António Monteiro: 'O basquete para o povo angolano significa esquecer problemas'
Aos 34 anos, ala-pivô nascido em Angola e criado em Portugal, esperou por muito tempo para jogar pelo país onde nasceu. "Jogar pela seleção angolana é o que me deixa mais orgulhoso", revelou em entrevista exclusiva para o Olympics.com.
Nos mais de 200 países do planeta, alguns poucos possuem íntima relação com alguma modalidade esportiva. Um deles é Angola, uma nação apaixonada pelo basquete.
Quer seja em um moderno ginásio, ou em uma quadra a céu aberto, no asfalto das ruas, ou pelo chão de terra batida país adentro, nas brincadeiras do fim do dia ou do fim de semana, a bola laranja está sempre a voar por toda Angola.
"O basquete para o povo angolano significa esquecer problemas. Quando Angola joga todo o país para. Eu acho que trazer essa felicidade para o povo angolano também acaba por ser satisfatório para nós", disse António Monteiro (ANG), ala-pivô da seleção do país.
Angola tem uma rica história na modalidade. Onze vezes campeã da África, seus clubes possuem vasto palmarés pelo continente. Jean Jacques Conceição e Ângelo Victoriano integram o "Hall da Fama" da FIBA (Federação Internacional de Basquete). Jogadores angolanos atuam em grandes ligas da América do Norte (NBA) e Europa, como a portuguesa, onde jogou António Monteiro, no Sporting, de Lisboa, até o fim da temporada 2022/2023.
Aos 34 anos, só aos 32 que António Monteiro foi chamado para a seleção angolana. Convocado para as últimas janelas das eliminatórias africanas, foi fundamental na classificação do país para a Copa do Mundo masculina de Basquete 2023, entre 25 de agosto e 10 de setembro, nas Filipinas, Indonésia e Japão.
Desde a Ásia, durante a preparação seleção angolana antes da Copa do Mundo, António Monteiro conversou com o Olympics.com e relembrou sua carreira, o significado de vestir a camisa de Angola e a expectativa para o torneio, sem se esquecer do objetivo de colocar o país no palco principal do basquete internacional: os Jogos Paris 2024.
A escolha de jogar por Angola
António é um dos mais experientes do plantel de Angola na Copa do Mundo. Nascido em Benguela, saiu do país ainda criança para viver em Portugal, onde teve toda a formação no esporte.
Isso, mais o basquete que corre no sangue de cada angolano, fez com que ele, bem tarde e já adulto, fosse chamado para representar o país onde nasceu.
"Apesar de ter saído de Angola muito, muito, muito pequeno, sinto que as minhas origens estão aí", disse António. "E foi a melhor escolha que eu fiz. Estou super feliz."
Foi peça-chave na classificação do time para participar, pela nona vez, da Copa do Mundo Masculina de Basquete, em sua 19ª edição.
"Pessoalmente demorei muito tempo a chegar à seleção. Tive numa seleção em 2013, numa pré-seleção, em 2013, para um Campeonato Africano. Desde aí, nunca mais fui chamado. Então chegou o nosso treinador, o Pep [o espanhol Josep Clarós], e convocou-me para as janelas das eliminatórias para o Mundial, tendo um papel importante na equipe. E foi satisfatório para mim. E na última janela, jogando em casa em Luanda, foi ainda mais satisfatório. Foi a cereja no topo do bolo classificarmos diante da nossa torcida", explicou.
Ida ao oftalmologista mudou a sua vida
Criado em Camarate (Loures), Grande Lisboa, jogou futebol até os 15 anos. Adolescente, foi levado pela mãe ao oftalmologista. "Lembro-me perfeitamente que era na zona do [largo do] Rato." O médico disse-lhe: "Por que não vai jogar basquete? Você tem boa altura e podia experimentar."
Nunca antes havia se interessado pelo basquete, apesar da sua mãe, Maria Filipa, ter sido atleta em Angola, pelo 1º de Maio, da natal Benguela. Mãe e filho saíram do médico e foram ao Sporting Clube de Portugal (Sporting Lisboa), onde souberam que o clube recém havia encerrado as categorias de base do basquete.
Indicaram-lhe o rival, o Sport Lisboa e Benfica.
Poucos quilômetros adiante na Segunda Circular, foi recebido nos "Encarnados" por um dos treinadores, Carlos Lisboa, lenda portuguesa da modalidade. Africano, assim como António. Foi ele quem lhe deu a primeira oportunidade.
Coração de "Dragão" e carinho por Portugal
Desde então, não mais parou. Jogou pelos três clubes mais populares do país e colecionou títulos em todos eles: Benfica, Sporting e Porto. No entanto, é pelos "Dragões" sua lembrança mais memorável no basquete.
"Saí do Libolo [Angola] e recebi uma proposta do Porto, que na altura estava na segunda divisão. Quis ajudar a equipe a subir de divisão, e então o meu primeiro ano no Porto subimos de divisão, no segundo ano fomos campeões e foi muito satisfatório para mim ser campeão no clube do meu coração", relembrou António, que revelou: "O Porto é uma equipe, apesar de ter começado no Benfica e jogado no Sporting, o Porto é minha equipe de coração, não escondo de ninguém."
