Mariana Pistoia se prepara para estreia Olímpica na esgrima em Paris 2024 pensando 'sempre no agora'
Mariana Pistoia é a nova cara da esgrima brasileira rumo a Paris 2024. Oito anos depois de estar na Rio 2016 como espectadora, vendo o Brasil conquistar os melhores resultados de sua história no esporte, ela está prestes a fazer sua estreia em Jogos Olímpicos, no florete feminino. A gaúcha intensificou sua preparação e disputa nesta semana o campeonato pan-americano de esgrima, em Lima, Peru, que acontece entre 25 e 30 de junho.
A vaga Olímpica veio com muita garra e luta. Depois da decepção de ter sido ultrapassada no ranking, ela precisou disputar o Pré-Olímpico na Costa Rica, onde teve problemas físicos na final. Mesmo jogando com cãibra pela primeira vez na vida, conseguiu vencer um duelo acirrado e obter uma vaga a Paris 2024.
O pan-americano de esgrima definirá o ranqueamento dos esgrimistas para os Jogos Olímpicos Paris 2024, que serão então sorteados em pares no chaveamento. Após o Pan, a atleta de 25 anos retorna a Porto Alegre e também passará por um estágio de treinamento na Polônia antes de ir para a França.
Nessa reta final de torneios, Pistoia ainda precisou fazer uma parada forçada na Itália entre competições do circuito internacional, em meio à tragédia climática no Rio Grande do Sul, que começou quando ela estava em Hong Kong, China. “Todo dia quando eu acordava, a primeira coisa que eu fazia era olhar as notícias, falar com minha família”, relembrou a atleta do GNU.
No dia 28 de julho ela entra na pista do icônico Grand Palais, um dia depois de Nathalie Moellhausen disputar a prova da espada. No dia seguinte, 29, já após sua competição, ela disse que quer assistir o amigo Guilherme Toldo no florete masculino já sem a pressão da performance. E depois, ela, fã de outros esportes, revelou um outro sonho Olímpico: assistir Rafael Nadal e Carlos Alcaraz jogando duplas no torneio de tênis.
Em entrevista ao Olympics.com, ela falou do seu início na esgrima, o que ela fez de diferente em 2023 em busca da vaga Olímpica, como aprendeu a “pensar sempre no agora” e lidou com a matemática dos pontos no ranking rumo aos Jogos, a cãibra que a assolou na final do pré-Olímpico e a ajuda fundamental de Gabriela Cecchini, sua antiga companheira de equipe e medalhista em Mundial cadete.
Início em outros esportes antes de chegar na esgrima
Quando criança, Mariana Pistoia fez vários esportes no Grêmio Náutico União, tradicional clube de Porto Alegre, que ela defende até hoje. Ela experimentou natação, ginástica e até hipismo, antes de se apaixonar pela esgrima. Inicialmente seguindo os passos do irmão e do primo, Marco Xavier - hoje técnico no Clube Athletico Paulistano e da seleção de esgrima em cadeira de rodas -, Mariana começou com 11 anos. Em um ano já estava competindo em torneios estaduais e nacionais.
“Foi bem difícil, porque eu era muito ansiosa. Dificilmente dormia, passava a noite inteira em claro e também não estava com os meus pais, dividia quarto com outras pessoas, com medo de atrapalhar, etc”, contou. Ela começou um acompanhamento psicológico e aprendeu a lidar melhor com as emoções. “Desde pequena eu já era bem competitiva, toda vez que eu perdia eu chorava. Não que agora seja tão diferente assim, mas tem vez que a gente controla”, brinca.
A primeira vez que assistiu esgrima foi quando João Souza participou dos Jogos Olímpicos Beijing 2008. O floretista gaúcho, também do GNU, havia conquistado bronze nos Jogos Pan-Americanos Rio 2007, quebrando um jejum desde 1975. Em 2012, ela também acompanhou a estreia de outro amigo de clube, Guilherme Toldo, em sua primeira participação Olímpica.
