A Formula Kite é uma das novas classes no programa da vela para os Jogos Paris 2024. Esta disputa promete regatas muito rápidas e decisões têm de ser tomadas em segundos - algo que não é novidade para Bruno Lobo. Aos 30 anos, o velejador maranhense conciliou uma faculdade de Medicina e o aprendizado no kiteboarding para tentar ser o primeiro representante Olímpico do Brasil na disputa.
A partir desta segunda-feira, ele começa a correr no Campeonato Mundial de Vela 2023, em Haia, nos Países Baixos, de olho em uma das oito vagas disponíveis para os Jogos da capital francesa. Elas serão alocadas aos Comitês Olímpicos Nacionais (CONs) melhores colocados, com o limite de uma vaga por CON, por evento.
Em abril de 2023, Bruno terminou em 11o lugar no Troféu Princesa Sofia, em Palma de Mallorca, na Espanha, em junho foi o nono colocado em um evento em Lelystad, nos Países Baixos, e terminou na quinta colocação no evento-teste para Paris 2024 já realizado na Marina de Marselha, palco dos próximos Jogos.
"A cada competição fui me sentindo melhor, então estou sempre brigando entre o top dez ali. Acho que são alguns detalhes que a gente está trabalhando para chegar e brigar sempre pelo pódio," afirmou Bruno.
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Início na natação e no triatlo por incentivo do pai
Incentivado pelo seu pai, Robson, Bruno sempre gostou de esportes.
"Sempre fui atleta a minha vida toda, meu primeiro esporte mais sério foi a natação. Comecei a competir já desde criança e tinha uma rotina como um atleta profissional mesmo. Claro que eu estudava, mas treinava de segunda a sábado. Às vezes tinha duas sessões de treino de madrugada antes da aula. Meu sonho era ir para a Olimpíada. É o que eu falava desde criança. Eu não sabia em qual esporte representaria o Brasil em uma Olimpíada, mas tinha esse sonho", disse Bruno ao Olympics.com.
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Da natação ele acabou indo para o triatlo e chegou a ter bons resultados, mas uma série de lesões seguidas o atrapalhou. Aos 17 anos, ele preferiu realizar seu segundo sonho: ser médico. Em poucos meses, conseguiu ser aprovado e entrou no curso. Foi aí que o kiteboarding apareceu em sua vida, novamente com o incentivo do pai.
"O kite veio como um lazer. Meu pai quis começar e me chamou também para fazer. Começou como uma brincadeira, foi tomando outras porporções. Com o passar do tempo, vi que levava jeito e comecei a entrar nas competições locais," contou.
Rotina de treinos, estudos e plantões
Entre 2011 e 2017, Bruno teve de conciliar os treinos do kite e a faculdade de Medicina em São Luis. À época, ele morava com os pais e deslocava-se de moto pela capital maranhense para estudar e treinar sempre que tivesse algum tempo.
"Quando a gente ama o que a gente faz, a gente busca dar o nosso melhor, as coisas acontecem. Então o meu tempo livre que eu utilizava, eu procurava no meu tempo livre nem que fosse uma hora para treinar, e o resto tinha pra estudar. Eu dava o meu máximo naquilo, focado e dando 100%, e isso via que estava dando resultado. Então eu falava: "Enquanto conseguir fazer as duas coisas bem feito, vou continuar. As pessoas sempre me veem muito como atleta, eu quero que elas me respeitem também como médico," comentou Bruno, que passou em primeiro lugar na prova de residência na Universidade Federal do Maranhão.
Durante o período de residência, o velejador contou que chegava a passar entre 80 e 90 horas por semana no hospital:
"Realmente é uma carga muito puxada. Tem plantão, cirurgia. Então às vezes eu treinava realmente no horário do almoço, às vezes saía do hospital às 17h e treinava até anoitecer."
Foi em meio a essa rotina puxada que, já consolidado no cenário da Fórmula Kite no Brasil, Bruno acabou conquistando a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Lima, em 2019, o que serviu de incentivo para seguir buscando o sonho Olímpico.
