Juliana Viana orgulha o Piauí, potência nacional do badminton
Os Jogos Olímpicos representam o topo do esporte. É a elite só alcançada graças a uma grande dedicação. O Piauí sabe bem disso, ao colher os frutos de um trabalho de excelência. O estado nordestino abraçou o badminton, uma modalidade pouco usual no Brasil. Deu certo. Nos últimos anos, os clubes piauienses brilham no cenário nacional e seus atletas representam o país em competições internacionais. E o ápice se notará em Paris 2024, através de uma filha ilustre: Juliana Viana, de Teresina para o mundo aos 19 anos.
Juliana disputará o torneio feminino de simples do badminton, por ser a 47ª no ranking mundial. Poderá honrar suas raízes e muito mais. “Vou fazer questão de deixar isso bem claro em entrevista, sempre levar o nome do meu estado. E representar também todo o Brasil, porque a bandeira vai estar no meu peito. Vou ter que fazer o melhor, porque, afinal de contas, muitos olhos não vão saber meu nome, mas vão saber que é do Brasil. Representar bem o Brasil vale muito a pena e é uma honra enorme, imensa”, contou, ao Olympics.com.
A presença de Juliana Viana nos Jogos Olímpicos recompensa as duas décadas de investimento do Piauí no badminton. Teresina oferece ótimas estruturas e revelou vários destaques da modalidade no país. Enquanto isso, a jovem também precisou de abdicação. Após praticar o esporte em seu estado até os 12 anos de idade, ela morou por mais de três anos na Espanha. Ficou longe da família e sequer pôde comemorar seus últimos aniversários em casa. Paris 2024, assim, também representa uma vitória pessoal.
“Representa para mim, Juliana, uma superação”, conta. “São todas essas renúncias que eu fiz desde pequena, e muitas vezes sem saber o porquê, sem saber o motivo, e o motivo chegou bem claro: essa classificação. Eu faria 1001 vezes, eu passaria 1001 outros aniversários longe deles para receber essa notícia, porque não é só para mim. Meus pais vão estar na quadra comigo, o Brasil vai estar comigo, o estado, o clube, vai estar todo mundo representado ali. Não vou jogar sozinha.”
E se o badminton ainda é um esporte relativamente pouco conhecido no Brasil, que Juliana precisa explicar como “peteca e raquete” aos curiosos que a veem com o uniforme da seleção, a atleta Olímpica tem uma mensagem maior a transmitir: “Espero que muitos jovens que estão começando, com essa minha classificação e com essa minha participação nas Olimpíadas, consigam ter esse gás de não desistir. Ainda mais os que vieram de onde eu vim. Porque, se eu vim de lá e hoje em dia estou aqui, eles também conseguem.”
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Os primeiros contatos com o badminton
O esporte entrou na vida de Juliana Viana desde cedo. Os primeiros contatos aconteceram em seu próprio bairro em Teresina, o Monte Castelo, onde há um centro esportivo e cultural. A menina se dedicava de início ao balé, até se encontrar com o projeto do badminton desenvolvido no Piauí. Tinha seis anos quando resolveu trocar as sapatilhas pela raquete.
“Meus pais gostariam que eu fizesse algum esporte diferente e coincidiu que tinha o badminton ali nesse centro esportivo. Eu testei e desde o primeiro dia já deixei o balé de lado, foquei somente no badminton”, contou. Balé e badminton até possuem seus pontos comuns em relação à flexibilidade, mas as exigências mudavam bastante, sobretudo em relação à força física: “O badminton é um esporte muito complexo, um dos mais complexos que eu já vi. Envolve muitas outras coisas que no balé eu não tinha noção.”
O apoio que tinha da família fez Juliana perseverar no badminton. Joelma e Moacir, seus pais, não praticavam esportes, mas incentivavam a filha nos estudos e nas atividades físicas. Outra motivação vinha da própria vizinhança.
“Na minha rua, todas as crianças da minha idade praticavam algum tipo de esporte. Isso me incentivou muito. É muito legal hoje em dia olhar para trás, porque essas mesmas pessoas até hoje praticam algum esporte. Significa muito”, relembrou. “Não era uma coisa de criança, sabe? Realmente nós levamos muito a sério e todos conseguimos crescer em conjunto. Claro, cada um com seu objetivo, com seu esporte diferente, tomando rumos diferentes, mas com o esporte sempre nas nossas vidas.”
