A épica rivalidade entre Marc Girardelli e Pirmin Zurbriggen mudou a história do esqui alpino, com a dupla dominando a Copa do Mundo de Esqui na década de 1980. O chamado Circo Branco - como a competição é informalmente conhecida - nunca mais foi o mesmo...
Uma disputa sem precedentes
Antes da chegada da sensação austríaca Marcel Hirscher, que se tornou o único esquiador a ganhar oito globos de cristal consecutivos entre 2012 e 2019, a Copa do Mundo masculina passou por diversas eras, marcadas por curtos períodos de dominância, como aconteceu com o italiano Gustavo Thoeni, Ingmar Stenmark (SWE) e Phil Mahre (USA).
Os três, que participaram do circuito nos anos 1970, mostraram sua autoridade no circuito por diversas temporadas seguidas (três para Stenmark e Mahre - e quatro para Thoeni, com uma pausa de um ano entre a terceira e quarta vitórias).
Isso coloca o que aconteceu a seguir, na década de 1980, em contexto. Uma rivalidade lendária nasceu nos primeiros anos. Entre 1984 e 1991, Girardelli e Zurbriggen transformaram a competição anual em uma 'corrida de dois cavalos'.
O austríaco Girardelli, luxemburguês por naturalização, e Zurbriggen, da Suíça, tiveram uma dominância nunca antes vista na Copa do Mundo. Os dois atletas, ambos nascidos em 1963, dividiram tudo que havia para ser ganho, incluindo nove títulos gerais de Copa do Mundo (cinco para o luxemburguês e quatro para o suíço) e 14 títulos nas disciplinas (oito a seis para Zurbriggen).
Eles também compartilharam oito títulos mundiais (quatro cada), terminando no pódio 12 vezes (12 a nove para Girardelli), com um número assustador de vitórias entre eles na Copa do Mundo, 86 no total (46 a 40 para Girardelli).
A única exceção nessa dominância sem precedentes foi justamente no palco Olímpico. Girardelli teve apenas duas medalhas de prata, enquanto Zurbriggen conquistou uma no downhill em Calgary 1988, além de um bronze no slalom gigante no mesmo ano.
Para os que vieram atrás, apenas ficou o lamento de competir na mesma era de Girardelli e Zurbriggen.
'O suíço mais famoso desde Guilherme Tell'
A piada veio de Girardelli, de longe o mais extrovertido dos dois (Zurbriggen, que veio de Valais no sul da Suíça, falava mais pelos esquis e nos pódios).
"Acho que Pirmin é o suíço mais famoso desde o Guilherme Tell [herói suíço do século 14]", disse Girardelli, cuja carreira foi definida por uma determinação para vencer, custe o que custar.
Girardelli já foi banido da federação austríaca por discordar de métodos de treinamento e começou a treinar sozinha antes de mudar sua nacionalidade para a luxemburguesa. Durante esses anos, ele teve que se virar sozinho e contar apenas com as suas próprias ambições.
Porém, além de Zurbriggen, seu maior rival eram as lesões.
Girardelli sofreu cerca de 20 lesões sérias em sua carreira. Mas elas não o impediram de ganhar quase tudo em disputa e de frustrar as ambições de seu rival, que ganhou sua primeira Copa do Mundo em 1984 - apenas o segundo título da Suíça, seguindo Peter Lüscher.
Rivalidade formou esquiadores completos
A disputa entre os esquiadores chegou ao auge no Mundial de 1985 em Bormio, Itália, onde Girardelli deu tudo de si para 'colocar água no chope' da nova sensação dos alpes, Zurbriggen, que havia conquistado o último globo de cristal geral.
Em Valtellina, o suíço ganhou o downhill e as provas combinadas e terminou em segundo no slalom gigante - prova em que derrotou Girardelli, medalha de prata no slalom.
O maior sucesso de Girardelli veio na Copa do Mundo, na qual ele ganhou 11 títulos em várias especialidades.
Dois esquiadores completos - provavelmente os melhores da história - nasceram da competição direta. Zurbriggen era melhor no slalom gigante e na velocidade, enquanto Girardelli, que era forte no slalom no início da carreira, virou um excelente esquiador de downhill anos depois - ganhando duas provas icônicas do Circo Branco (Kitzbühel e Wengen).
Idas e vindas no Circo Branco
Determinado a reaver a coroa, Zurbriggen, sempre foi muito apetite para vingança, retornou para dominar a competição geral por dois anos seguidos, de 1987 a 1989. Uma queda forte de Girardelli no downhill em Laax contribuiu para isso, contribuindo para seu desempenho na disputa geral.
Esses foram os anos de glória de Zurbriggen, que em duas temporadas subiu em 25 pódios. Girardelli, por outro lado, não conseguiu atender as expectativas nos Jogos Olímpicos de Calgary 1988. Ele ficou em nono no downhill e vigésimo no slalom gigante, terminando fora do super-G.
No entanto, em 1988/89, Girardelli fez uma obra-prima quando, em janeiro, ganhou seis provas em nove dias em todas as disciplinas na Copa do mundo, virtualmente colocando as duas mãos no globo de cristal.
A temporada seguinte viu o último sucesso de Zurbriggen na Copa. Com nove pódios, (seis vitórias com duas provas clássicas: o downhill de Saslong em Gardena e, pela terceira vez, a prova combinada de Kitzbühel), ele venceu quarto e último globo de cristal geral.
Girardelli em busca da medalha
Em 12 de dezembro de 1989, em Kandahar Banchetta-Sestriere, na Itália, Girardelli teve uma queda no super-G e sofreu uma lesão no rim que causou uma grave hemorragia interna.
Sua temporada acabou ali. Mas não foi o fim de sua carreira, de forma alguma.
Em 1990/91, Girardelli, naquela época já sem o rival Zurbriggen em ação (o suíço havia se aposentado), resistiu ao desafio do jovem Alberto Tomba para ganhar sua quarta Copa do Mundo.
Motivado para conquistar o ouro Olímpico que faltava, já veterano, Girardelli continuou ativo no Circo Branco por mais seis temporadas.
Ele não conquistou a medalha em Albertville 1992 ou Lillehammer 1994, mas chegou ao quinto globo de cristal da Copa do Mundo em 1993 - um recorde que perdurou até a chegada do 'canibal' austríaco Marcel Hirscher.