António também não deixa ocultos o carinho e respeito pelo país que acolheu sua família, Portugal, inclusive tendo feito parte das suas seleções inferiores. "Foi bom ter representado o Portugal nas categorias de base, porque foi o país que que me acolheu. E senti-me muito, muito orgulhoso de ter feito parte do grupo de jogadores que representaram Portugal nas seleções."
Maria Filipa, a mãe: grande referência
Se não tivesse ido ao oftalmologista com sua mãe, Maria Filipa, não teria ouvido do médico a típica expressão lusa dita para alguém que é bastante alto (António tem 2,05m): 'Consigo, não vou aos figos', ou seja, uma pessoa mais alta conseguiria apanhar todos os figos para comê-los, sem ajuda.
Foi Maria Filipa que o acompanhou ao Benfica e que esteve ao seu lado desde sempre. Além de tê-la visto jogar, António pontuou o que torna a mãe ser sua principal referência: "Como imigrantes que éramos, com todo aquele sofrimento que passa em um novo país, acabamos sempre por colher aquilo que nos dão de bom, graças às pessoas que fazem de tudo para nos criarmos bem. Neste aspecto eu menciono a minha mãe."
Olímpio Cipriano: ídolo das quadras
Se fora das quadras a mãe é a referência, dentro delas chega a se referir a LeBron James (USA), mas confessa que não acompanha tanto a liga norte-americana.
Para responder sobre um grande nome para ele no basquete, António volta à África: "Eu joguei dois anos em Angola, no Libolo. E joguei com um senhor, posso dizer que este senhor é o senhor do basquete, que é o Olímpio Cipriano, um jogador que eu admiro, admiro muito, com a sua personalidade e o seu estilo de jogar também. É o jogador angolano que eu mais admiro."
O grupo de Angola na Copa do Mundo em análise
"Somos os outsiders deste grupo", começou António. "Mas queremos surpreender", acrescentou. O ala-pivô considera a Itália o adversário mais duro, contra quem os angolanos estreiam, na sexta-feira (25 de agosto), às 9:00 (horário de Luanda).
O jogo seguinte é contra os donos da casa, as Filipinas, de quem Angola ganhou por três pontos na última Copa do Mundo, em 2019. "Será importante para eles [os filipinos]. O povo ama o basquete", comentou.
Por último, a República Dominicana que, segundo ele, têm um estilo próprio das equipes da América Latina: "São [equipes] muito aguerridas, que lutam até ao final, nunca desistem."
Na opinião de António, o treinador Josep "Pep" Clarós tem construído um plantel muito coeso, não fazendo muitas alterações, mantendo o elenco. Isso gera confiança e segurança, o que aumenta a capacidade de produção de cada jogador. "Voltamos à elite da África e então eu acho que podemos fazer muito uma boa surpresa nesta Copa. Tenho esta sensação, a equipe tem essa sensação, o grupo tem essa sensação que pode surpreender, surpreender muito."
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Ciente da capacidade do time, e de que a competitividade do basquete africano aumentou, terminou a análise com o objetivo principal de Angola nesta Copa, que é um lugar em Paris 2024: "Apesar das pessoas pensarem que Angola pode ter possibilidade, e temos possibilidades de passar [de fase], temos que mostrar em quadra, lutar todos os jogos e tentar a classificação para a fase seguinte. Ou então sermos o melhor [time] africano para podermos ir aos Jogos Olímpicos."
Jogos Olímpicos: aquilo que quer para a seleção angolana
Com quase 15 anos como atleta profissional, António encerrou contrato com o Sporting Lisboa em julho. Está aberto a oportunidades, mas concentra-se apenas na seleção angolana. "Vou ter tempo para pensar depois da Copa do Mundo", diz.
Para agora o foco está no Mundial, de olho no objetivo - comum entre todos - que é a presença em Paris 2024. A melhor equipe africana consegue vaga nos próximos Jogos Olímpicos.
Entretanto, isso não parece deixá-lo ansioso. "Temos que desfrutar o momento. Não sabemos quando é que vamos jogar uma Copa do Mundo outra vez", disse.
A vivência no esporte de alto rendimento, os altos e baixos, além da incerteza na carreira de qualquer atleta fazem-no pensar ainda mais no coletivo: "Os Jogos Olímpicos é o maior objetivo neste momento. Queremos deixar a seleção classificada para os Jogos Olímpicos, para os próximos [jogadores] que vierem. Se formos nós, ainda melhor. Mas se vierem os próximos, que eles vivam um momento único em suas carreiras."
É na ideia do coletivo, do comunitário, que António se posiciona sobre o que quer para o basquete de Angola. Que se invista nos jovens, a fim de tornar o basquete do país competitivo e fazer frente ao jogo dos europeus, sul-americanos e norte-americanos, para ele as principais forças.
Afinal, deixa transparecer que aquilo que o move é o amor pelas suas origens, pelo basquete angolano e seu povo.
Elementos que constituem o "bem maior", que menciona ao encerrar a entrevista: "Não, não tem nada a ver com dinheiro, não tem nada a ver com egos, nada disso. Todos trabalham por um bem maior."
Angola na Copa do Mundo masculina de basquete 2023
Partidas no horário de Luanda, Angola.
Grupo A
- Angola x Itália - 25 de agosto (sexta-feira) - 9:00
- Angola x Filipinas - 27 de agosto (domingo) - 13:00
- Angola x República Dominicana - 29 de agosto (terça-feira) - 9:00