Rafael Nadal tem desfecho Olímpico em seu templo, Roland Garros
Rafael Nadal conhece cada grão do saibro de Roland Garros. Nenhum outro tenista na história foi tão dominante num Grand Slam. E se falta espaço na estante para os 14 troféus no Aberto da França, o espanhol terá a chance de vencer um prêmio diferente por lá neste ano: a medalha de ouro dos Jogos Olímpicos. Estará na disputa de simples e também nas duplas, com uma interessante parceria ao lado de seu "herdeiro", Carlos Alcaraz.
Paris 2024 providencia aquele que parece ser um grande desfecho a Nadal, diante da reta final de sua carreira profissional no tênis, aos 38 anos. O estádio de Roland Garros é o melhor lugar possível para o espanhol reviver seus grandes momentos, em busca do terceiro ouro Olímpico. Nadal ganhou o torneio de simples em Beijing 2008 e de duplas, ao lado de Marc López, na Rio 2016. O seu senso competitivo certamente estará aguçado para o palco que tanto o exaltou.
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Nadal nunca escondeu que os Jogos Olímpicos são uma ocasião especial para qualquer esportista. Como uma lenda do tênis, ele sempre reverenciou os Jogos. A história Olímpica do espanhol não se limita aos ouros, afinal: tem a empolgação de quem sonhava em estar ali desde menino, quando acompanhou Barcelona 1992. O maiorquino já foi porta-bandeira, já vibrou nas arquibancadas, já curtiu a Vila dos Atletas. E foi justamente através do título Olímpico que ele se tornou pela primeira vez o número 1 do mundo, em 2008.
Embora as lesões tenham o impedido de estar sempre presente, Nadal foi além dos limites do próprio corpo para vivenciar os Jogos. Paris 2024 tende a ser a sua última chance nos Jogos Olímpicos, e num palco que tanto significa para ele.
"Os Jogos Olímpicos são a recordação de onde realmente viemos e de onde parte o espírito esportivo", declarou o tenista, em entrevista coletiva nesta quarta-feira. "Creio que estes sim serão meus últimos [Jogos Olímpicos]. Para mim, todos foram especiais. É o maior evento do mundo do esporte. Ficar de fora de Tóquio 2020 e Londres 2012 por lesão é algo que me doeu mais do que não disputar Grand Slam, porque os Jogos são experiências únicas."
"Para estar aqui, precisei passar por muita coisa. Valorizo a capacidade de ter seguido nestes últimos dois anos. Pessoalmente me dá satisfação e tenho o prêmio de estar aqui, em Jogos Olímpicos num cenário que evidentemente para mim é muito especial. Também te rejuvenesce estar aqui [na Vila Olímpica] e é uma volta aos primórdios de tudo", complementou.
As lembranças de Barcelona 1992
O envolvimento de Rafael Nadal com o tênis começou quando o garoto tinha apenas cinco anos de idade, influenciado pelo tio e treinador Toni Nadal. Pouco tempo depois, aos seis anos, o menino já pôde vivenciar uma imersão esportiva: a realização dos Jogos Olímpicos Barcelona 1992. O futuro tenista acompanhou o grande espetáculo dentro de seu próprio país.
"Era muito pequeno, mas minhas primeiras lembranças foram de Barcelona 92. A cerimônia de abertura me marcou", contou Nadal, durante coletiva de imprensa em 2016. O acendimento da pira Olímpica pelo arqueiro paralímpico Antonio Rebollo é um marco. Em 2017, durante a comemoração dos 25 anos daquela edição dos Jogos Olímpicos, Nadal participou de uma cerimônia em Barcelona (junto com o parceiro Marc López) e posou ao lado de Rebollo com um arco em mãos.
A estreia em Atenas 2004
Rafael Nadal passou a fazer parte do circuito profissional do tênis em 2001, quando tinha apenas 14 anos. Assim, sua primeira oportunidade de disputar os Jogos Olímpicos se deu em Atenas 2004. Naquele momento, o novato não teve espaço no torneio de simples, diante do alto nível de outros tenistas espanhóis. Os quatro selecionados pelo país estavam à frente de Nadal no ranking, então no 48° lugar. A brecha veio nas duplas. Nadal competiu ao lado de Carlos Moyá, quarto no ranking da ATP às vésperas dos Jogos Olímpicos.
Nadal não conseguiu estar presente na cerimônia de abertura no Estádio Olímpico de Atenas. Naquele mesmo período, o tenista de 18 anos conquistou seu primeiro título de ATP, em Sopot, na Polônia, e se tornou o segundo mais jovem a registrar tal feito. Contudo, a passagem por Atenas 2004 foi efêmera. Nadal e Moyá foram eliminados no primeiro jogo, por uma dupla brasileira: Flávio Saretta e André Sá venceram por 7/6 e 6/1.
Aquele ano de 2004 alçaria Nadal de vez ao estrelato, através da Copa Davis. O jovem teve papel fundamental no título da Espanha, ao derrotar Andy Roddick, então número 2 do mundo, nas finais. E não demoraria para que cada vez mais gente conhecesse Nadal. Em 2005, o espanhol estreou em Roland Garros. Conquistou seu primeiro título em Grand Slams e iniciou sua dinastia no saibro francês.
O ouro em Beijing 2008 o tornou número 1 do mundo
O status de Rafael Nadal quando desembarcou para sua segunda participação nos Jogos Olímpicos era totalmente diferente. Às vésperas de Beijing 2008, o espanhol ganhava ares lendários. Nadal contabilizava cinco títulos em Grand Slams. Em junho, alcançou o tetra consecutivo em Roland Garros. Um mês depois, o título de Wimbledon era seu pela primeira vez, depois de uma célebre final vencida contra Roger Federer.