“Na Rio 2016, fui eu, meu irmão e minha mãe, assistimos esgrima. Foi super legal. Só assistimos esgrima. Me arrependo um pouco (não ter ido a outros esportes), mas na época eu era criança, tinha aula, e valeu completamente a ida”, relembrou.
Mariana conta que o momento mais marcante foi quando viu Toldo chegar nas quartas de final. Até hoje, é o melhor resultado até hoje para a esgrima de Nathalie Moellhausen, na espada feminina. “Foi um resultado histórico para o Brasil e também para minha arma, para o florete, meu treinador (Alexandre Teixeira, o Tex), meu clube. E a atmosfera, foi muito legal participar disso. Estar lá vendo ele jogar um altíssimo nível de esgrima e ver ele ganhar de outros atletas super fortes foi bem motivador”, explica Mariana, que vê no amigo até hoje como uma inspiração e apoio.
Um 2023 focado na esgrima
Este ciclo Olímpico não foi fácil para Pistoia, que se formou em direito em 2022, e agora faz uma pós-graduação. Após muita dedicação para o TCC e estágio, além de prova para OAB, ela chegou a procurar trabalho na área, mas todos empregos que ela conseguia exigiam emprego 100% presencial, algo incompatível com a vida de viagens que uma atleta leva.
Desta maneira, ela fez um pacto consigo mesma: se dedicar à esgrima ao máximo em 2023. “Comecei a fazer em 2022 um treino físico, que sinceramente, eu sequer fazia mais. Foi quando eu me formei e tinha a manhã livre. Isso foi muito bom, eu vi a diferença e me ajudou muito na esgrima”, revelou.
Com os resultados, veio a confiança também. Ela se classificou para os Jogos Pan-Americanos Santiago 2023, segunda participação de Pistoia, mas pela primeira vez na disputa individual. “Foi bom que eu já tivesse uma outra participação, mesmo que fosse na prova por equipes, para não ficar tão nervosa”, comentou. Pistoia revelou ainda que a medalha de bronze, conquistada no Pan, não era o objetivo principal.
Durante o ano de 2023, ela passou a ter participações regulares no circuito mundial e chegou a liderar a briga por uma cota Olímpica pelo ranking da Federação Internacional de Esgrima (FIE). Sem considerar atletas dos EUA e Canadá, que estavam em boa posição na corrida por equipes, a melhor atleta do continente iria receber uma vaga individual para Paris 2024 e essa era a prioridade de Pistoia.
“Se eu tivesse que escolher entre classificação Olímpica e Jogos Pan Americanos, ia focar na classificação. Então acho que, por um lado, foi bom que essa competição não foi tão pesada para mim. Eu queria ter o melhor resultado possível, mas não era algo que eu pensava toda noite”, revelou a medalhista pan-americana.
Mariana Pistoia e as muitas contas pela vaga Olímpica
Por outro lado, o nervosismo da vaga Olímpica a acompanhou do início ao fim. “Eu nunca fui a pessoa de fazer conta, sinceramente. Primeiro, porque eu não sei. Segundo porque eu tenho o Tex que faz essa parte para mim e acho que não adianta nada eu fazer a conta”, comentou. Ela liderou até a Copa do Mundo de Novi Sad, na Sérvia, quando a chilena Arantza Inostroza teve um bom resultado e a ultrapassou. “Eu sabia que eu estava na frente, e soube em dezembro quando ela me passou, mas não sabia a quantidade de pontos”, explicou.
Ela confessou que o resultado a desestabilizou no resto da temporada. “Não é que eu não confiasse no meu potencial, mas eu não esperava que eu liderasse a corrida ali no começo. Quando alguém me passou pela primeira vez, eu não tinha passado por isso ainda e acho que eu meio que enlouqueci quando isso aconteceu” admitiu Pistoia.
“Depois foi bem difícil (controlar). Os resultados caíram bastante. Acho que eu realmente senti mais a pressão. Tinha ficado nervosa, mas as coisas estavam dando certo. Mas quando tu fica nervosa e as coisas não estão dando certo é bem difícil. Tu te vê chegando bem perto do que tu queria e acaba perdendo aquilo”, completou.
