Como treinar para o nado artístico, segundo a técnica da Espanha Mayuko Fujiki
Equipe espanhola conquistou sete medalhas na competição em Fukuoka sob o comando da treinadora japonesa, que explicou ao Olympics.com os métodos que geraram esse resultado.
O Japão praticamente se tornou a nação irmã da Espanha no nado artístico.
Talvez uma melhor definição seja amuleto da sorte - embora o sucesso nesse esporte esteja ligado mesmo é a muito trabalho: sucessão de repetições de movimentos, de horas dentro e fora da água, de ouvir a mesma música por diversas vezes sem que nenhuma delas seja a última.
O nado artístico é tão sinônimo de perfeição e sincronia para o Japão quanto é para a Espanha.
No Mundial de Esportes Aquáticos Fukuoka 2023, a Espanha obteve seus melhores resultados no nado artístico em toda a história da competição, terminando em segundo lugar no quadro de medalhas da modalidade (atrás das japonesas, é claro) com sete medalhas, entre elas o inédito ouro na rotina técnica por equipes.
“Não acho que [este sucesso] seja uma surpresa porque trabalhamos há cinco anos com foco no progresso em cada competição”, disse Mayuko Fujiki, treinadora e coreógrafa da Espanha ao Olympics.com em uma entrevista exclusiva.
“Antes de ir para este Mundial já sabíamos que poderíamos conquistar medalhas. Essas medalhas não são uma surpresa, mas falta mais uma etapa para Paris porque temos os próximos Jogos Olímpicos como uma meta muito grande. Neste Mundial de Esportes Aquáticos, ganhamos muita energia para continuar mais um ano para Paris," completou Fujiki, que é japonesa.
De volta ao seu país natal, ela levou a Espanha a ficar entre os melhores da modalidade com os próximos Jogos Olímpicos à frente, mas antes de retomar o treinamento com esse objetivo em mente, Fujiki conversou com o Olympics.com para explicar seus sistemas de treinamento e o caminho que a Espanha seguirá rumo a Paris 2024.
Veja a semana de treinos da equipe espanhola de nado artístico
O programa abaixo descreve uma semana de pico de treinamento, tendo como referência as duas semanas anteriores ao Mundial de Esportes Aquáticos Fukuoka 2023. Após essa quinzena, a carga física diminui.
Mayuko Fujiki divide seu dia em duas sessões de treinamento: uma de manhã e uma à tarde. A cada cinco (duas na segunda, duas na terça e um na quarta; e duas na quinta, duas na sexta e uma no sábado), as atletas não trabalham na piscina, para descansar.
Entenda abaixo como é uma semana típica de treinos da seleção espanhola de nado artístico:
Segunda e terça-feira
Sessão da manhã
- 7h30: começam os treinos dos nadadores em dupla e solo: uma hora de treinamento fora da água e três horas dentro da piscina.
- Imediatamente depois, a equipe chega. O seu programa de treino é normalmente de cerca de meia hora de acrobacias, 45 minutos de treino fora da água e cerca de três ou três horas e meia dentro da piscina.
Sessão da tarde
- Treino da equipe: em torno de três horas e meia ou quatro horas na piscina.
- Em seguida é feita uma atividade de recuperação, como um banho frio.
Quarta-feira
Sessão da manhã
- Programa semelhante ao das sessões de segunda e terça-feira pela manhã.
Sessão da tarde
- Descanso [sem treinamento na piscina]. "Nesta pausa não caímos na água, mas aproveitamos a chance para fazer algum trabalho fora, sessões de vídeo...".
Quinta e sexta-feira
- Programa semelhante ao das sessões de segunda e terça-feira, tanto pela manhã quanto à tarde.
Sábado
Sessão da manhã
- Uma hora de treinamento fora da água
- Quatro horas de treinamento dentro da piscina
Sessão da tarde
- Descanso [sem treinamento na piscina]. “Geralmente no sábado tentamos fazer coisas diferentes porque a quinta sessão é sempre mais complicada [pois a concentração diminui devido ao cansaço]”.
Domingo
- Dia de descanso: folga
O que é o treinamento fora da água no nado artístico?
O treinamento fora da água no nado artístico normalmente consiste em repetições da rotina, mas fora da piscina. Geralmente, os movimentos dos braços e as expressões faciais permanecem os mesmos que na água, mas os movimentos das pernas também são realizados acompanhados de gestos com as mãos.
“O treino fora da piscina é muito importante, principalmente para as equipes. Eles servem para aperfeiçoar os detalhes dos movimentos, pois na água demora mais para chegar no ponto exato de sincronização”, explica Fujiki.
Por exemplo, ao fazer uma diagonal, no treinamento seco a distância entre os nadadores é calculada para atingir a forma desejada. Para realizar a mesma diagonal na água, os fatores considerados incluem exatamente qual ponto você deve ver na touca do parceiro que está imediatamente à sua frente.
A rotina fora da água também serve como aquecimento e costuma ser repetida uma última vez antes de mergulhar na piscina em uma competição.
A importância do descanso no nado artístico
Em uma modalidade em que a repetição de movimentos e figuras é vital, exigindo muitas horas de treino, com o consequente cansaço físico e mental, Fujiki vê o descanso tão necessário como o treinamento em si.
"Descansar é importante, e acho que isso mudou porque na minha época as pessoas pensavam mais em treinar do que em descansar. Agora sabemos que, sem descanso, a qualidade do treino mental e físico cai", diz Fujiki, que conquistou o bronze como atleta do Japão no então chamado nado sincronizado em Atlanta 1996.
