desde 2013. O meu judô praticamente é ele o responsável", recorda-se. Algo que se deu ao acaso, afinal Igor estudava na Polônia e foi convidado para ser um dos instrutores do clube local, a Sociedade Filarmônia Gualdim Pais. Em bom português, calhou de Patrícia ser parte da equipe treinada pelo irmão.
"Durante uma luta você está lá no tatame, olha para o lado, para o onde fica o treinador, e vê o seu irmão ali. É bom, dá confiança", afirma a judoca.
A convivência entre os dois nem sempre foi tranquila. Coisas entre irmãos, mas depois de um contato mais próximo, a situação melhorou: "Quando ele ficou o meu treinador, a nossa relação melhorou bastante. Começou a haver ali mais um fator de cumplicidade, de darmos felicidade um ao outro", confessa Patrícia.
Tal cumplicidade faz com que ela viva o judô em dobro. "No final de contas, é uma felicidade em dobro. Quer dizer, eu já estou feliz pelos meus resultados, o meu treinador também já está feliz por eles, mas ainda somos família então é tudo em dobro. É felicidade em dobro, é tristeza em dobro", complementa.
Se a trajetória tem sido "em dobro" para Patrícia por conta da ligação com o irmão treinador, logo as alegrias pelos resultados em 2023, mais os sonhos em relação à segunda participação Olímpica, em Paris 2024, são partilhados. Ou melhor, duplicados.
Entretanto, para que isso fosse possível, a judoca lusa teve que trabalhar muito fora dos tatames a fim de chegar no seu melhor.
Histórico de lesões e o ponto de mudança: trabalhar a saúde mental
Patrícia não tardou para despontar no judô em nível nacional, enquanto cadete e juvenil, o que a levou para se integrar à seleção portuguesa. No entanto, convivia com frequentes lesões. "Sou uma pessoa que se lesiona muitas vezes", explica.
Antes de Tóquio, quebrou a perna, mas voltou em tempo de disputar os Jogos no Japão, só que aquém da sua forma. A última grande lesão foi em meados de 2022, no ombro, meses após sua primeira medalha na carreira em um Grand Slam - o bronze em Tel Aviv (Israel), em fevereiro.
Isso não só a prejudicava nos treinos e combates, mas fora deles também. "Eu geria muito mal as emoções e a frustração de ver os outros competindo e eu não", completa. "Eu geria muito mal toda essa situação", reforça Patrícia.
No entanto, a judoca procurou ajuda de uma psicóloga para saber lidar melhor com os altos e baixos, ou como ela mesma define: "De encontrar felicidade em um momento de infelicidade, que é o da lesão."
Ainda em 2022, enquanto recuperava-se da última mais séria, aproveitou o verão, foi a concertos - que antes não ia - e soube conduzir bem o que antes tirava-lhe o bem-estar. "Queria estar nos Jogos em Paris, mas não fiquei agarrada às preocupações. O que eu notei foi que, por exemplo, somos atletas, mas somos seres humanos e acontecem várias coisas na nossa vida", acrescenta.
Para além disso, trabalhar a saúde mental acabou por fazer com que ela desse um novo significado para o seu judô. "Sei que vou chegar no tatame e aquele vai ser o meu momento, o meu palco. É o lugar onde eu gosto de estar."
Para Patrícia, o judô passava a ser um propósito.
Férias no Brasil e a inesquecível temporada 2023
Entre os últimos dias de 2022 e os primeiros de 2023, a judoca aproveitou alguns poucos dias de folga no Brasil, em Santos. "Acho que até me ajudou, estava tão descontraída", lembra-se.
Tão logo voltou a Portugal, no dia seguinte partiu para a Áustria, para algumas semanas de treinos com atletas do mundo todo. "Cheguei a pensar: 'fui tirar umas férias, não vai dar certo, não vou estar em boa forma'." No entanto, deixou-se levar pela situação. "Eu estava tão feliz e aproveitando o momento."
Já diz a velha máxima "mente sã em corpo são", né?
Pois.
"Tudo começou a correr bem, no final do mês [janeiro] ganhei em Portugal [Grand Prix (GP) de Almada] e depois foi uma 'bola de neve', mas positiva. As coisas boas começaram a acontecer, então coisas boas traziam mais coisas boas", relembra.