Além disso, ela precisava trilhar simultaneamente dois caminhos na esperança de chegar a Paris. Além de brigar por pontos no ranking internacional, ela precisava também se garantir como a melhor colocada do ranking nacional, cuja pontuação inclui, além dos torneios internacionais da FIE, uma série de competições no Brasil. No final do ano, Pistoia se viu indecisa entre quais torneios priorizar.
“Essa foi a parte mais estressante, até porque não existe resposta certa. A última competição nacional de 2023 foi o Campeonato Brasileiro em Porto Alegre. Basicamente era a competição que definiria quem ficava em primeiro no ranking brasileiro e eu tinha que ganhar. Junto com essa competição tinha um torneio nível satélite (em Tashkent, Uzbequistão), que era importante porque tinha poucas pessoas inscritas. Só que o satélite só pontua os oito melhores. Com o nível de estresse e a viagem, não era certo que eu teria um bom resultado e eu não queria perder a chance do pré-olímpico”, relembra a floretista.
Depois de muitas conversas com o técnico e outras pessoas próximas, ela optou por jogar o Brasileiro, no qual ganhou e sedimentou sua posição como líder do ranking nacional. “Por pouco eu não fui jogar aquele satélite e é assim o ano todo, repleto de decisões, né? Teve vários nacionais que eu acabei não jogando como gostaria porque tinha participado de uma competição internacional na semana anterior e me cansei horrores”, revelou Pistoia.
“Meu ano de 2023 foi resumido a jogar muitas competições, muito mais do que eu tinha jogado em toda minha vida e ter que performar 100% delas, porque todas elas impactaram de alguma forma minha possibilidade de classificação Olímpica que era a única coisa que me importava em 2023, sinceramente”.
Uma preparação especial para o pré-Olímpico
Depois do Grand Prix de Washington, último torneio válido pela corrida Olímpica, Mariana Pistoia teve apenas duas semanas para virar a chave e se preparar para a última chance de ir a Paris 2024. “Isso é pouco né, ainda mais para absorver toda a frustração. Confiar em mim de novo e saber que era possível, mesmo nunca tendo jogado essa competição”. Ela explicou que fez um treinamento específico para a competição.
“Fiz estudo técnico, tático e comportamental de todas as adversárias. Treinei isso em aula com o Tex todo dia, fazia psicóloga mais de uma vez por semana”. Mas mesmo com toda a preparação, ela encontrou muitos desafios inesperados ao chegar na Costa Rica. “Me deparei com um calor absurdo que eu não esperava. A poule foi bem ruim… mas eu tinha me preparado com a psicóloga que teríamos imprevistos”, comentou.
Ela entrou muito nervosa e perdeu os três primeiros jogos, no qual o jogo estava “completamente travado”. “Eu pensei em usar a poule só para soltar meu jogo, mas de repente me afetou porque pensei ‘preciso ganhar o jogo, daqui a pouco vou cair na poule’”.
Guilherme Toldo tinha dado um conselho que nem a poule e nem a chave importava, porque ao final, só uma vaga estava em jogo. E foi isso que a ajudou a manter o foco. Ela ainda estava muito nervosa na vitória diante da porto-riquenha Gabriela Padua, e se preparou para enfrentar a jamaicana Yasmin Campbell que passou em primeiro lugar na fase de grupos ganhando, inclusive, de Pistoia por 5 a 0.
“Ela vai achar que ela é a favorita”, pensou Mariana. “O resultado (na poule) foi mais porque eu não tinha jogado nada e por mais incrível que pareça eu estava bem tranquila. Aí acho que consegui fazer um bom jogo e acho que ela perdeu um pouco a cabeça”, comentou sobre sua vitória por 15/9.
Já na semifinal contra a colombiana Tatiana Prieto, a confiança de Pistoia voltou, mas aí começaram também os problemas físicos que quase botaram fim ao sonho Olímpico. “Comecei a ter cãibra, primeiro na mão, estava um pouco ruim para segurar o florete”. Portanto, ela teve que mudar a estratégia no meio do confronto. “Pensei que não adiantava nada eu ganhar e perder a final. Então tentei me poupar um pouco, sem ficar apertada no placar e sofrer, mas sem gastar toda minha energia”, lembrou do triunfo por 15/8.