Espanha quer mais medalhas em Paris 2024
De modo geral, Fujiki planeja as competições seguindo o ciclo Olímpico, a competição mais importante para sua equipe. Levando em conta o momento da sua realização, as metas são planejadas em torno das competições restantes.
Um exemplo disso é o Campeonato Mundial de Doha 2024, que servirá como classificatório Olímpico para o nado artístico em Paris 2024.
“Doha 2024 é um Mundial, mas na minha cabeça é como se fosse uma Eliminatória Olímpica porque nosso maior objetivo lá é a classificação para os Jogos”, comentou a técnica da Espanha. "Em Doha, nosso foco será nas rotinas livre e técnica por equipes, e nas duplas técnica e livre, porque o mais importante é conseguir a vaga para os Jogos.
Outra consideração são as mudanças que podem ocorrer na equipe. Por exemplo, desde que Fujiki voltou à seleção espanhola em 2018 – tendo primeiro treinado a Espanha para obter duas medalhas de prata Olímpicas em Pequim 2008 – o primeiro objetivo era formar uma base para se classificar para Tóquio 2020 e lutar pelas medalhas em Paris.
"Em Tóquio, meu objetivo não era ganhar medalhas, mas construir e ganhar confiança como equipe. Se conseguirmos a vaga para Paris 2024 em Doha, vamos lutar pelas medalhas nos Jogos porque acho que estamos no top 4. A intensidade da competição é máxima. Todos os países poderão ganhar medalhas, mas vamos com tudo pensando nesse objetivo em Paris 2024”, afirmou.
Como o sistema de treinamento muda na preparação aos Jogos?
Além de os Jogos serem o maior objetivo para Fujiki e sua equipe, eles têm demandas únicas que devem ser consideradas.
"Os Jogos Olímpicos são uma competição muito diferente", disse Fujiki. "Por exemplo, não podemos trocar os nadadores da equipe da rotina técnica e da rotina livre. No Mundial, podemos. Portanto, no Mundial temos um nadador substituto na técnica e outro na equipe livre. Então podemos garantir dois nadadores apenas focados em uma rotina de equipe diferente. E o mesmo acontece com a dupla. Mas nos Jogos só podem ser oito nadadores no total. Isso significa que o treinamento muda um ano antes porque os mesmos oito nadadores têm que fazer tudo."
O que separa os melhores no nado artístico dos demais?
Trabalhar os elementos técnicos, acrobacias, impressão artística e dificuldade para conseguir uma sincronização perfeita de uma equipe – tanto entre os nadadores como com a música – e com o objetivo de mostrar a melhor rotina possível, não é algo que seja possível sem gastar horas e horas de tempo e esforço.
Levando isso em consideração, Fujiki traz outro fator que diferencia os melhores do mundo. "A personalidade faz a diferença entre os nadadores", revela. "No nosso esporte não se mede o tempo, não importa quem consegue levantar mais quilos. Não somos números, mas um esporte que é avaliado e, portanto, o que as outras pessoas pensam da sua personalidade é muito importante."
"Para mim, os melhores atletas do nado artístico são pessoas humildes, mas um pouco irritadiças também - mas eles só mostram essa parte de si mesmos quando é necessário, durante a rotina de três minutos. No resto do tempo, esses nadadores são humildes: ela agradece aos treinadores, ajuda outros países, pensa muito na sua equipe... este tipo de atletas chega sempre ao topo."
Como crescer como treinador, por Mayuko Fujiki
Medalha de bronze em Atlanta 1996 pela equipe do Japão, Mayuko Fujiki já disputou outros cinco Jogos como técnica de diversas seleções: Atenas 2004 (duas pratas pelo Japão), Pequim 2008 (duas pratas pela Espanha), Londres 2012 (Estados Unidos), Rio 2016 (duas medalhas de prata pela República Popular da China) e Tóquio 2020 (Espanha).
Mas, embora sua vida tenha sido totalmente ligada ao nado artístico, Fujiki também busca inspiração em outros esportes como treinadora.
"Adoro conversar com treinadores de outros esportes porque acho que podemos aprender muito uns com os outros e ter um ponto de vista mais amplo. Costumo ir a jogos ou competições de outros esportes, mas para olhar para os treinadores, não para o que está acontecendo dentro de campo de jogo. Presto atenção em como eles se comunicam em campo, como falam com seus atletas... isso é muito importante de aprender porque a gente não tem um livro sobre como ser treinador, mas a gente aprende através experiência", diz ela.
Embora não haja um manual, Fujiki lê livros de treinadores e tem uma referência principal: "Onze Anéis: a alma do sucesso, de Phil Jackson. "Não apenas porque ele é um treinador muito bom", comenta Fujiki sobre o homem que levou seus times de basquete, incluindo o Chicago Bulls, para um recorde de 11 títulos da NBA, "simplesmente presto atenção em como ele anda ou como ele aborda um jogador que está na quadra ou que lugar ele se dá dentro da equipe durante as entrevistas. Até aspectos de sua vida pessoal também."
"Você passa a maior parte do dia com seus atletas e acho importante aprender como os outros treinadores fazem, como tratam seus atletas, os resultados de suas partidas ou competições não são tão relevantes para mim. Quero ser esse tipo de treinadora [que partilha valores positivos com os seus atletas]."
E seu objetivo está em constante progressão.
Não tem limites - como a equipe que ela orienta no momento.