E quanta coisa boa!
"Foi o ponto de partida chave, a rampa de lançamento, digamos assim. Acho que foi mesmo para me dar aquele boost depois para os meses seguintes", analisa o título no GP de Almada.
Nos meses seguintes, Patrícia somou cinco medalhas em etapas de Grand Slam (uma de prata e quatro de bronze) e ficou em terceiro lugar da sua categoria (até 78kg) no Europeu, em Montpellier (França), pódio este que considera o mais importante de 2023.
Um ano que Patrícia terminava tendo cumprido dois dos três objetivos que colocara: medalha no Europeu e estar entre as 10 do ranking mundial - a terceira meta tinha sido o pódio no Mundial de Doha, mas parou na semifinal da chave.
Relembrar tudo o que tem vivido a faz afirmar, sem duvidar: "Estou a viver a melhor época, em todos os níveis: físico, técnico e mental."
Os pés no Europeu com os olhos em Paris 2024
Patrícia se prepara para mais um Europeu Adulto de judô, em Zagreb, na Croácia, entre 25 e 27 de abril. O evento soma pontos para o ranking Olímpico da modalidade, que se encerra em 23 de junho e será publicado pela Federação Internacional (sigla IJF em inglês para International Judo Federation) dois dias depois, em 25.
“Não paro de pensar em Paris desde o dia que passou Tóquio”, confessa.
Ela é inspirada por pessoas resilientes. “Nas que eu vejo passar por momentos difíceis e continuam a batalhar. Não só no judô”, afirma. Por isso não se cansa do trabalho dentro e fora dos tatames, que são percebidos nos resultados que têm obtido.
Não é equivocado afirmar que tudo isso se reflete na equipe feminina lusa. Afinal, uma atleta acaba por incentivar a outra, trabalham quando é preciso e divertem-se quando possível. Patrícia concorda que o bom ambiente de treino tem levado a uma maior produtividade e, consequentemente, a pódios e mais medalhas. No fim de março, por exemplo, Taís Pina – de apenas 19 anos - foi prata na categoria até 70kg no Grand Slam de Antalya 2024, na Turquia.
“Já deixamos de ser um rodapé", diz Patrícia sobre a cobertura do judô feminino português. "Sim, já aparece uma imagem grande nas notícias. Já temos às vezes direito a uma página maior. Nos jornais esportivos tudo tem melhorado bastante mesmo.”
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Viver em dobro, viver com intensidade
Depois de uma temporada 2023 em que tudo ficou mais “alinhado” (como ela diz), entre técnica, mente e o aspecto físico, tudo é possível para a judoca, que não precisou sair da sua pequena cidade natal, Tomar, para ganhar o mundo - um caminho pouco comum no judô português. Inclusive, é a única tomarense a disputar os Jogos Olímpicos tendo como origem o clube local, a Sociedade Filarmónica Gualdim Pais, instituição quase sesquicentenária (147 anos), que tem na música as raízes da sua fundação.
Patrícia não conta apenas com o apoio do irmão, Igor. Seu pai, conhecido no esporte por Jonas, foi futebolista profissional. Durante a entrevista, diversas vezes mencionou a mãe, Teresa, sem se esquecer da avó, que fica emocionada todas as vezes que vê a neta na televisão.
Se ela já diz viver em dobro por conta do trabalho no judô junto ao irmão, é algo que acaba por ser um reflexo da sua personalidade. “Sou muito emotiva e faço tudo muito com o coração.”
Emoção, mais coração, sugere intensidade. Talvez esta seja uma palavra que pode defini-la, que é nítido quando perguntada o que quer para o futuro: “Quero ser um exemplo para os mais novos, sempre tento levar meninas para o judô do clube, não para ser uma ‘Patrícia’, mas é para ter meninas no judô, guerreiras. Gostaria muito disso.”
Antes de ir embora, perguntamos para ela o que a modalidade representa para a sua vida. Ela, assim, terminou: “[O judô] parece que era o rumo que a minha vida tinha que tomar. Nasci para isso, não de uma maneira que sou mesmo boa fazendo, mas é o que me faz feliz é o que eu me vejo a fazer, que faz me sentir realizada.”