As cãibras no jogo mais importante da vida de Mariana Pistoia
Mariana Pistoia lembrou que a final é “um jogo completamente a parte de tudo no pré-Olímpico, porque tudo que você fez ali no dia não interessa”, avaliou. Apesar de já estar tranquila, Pistoia confessou que o nervosismo voltou e no primeiro ponto já sentiu cãibra na panturrilha esquerda durante o primeiro ponto. A gaúcha precisou usar o tempo médico logo no começo e precisou competir boa parte do jogo com cãibra.
“Não lembro de nenhuma vez ter jogado com cãibra”, revelou e novamente ela precisou mudar completamente o jogo. “Eu sabia que eu tinha que atacar ela, porque se eu deixasse ela me atacar, não conseguia sair muito pra trás”, revelou, salientando que precisava do toque de forma rápida, “porque minha perna estava doendo tanto que eu não conseguia voltar do afundo”, fazendo referência ao movimento ofensivo no qual o esgrimista alonga a perna e se aproxima rapidamente do adversário.
“O último toque foi mais ou menos isso”, lembrou. O último toque, na verdade, precisou ser dado duas vezes. “Eu tinha fortes certezas que era meu, mas o árbitro não deu e não fiquei pensando nisso”,comentou. “Às vezes, dentro da pista tu tem uma sensação que o toque é teu, mas de fora, tem uma outra visão, Às vezes você deu uma parada e atrasou o tempo (do movimento). Não dá pra ter 100% de certeza”, ponderou.
Depois de voltar a Porto Alegre, Pistoia disse que ficou com a perna doendo por vários dias - mas com a vaga Olímpica obtida, nada disso importava.
A participação fundamental de Gabriela Cecchini na conquista de Pistoia
Mariana Pistoia teve uma companhia muito especial na conquista da vaga Olímpica: Gabriela Cecchini, medalhista de bronze no Mundial Cadete em 2013.
“A Gabi começou na esgrima lá no GNU e nos conhecemos desde pequena. A gente tem uma relação de amizade muito boa e quando ela saiu da esgrima, para mim foi bem difícil porque sempre dividimos equipe e ela era uma das minhas principais companheiras de viagem, de estágio de treinamento, etc. Eu senti muita falta dela e tinha uma relação boa fora da esgrima também”, lembrou Mariana.
A ida de Gabriela Cecchini para a Costa Rica foi fruto de um acaso. Um torneio nacional estava sendo disputado nas mesmas datas do Pré-Olímpico das Américas. Dessa forma, nenhuma outra esgrimista em atividade estava disponível para ir como sparring. A sugestão do nome de Cecchini foi dada pela psicóloga que atende as duas atletas. “Ela já participou de um pré-Olímpico, tem essa experiência. Isso foi uma semana antes da competição, o clube apoiou e pagou a ida dela e ela fez toda a diferença”, detalhou Pistoia.
Mas o papel de Cecchini foi muito mais complexo do que esse. “Um dia que eu estava nervosa, ela me acalmou. Ela ficou ali me ajudando para tudo que eu precisava. Se eu precisava de comida, ela pegava, quando eu comecei a ter cãibra ela comprou banana, pegava gelo porque tava muito quente. Ela fez tudo, depois a premiação ainda foi minha testemunha no teste anti-doping”, lembrou.
Além disso, Pistoia lembrou que Gabriela também ajudou na arquibancada durante os combates. “Isso faz diferença, você vê que não está sozinha.A torcida é muito reduzida, quem está jogando está focado no seu jogo, quem perdeu está muito triste. Foi muito bom ter a Gabi ali comigo do começo ao fim”, agradeceu Pistoia.
Ela inclusive revelou que não assistiu ao combate entre Alexandre Camargo e Nicholas Zhang, quando Camargo perdeu por 15 a 14 já que entraria na pista logo depois. “Enquanto estava acontecendo a final dele, o Tex estava me reaquecendo, me passando as últimas instruções. Então, eu estava focada ali mesmo”, contou.