Entretanto, em 2021 ele teve de deixar São Luis e fazer especialização em cirurgia de joelho em São Paulo. A rotina de treinos mudou da praia do Olho d'água, na orla da capital maranhense, para a represa de Guarapiranga.
"Foi um ano realmente desafiador. Fazia minha especialização no Morumbi, ali no Albert Einstein, e ia nos meus horários livres para a represa. Pegava minha moto, carregava até 30 quilômetros, ia treinar na represa e voltava lá por Higienópolis. Então quem conhece la São Paulo sabe dessas distâncias. E tudo isso fazia de moto, deixava meu equipamento na represa e às vezes conseguia treinar umas três vezes por semana. Tinha semana que eu conseguia treinar um pouco mais e às vezes ia na chuva, pegando frio no inverno," afirmou.
Volta a São Luis e foco em Paris
No ano de 2022, após concluir a especialização em São Paulo, Bruno retornou a São Luis, agora como ortpedista, e passou a pensar de verdade na chance de competir nos Jogos da capital francesa.
"Agora vou me permitir dar o meu melhor, dar o máximo que eu puder nesse ciclo olímpico. Eu sei que tem muita viagem, tem treinamento, mas não deixei de conciliar. Eu consegui agora ter muito mais tempo livre do que tinha na minha formação (...) Ainda faço cirurgias e separo alguns horários para a consulta, mas com certeza o meu foco é maior no meu tempo livre para treinar," destacou o velejador, que também foi pai há um ano e meio.
Para o maranhense, a experiência em outros esportes e como ortopedista ajuda muito na sua rotina de treinos e na forma de lidar com as muitas pressões:
"Acho que o esporte desde a infância é algo que é fundamental na formação de qualquer pessoa. Acho que ensina muito a questão da persistência, da resiliência, que muitas vezes a gente não vai ter o resultado que a gente quer, mas a gente tem que continuar trabalhando, acreditando. E com isso a gente vai se tornando uma pessoa realmente com essa vontade."
"A questão do conhecimento da medicina também me ajuda muito no dia a dia. Eu acabo intervindo no momento certo e muitas vezes tratando uma lesão que pode estar surgindo ou uma lesão que às vezes que já se viciou. Nesses últimos anos eu quase não tive lesões, é uma coisa que eu acho que o conhecimento médico me ajuda bastante, e também a parte fisiológica de performance", completou Bruno, que usa sua rede social para postar resultados de competições e também assuntos médicos.
Bom desempenho no evento-teste anima
Bruno Lobo chega para o Mundial de Vela levando na bagagem a experiência de correr em Marselha, onde será realizada a vela em Paris 2024. A quinta colocação serve de motivação para enfrentar novamente muitos de seus rivais diretos nos Jogos, com os quais agora irá encontrar na disputa por uma vaga para seus países na Fórmula Kite.
"[Marselha] é um lugar que testa realmente o atleta mais completo, me senti bem. Eu me senti muito bem lá e acho que foi um campeonato positivo. Espero voltar lá no ano que vem mais bem preparado e brigar por uma medalha. Foram dias maravilhosos," disse.
Entre os principais rivais às vagas e à medalha, o brasileiro aponta o francês Axel Mazella, forte candidato a representar o país-sede na vela ano que vem, o britânico Connor Bainbridge e Maximilian Maeder, de Singapura - que, coincidentemente, formaram o pódio no evento-teste em Marselha.
"Eles são os três caras que realmente estão sendo bem consistentes. Mas temos vários outros atletas aqui que podem também está brigando, a maioria da Europa. Estou andando próximo deles e agora é contuinuar trabalhando para corrigir o que precisa ser corrigido", disse Bruno.
"Ficar brigando entre entre os melhores não é fácil. Realmente a gente tem que estar buscando nosso melhor e corrigir todos esses detalhes. E agora ser o melhor é um passo a mais que a gente está buscando. Meu objetivo aqui é a vaga, depois pensar em pódio," completou o brasileiro.