A importância de estar no Piauí
Juliana Viana aproveitou muito bem a cultura esportiva ao redor do badminton que se construiu no Piauí. O clube Joca Claudino Esportes foi criado em 2012 e se tornou referência da modalidade em todo o país. O trabalho do esporte piauiense auxiliou o desenvolvimento da garota desde cedo e possibilitou oportunidades.
“Dos meus seis aos 12 anos, eu treinava lá [no Piauí], então eu conseguia perceber o peso que o badminton tinha para o nosso estado. Até hoje o badminton é muito bem falado no estado inteiro, sempre trouxe bons resultados. Isso desde sempre, sabe? O clube do Piauí, de Teresina, sempre esteve entre os Top 3 em quadro de medalhas nacionais. Tem uma grande representatividade e um nome muito forte no âmbito nacional”, analisou.
Outro impulso ao estado veio em 2021, com a inauguração do moderno ginásio da Universidade Federal do Piauí (UFPI), ligado à Confederação Brasileira de Badminton (CBBd). “Com esse ginásio as coisas melhoraram muito, porque é um centro de excelência somente para o badminton”, salientou Juliana. “Muitos treinadores de educação física vão lá para estudar o badminton, muitos alunos também para fazer o TCC. Tem muitas pessoas interessadas no badminton, por estar ali do lado da universidade. E atraiu muitos olhares com essa minha convocação, mais uma conquista para o estado.”
Os reflexos do projeto do badminton no Piauí se notam através das medalhas nos torneios nacionais e também pela relevância internacional de seus atletas. Juliana Viana não está sozinha na seleção brasileira. Durante os Jogos Pan-Americanos 2023, eram cinco atletas do estado: as irmãs Sâmia e Sânia Lima, Jaqueline Lima e Fabrício Farias - cujo irmão, Francielton, ainda esteve no Pan 2019. Juliana fala sobre todos eles com carinho e destaca como outros ainda podem surgir, até pelo trabalho do clube Joca Claudino.
“Eu falo que o mais engraçado e, que me enche de orgulho também, é que eu comecei com eles, aos seis anos de idade, e consegui conquistar essa vaga [nos Jogos Olímpicos] ao lado deles também, treinando com eles. Já moramos muito tempo fora de casa e dividir esse momento foi muito especial, porque foi com eles que eu comecei e com eles que eu estou conquistando esse meu grande sonho”, frisa a atleta Olímpica.
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Os desafios de crescer na Espanha
O talento de Juliana Viana extrapolou fronteiras. Logo a atleta entrou em contato com as potências internacionais do badminton, fazendo intercâmbios na Indonésia e na República Popular da China. Em 2016, antes mesmo de completar 12 anos, ela se mudou à Espanha. Seria uma etapa importante de sua vida, e não somente pela vivência num país que levou o ouro de simples feminino na Rio 2016, com Carolina Marín. A mudança também provocou impactos em aspectos pessoais, à medida que criou responsabilidades desde cedo.
“Na minha opinião, me ajudou mais o meu lado como Juliana, do que como atleta mesmo. Claro, eu evoluí, aprendi muitas coisas, mas até um certo ponto. Eu acho que eu consegui amadurecer mais nos três anos e meio que passei lá”, afirma Juliana. “Eu fui muito nova para lá. Não mudaria nada, porque isso só agregou na minha vida. Tudo o que você faz na vida traz consequências, você aprende e vai evoluindo, então isso foi essencial para mim. Só que eu acho que eu poderia evoluir aqui no Brasil o tanto que evoluí lá, sabe?”
“Eu tive também muitos problemas emocionais, de ansiedade, de preocupações. Porque eu era nova, estava lá sozinha, sem familiares, sem nenhum brasileiro do meu lado, então eu tive que ir lidando com tudo ali meio que sozinha ou à distância. Claro que todos que estavam lá me apoiaram muito. Só que tem coisas que você só consegue resolver ou lidar melhor com sua família do lado, com seus amigos do lado”, complementa.
