Vôlei em Paris 2024: Bernardinho e o eterno aprendizado que leva à excelência
“Aprendizado” é uma das palavras mais presentes no vocabulário do técnico Bernardinho. Sua história vitoriosa no vôlei fala por si, com sete medalhas nos Jogos Olímpicos, uma como jogador e seis como treinador. Porém, em sua volta ao comando da seleção masculina, o multicampeão não demonstra a pretensão de ensinar ninguém. O intuito é que tanto ele quanto o restante da equipe aprendam e que esse crescimento possa levar o Brasil de volta às glórias em Paris 2024.
"Eu tive alguns atletas que me chamam de professor. Legal, ótimo, é uma coisa de respeito, pessoas que impactam de alguma maneira na vida da gente. Mas eu sou um aprendiz. O tempo inteiro aprendendo, o tempo inteiro tentando capturar coisas novas", afirmou Bernardinho, ao podcast ‘10 & Faixa’, em maio de 2023. "Eu acho que, no dia em que a gente perde esse espírito de aspirante, esse espírito de eterno aprendiz, a gente começa a cair. O que que eu quero? Eu quero continuar crescendo, melhorando."
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O novo para Bernardinho, neste momento, é retornar a um lugar que ele conhece tão bem: o banco da seleção. A princípio, o técnico dos ouros em Atenas 2004 e Rio 2016 deveria ser apenas coordenador técnico da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV). No entanto, com o pedido de demissão de Renan Dal Zotto por motivos pessoais, ele reassumiu o comando do time masculino no ano Olímpico. Vai tentando aprender caminhos com um grupo que reúne velhos conhecidos e novos pupilos.
O Brasil não teve um desempenho tão impactante no primeiro compromisso de Bernardinho na função, a Liga das Nações de Vôlei (VNL) 2024, com a eliminação nas quartas de final. Entretanto, foram meses importantes para aprender. Pôde se conectar com os jogadores, realizar testes no time, analisar diferentes cenários. O objetivo é que a evolução se concretize em Paris 2024. Não se nega que o comandante tem ferramentas para isso.
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“Dor mais reflexão é igual a crescimento"
A presença de Bernardinho carrega uma aura. Poucos treinadores na história, em diferentes modalidades, possuem um currículo tão vasto quanto o brasileiro. Todavia, o veterano é consciente de que isso, por si, não vai garantir vitórias automaticamente. "Tem uma coisa que o esporte nos ensina: o resultado do passado não te garante nada no futuro", ele mesmo diz, ressaltando como os triunfos trazem apenas “expectativas e responsabilidades”. Neste ponto, entra a humildade do aprendizado constante.
"Eu não tenho mais conhecimento, nem mais sabedoria, sou zero mais brilhante. Eu tenho mais vivência, só. Vivi as experiências mais vezes, então você vai tendo lições, boas ou ruins, mas você vai sempre aprendendo. A única coisa que eu tenho como diferencial é o tempo em que eu estive ali, a história que me trouxe muita experiência. O resto? Não mesmo, não tenho essa pretensão", analisou, em entrevista ao canal ‘Na Nossa Rede’, em outubro de 2022.
Ainda que as medalhas sejam mais lembradas, elas foram forjadas através de suor e o ensinamento adquirido a partir daquilo que não deu certo. "Os erros servem pra alguma coisa: te ensinar", afirma. Em suas entrevistas e palestras, Bernardinho costuma enfatizar a importância da dedicação e da responsabilidade: "Existe uma teoria de um grande investidor que, pra mim, é a base de tudo: dor mais reflexão é igual a crescimento."
"Eu sempre pergunto para as pessoas: pense em um momento da sua vida onde você aprendeu muito. Esse momento que vem à sua cabeça é um momento de desconforto? De um modo geral, esse aprendizado vem de um momento de desconforto, uma derrota, um percalço que você viveu, uma conquista que não aconteceu, um erro que você cometeu - te faz aprender. O que você está vivendo hoje de desconforto é exatamente um momento de aprendizado", comentou, também ao podcast ‘10 & Faixa’.
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O denominador do treinador: gente
Os aprendizados de um técnico não podem se restringir apenas a si. Seu trabalho é bem mais amplo, de atuar interdisciplinarmente com uma comissão técnica e também transmitir às demais pessoas. Até por isso, a habilidade de Bernardinho para liderar e incutir um senso coletivo é reverenciada por tanta gente que conviveu com ele.
"Há um denominador comum em todas as coisas que eu faço: gente. Treinador só trabalha com gente. É treinar pessoas, capacitar pessoas, condicionar pessoas. Para que elas possam entregar resultados", aponta.
Em sua primeira passagem pela seleção masculina, Bernardinho adquiriu conhecimento ao lado de jogadores brilhantes e conseguiu capacitá-los para tantos títulos. Entretanto, não é que o ambiente dos vestiários tenha sido estático. O treinador precisou moldar sua gestão à medida que aprendia com seus atletas: "Eu também ajustei coisas em função daquilo que eles me ensinaram. Você pega um menino que vem da periferia, como o Serginho, ele te ensina tanta coisa do dia a dia... Aprendi demais com todos eles."