Além da base familiar que encontraria mais perto de casa, Juliana também ressalta como o Brasil dá condições para a evolução esportiva: “Tinha a seleção adulta, a seleção júnior, o Joca [Claudino] também, que tinha um treinamento bom. Não que eu seria convocada para a seleção adulta naquela idade, longe disso. Só que eu poderia ter oportunidades ali mesmo, nacionalmente, eu poderia evoluir e estaria mais próxima de casa nessa idade, trabalhando meu mental pouco a pouco, dando passo por passo.”
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O apoio da seleção que deu confiança a Juliana
Juliana Viana sempre foi muito precoce no badminton, em diferentes aspectos. Seu talento permitiu que queimasse etapas muito rapidamente, a ponto de disputar competições no sub-19 quando tinha somente 12 anos. Algo que, em sua visão, possibilitou chegar aos Jogos Olímpicos com 19 anos - antes de suas próprias previsões.
“Eu comecei muito cedo, realmente, mas porque eu tinha a capacidade para isso. Eu acredito nisso. Não iriam me colocar para jogar no sub-19 e eu sendo sub-13 ou sub-15 porque eles queriam. Eles viram para testar também o meu nível. E isso valeu muito para essas Olimpíadas de Paris 2024, porque na minha mente eu tinha Los Angeles 2028, sabe?”, diz a atleta. “Não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje. Literalmente essa frase que eu estou levando.”
Juliana exalta seu treinador na seleção, Marco Vasconcelos, para lhe dar mais confiança, ao enfatizar o tamanho de seu talento. Segundo Juliana, o técnico foi essencial para evoluir seu trabalho mental: “Aprendi muito mais agora com meu treinador na seleção. Porque basta você acreditar na sua capacidade e no seu potencial. Se você acha que tem capacidade e potencial para jogar na sub-19 ou categorias maiores que a sua e conseguir lidar com isso muito bem, vá.”
Outro ponto importante para Juliana é o autoconhecimento: se respeitar, conhecer as próprias condições, entender os dias bons e os dias ruins. A atleta também diz ter sorte por contar com pessoas mais experientes ao redor na seleção. Aproveita para ouvir e fazer trocas, entendendo melhor como agir dentro e fora de quadra. “Eu venho aprendendo constantemente. Ainda mais que eu só tenho 19 anos, tem muita coisa pra eu aprender. Sabe, está tudo bem, vai aprendendo, vai lidando”, analisa.
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A volta ao Brasil e a inspiração em Tóquio 2020
Juliana Viana voltou da Espanha no final de 2019. A piauiense optou por ficar três meses afastada do badminton. “Eu precisava me reencontrar no esporte. Como eu falei, foi tudo muito rápido. Eu precisava alinhar meus objetivos”, declarou. Não demorou, porém, para que o esporte batesse de novo à sua porta: no início de 2020, aos 15 anos, ela recebeu sua primeira convocação a uma competição pela seleção adulta.
A progressão seria interrompida pela pandemia. Juliana voltou para Teresina e treinou durante um período em casa, antes que a liberação gradual das atividades permitisse retornar ao Joca Claudino. Aquela etapa também seria importante para sonhar. Na seleção, a piauiense treinou com Fabiana da Silva, que esteve depois em Tóquio 2020. A partir do sucesso da colega, a novata percebeu como os Jogos Olímpicos eram palpáveis.
“É uma coisa que me fez brilhar mais ainda os olhos, sabe?”, afirma. “Eu falei: 'Cara, é possível. Elas treinam aqui'. Ela treinava no mesmo lugar em que eu comecei a treinar, em Americana. Por que eu não posso ir também para as Olimpíadas de Paris 2024? Por que não conquistar esse sonho? Se eu estou aqui treinando, basta eu ralar, ter esse objetivo em mente, ser profissional e dar minha vida por esse momento. E foi o que eu fiz”.
Durante o atual ciclo, Juliana Viana se firmou na seleção. Seus resultados internacionais se tornaram cada vez mais relevantes, sobretudo em competições continentais. Também mudou de clube, passando a representar o Paulistano. “Hoje em dia, treinando na seleção adulta com o pessoal e com o meu treinador, o Marco, eu sinto que estou indo muito bem. Até mesmo melhor do que se eu estivesse treinando na Espanha, talvez”, aponta.