Bernardinho inclusive costuma citar uma conversa que teve com Bruninho Rezende em 2015. O treinador elogia o filho muitas vezes por sua inteligência emocional e a capacidade ímpar de liderar. Na referida reunião, o levantador falou como capitão, não como filho, sobre a maneira como era importante ao treinador entender as especificidades da nova geração que chegava à Rio 2016. O papo rendeu ouro. E a lição reverbera nove anos depois, antes de Paris 2024. Bernardinho precisa se conectar com jogadores ainda mais jovens.
"Imagina o seguinte: você é um treinador com muito êxito, muitos títulos no passado. Chega a garotada. Você pensa: 'Ele que vai se adequar à minha forma, afinal eu sou o cara'. Mas será que é assim? Ou eu tenho que me ajustar também? Não nos valores essenciais, mas na forma, para extrair o seu melhor. Então eu tenho que pensar nisso, conexões. Como eu me conecto com um menino que é 40 anos mais novo do que eu", assinalou o técnico, ao podcast ‘10 & Faixa’, ainda em maio de 2023.
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“Bernardinho é um grupo de pessoas”
Logicamente, o trabalho de um técnico de elite não é solitário. O comandante da seleção masculina sublinha que “Bernardinho é um grupo de pessoas”. Seu gerenciamento também parte do staff formado para ajudar os jogadores (e o próprio treinador) a absorverem os ensinamentos de forma mais efetiva.
"Eu tinha treinadores, na minha comissão técnica, muito melhores do que eu na parte mais técnica. Eu sei fazer isso, e fazer bem, mas eles são excepcionais. Eles são especialistas nisso. Pessoas incríveis que têm esse conhecimento. É você combinar essas qualidades e fazer deles o melhor para o seu time. Reconhecer que eles são os caras", afirmou em 2023.
Esse trabalho em conjunto, todavia, não nega um papel do técnico à frente dos demais. A missão essencial é conduzir o grupo e atuar nas relações interpessoais: "Você não pode terceirizar de forma alguma a gestão das pessoas, mas o conhecimento técnico você pode trazer alguém que te auxilie naquilo em que você tem deficiência. A gestão de pessoas você não pode terceirizar se você é o head coach. Você é o líder de pessoas."
E o objetivo da liderança é culminar no desenvolvimento pessoal - que, afinal, é o que gera os resultados. "A cobrança nada mais é do que o reconhecimento da sua capacidade. Eu não vou cobrar de você algo que eu não acredito que você possa fazer”, reflete. “Se você passar uma temporada comigo e você não crescer, não se desenvolver, eu falhei na minha missão. [...] Eu vou ficar em cima, porque eu sou treinador. Eu sou treinador, eu vou treinar você. É o que eu faço, e eu faço com todo mundo."
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O caminho até a nota 10
Ao final da VNL 2024, Bernardinho manteve a ponderação em seu discurso. Se por um lado o desempenho não correspondeu às expectativas normais sobre o vôlei do Brasil, por outro não havia tempo para ficar lamentando. O objetivo era realinhar o trabalho e aprender com os tropeços para chegar mais forte em Paris 2024.
"É duro, é difícil, mas temos que seguir. Poucos dias de folga e voltar a trabalhar. Com inteligência, sem deixar a emoção tomar conta. Tivemos coisas boas, outras não tão boas, e temos que estudar para encontrar os caminhos, a estratégia a ser usada, onde crescer e melhorar", comentou Bernardinho, depois da derrota para a Polônia, que determinou a eliminação do Brasil.
"Ficamos tristes, chateados, mas de forma alguma isso vai nos abater. Temos que acreditar. Quanto mais você acredita e trabalha para alguma coisa, mais ela pode se tornar realidade. Sabemos que é difícil, mas nós acreditamos e vamos trabalhar para fazer a coisa acontecer", acrescentou.
Nestes últimos meses, a seleção brasileira não costumou receber uma “nota 10” em suas avaliações. Foram mais derrotas do que vitórias nas 13 partidas pela VNL 2024. Uma nota baixa, no entanto, não significa um caso perdido a Bernardinho. É uma oportunidade para aprender e crescer. Foi assim que ele, no fim do caminho, chegou ao alto do pódio tantas vezes em sua carreira.
Como contou, ao podcast ‘10 & Faixa’, há um ano: "Numa imersão de liderança, a professora que estava junto conosco perguntou: 'Faça uma avaliação da sua vida, de zero a dez'. O pessoal deu oito, deu nove... Eu dei cinco. 'Cinco? Por quê?' Eu tô muito feliz! O cinco pra mim é muito legal, porque tem muita coisa que eu quero fazer pra preencher esses outros cinco, pra chegar a dez. Aprender algo novo, conhecer pessoas novas, desenvolver relações. Tem muita coisa pra fazer. O cinco não é tristeza, é potencial de realização. É assim que eu vejo a minha vida, tem sempre coisas pra melhorar."
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