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O primeiro Mundial e o primeiro Pan
Juliana Viana viveu um ano especial em 2023. A piauiense disputou o Campeonato Mundial pela primeira vez. Aos 18 anos, era a mais nova do torneio de simples e até venceu sua estreia. Pôde competir ao lado de suas referências, como Tai Tzu-ying e Ratchanok Intanon. “Eu consegui realizar também esse meu sonho, que era conhecê-las e competir no mesmo campeonato que elas. Fiquei muito feliz. Cheguei nesse nível de competir os mesmos campeonatos que meus ídolos, fiquei muito orgulhosa da trajetória que conquistei”, diz.
Segundo Juliana, o Mundial 2023 e o sucesso no Challenge fizeram com que ela percebesse melhor seu alto nível. “Essas conquistas foram as que me fizeram perceber que estava indo no caminho certo. 'Estou evoluindo, não está sendo em vão todo treino e nem nada'”, assinala. E se a piauiense já teve uma grande experiência nos Jogos Sul-Americanos 2022, quando ganhou três ouros (simples, duplas, por equipes), a jovem fez sua estreia nos Jogos Pan-Americanos em 2023. Conquistou o bronze nas duplas, com a conterrânea Sânia Lima.
“Foram meus primeiros Jogos Pan-Americanos e, pra falar a real, a mão treme, a barriga dá uns calafrios a mais. Você tem que realmente saber gestionar as emoções”, conta. “É muito emocionante tudo o que você vive no Pan, tudo. Desde entrar na quadra, desde conquistar a medalha, parece que é tudo muito surreal. Aí você volta para a Vila, está lá do seu lado a Rayssa Leal, Arthur Nory, esses grandes nomes do esporte brasileiro. Você está compartilhando os mesmos uniformes, a mesma vila. É outro clima, realmente.”
Próxima parada: Paris 2024
O próximo passo de Juliana Viana é ainda maior: os Jogos Olímpicos. Vai representar o Brasil ao lado de Ygor Coelho, já um veterano, em sua terceira participação. Nada que intimide a jovem, prestes a completar 20 anos em setembro. Ela quer viver tudo ao máximo: “Se você ver, realmente é tudo muito precoce. Só que eu estou aproveitando a oportunidade de viver tudo isso. Por que não? Por que deixar para 2028? Sendo que o esporte é muito louco. Você se lesiona e nem sente. E pronto, acabou. A cada Olimpíada eu vou focar como se fosse a minha primeira.”
Juliana vê Paris 2024 como o início: “O meu objetivo é passar da fase de grupos, aproveitar a oportunidade de que eu estou lá para jogar com as melhores do mundo. E isso com certeza vai me servir de base para as próximas que eu quero competir. A cada Olimpíada ir aumentando o objetivo, até chegar na medalha olímpica. E melhor ainda se for a de ouro, né? Mas, para essa primeira, eu estou bem com os pés no chão. Vamos aproveitar mesmo cada momento, não só em quadra, mas fora de quadra, porque é um momento único.”
Nos Jogos Olímpicos, Juliana enfrentará na fase de classificação Supanida Katethong, da Tailândia, e Lo Sin Yan, de Hong Kong, China. Representará suas ambições e o apoio da família, assim como a maneira como o badminton do Brasil conquista espaços e se faz cada vez mais respeitado, principalmente no âmbito continental. À medida que o momento da estreia se aproxima, a piauiense dimensiona melhor seu sonho, fruto de todo o seu esforço e de sua paixão pelo esporte.
“Eu não vou mentir, desde pequena falava: 'Ah, claro, eu quero ir pras Olimpíadas'. Mas eu falava porque parece que é o lógico. Quando ia crescendo, ia evoluindo, a cada entrevista que eu dava, 'eu quero para as Olimpíadas' pesava mais, fazia mais sentido para mim. Não era uma coisa que eu dizia, porque sim. 'Ah, maior evento do mundo, claro que eu quero estar lá'. Não, realmente significava algo a mais como atleta, como Juliana.” Um significado que será concreto em Paris.