Os dois títulos de Grand Slam na temporada elevavam Nadal como favorito para a medalha de ouro em Beijing 2008. Federer vinha há mais de quatro anos na primeira posição do ranking, perseguido implacavelmente pelo espanhol, na segunda posição por 160 semanas seguidas. Seria então o momento da troca de guarda.
Rafael Nadal tratou de curtir os Jogos Olímpicos em Pequim, como não pôde fazer em Atenas. O espanhol ficou na Vila Olímpica como qualquer outro e estava empolgado na Cerimônia de Abertura. A leveza exibida pelo tenista também se notou nas quadras. Nadal provou sua superioridade em Beijing 2008. Ao lado de Tommy Robredo, até perdeu nas duplas durante as oitavas de final. Já a grande conquista veio no simples.
Ao longo da campanha, Nadal perdeu somente dois sets, um deles na estreia contra o italiano Potito Starace. Depois disso, o espanhol se impôs diante de Lleyton Hewitt, Igor Andreev e Jürgen Melzer. A partida mais dura aconteceu na semifinal, contra o ascendente Novak Djokovic, que chegou a vencer o segundo set por 6-1. Os outros, porém, foram de Nadal - que vinha de derrota para o sérvio no Masters de Cincinnati, mas nunca tinha perdido para ele em Grand Slams. Já na final, o maiorquino dominou o chileno Fernando González com um 3-0 (parciais de 6-3, 7-6 e 6-3).
"Sei como é difícil ganhar esses títulos, e especialmente aqui, porque você só tem uma chance a cada quatro anos. No tênis, os Grand Slams são um pouco mais importantes, mas aqui sinto que ganhei por todo o país. Isso é mais especial, não? Ganhar pelas pessoas, não só por mim", afirmou Nadal, na época.
"A razão pela qual provavelmente ganhei foi porque me diverti muito aqui, aproveitando muito a vila. É sempre bom conhecer novas pessoas. Muito obrigado a todos os atletas espanhóis, por virem me apoiar todos os dias. É uma honra fazer parte da família Olímpica do esporte espanhol. O que vivi aqui é inesquecível, você não encontra no tour, mesmo num Grand Slam. Foi uma das melhores experiências da minha vida", complementou.
Nadal colocou no peito uma medalha de ouro que representava tanto à sua carreira, com somente 22 anos. E, no dia seguinte, veio outro prêmio simbólico pela conquista Olímpica: pela primeira vez, o espanhol se tornava o número 1 do mundo. Encerrava as 237 semanas de Federer no topo da lista.
Em retrospectiva, Nadal relembrou as sensações daquela conquista antes de Paris 2024: "Beijing 2008 foi maior que muitos Grand Slams que ganhei. Foi um dos momentos mais bonitos da minha carreira esportiva, sem dúvidas. Nos Jogos Olímpicos, você sente que nunca é só você. Sente que você é parte de algo muito maior: apoiado, abraçado, amado. A sensação de voltar para a Vila com uma medalha é realmente algo impressionante."
Porta-bandeira na Rio 2016
Rafael Nadal ampliou sua coleção de conquistas nos anos seguintes. O espanhol venceu pela primeira vez o Australian Open em 2009 e alcançou o título inédito do US Open em 2010. Tornou-se apenas o segundo tenista da história, depois de André Agassi, a ter vencido os quatro Grand Slams e também o ouro Olímpico.
Quando ganhou Roland Garros em 2012, Nadal chegava a 11 títulos de Grand Slams. Tinha faturado sete das oito edições anteriores do Aberto da França. Mantinha-se em alta rumo a mais uma edição dos Jogos Olímpicos e havia sido escolhido inclusive como porta-bandeira da Espanha. Contudo, o maiorquino não pôde defender seu ouro: com uma lesão no joelho, se ausentou de Londres 2012.
Seriam quatro anos de espera para Rafael Nadal retornar aos Jogos Olímpicos. O tenista ganhou mais dois títulos de Roland Garros e outro do US Open naquele ciclo, mas não atravessava seu momento mais vitorioso. Sua presença na Rio 2016 chegou a ficar em xeque, por conta de uma lesão no punho que o tirou das quadras por dois meses. O espanhol faria um esforço pela ocasião e se veria recompensado.
"Se não fosse Olimpíada, eu não estaria aqui. Se fosse um evento normal, não estaria competindo. Poderia ter sido um machucado mais sério no pulso, mas não foi. Será uma experiência única. Quero compartilhar momentos com outros esportistas”, afirmou o astro, em coletiva da época. "Dividir momentos com outros esportistas é especial e só se pode fazer isso aqui."
Nadal se empenharia tanto para viver a experiência que perdeu em 2012: enfim, conseguiu ser o porta-bandeira da Espanha na Rio 2016. Fã declarado de futebol, o tenista ainda pôde ter seu protagonismo em pleno Maracanã. "Estou muito feliz por estar aqui. É algo que todo esportista se orgulha e, claro, é especial para mim, depois de não estar em Londres", comentou, na época.
O segundo ouro Olímpico de Nadal
Rafael Nadal tinha também novos compromissos dentro de quadra na Rio 2016. O espanhol passou perto de outra medalha no simples masculino. Nadal eliminou o anfitrião Thomaz Bellucci nas quartas de final, com uma emocionante virada. Todavia, o astro perdeu nas duas chances de ir ao pódio. Nas semifinais, foi a vez do argentino Juan Martín del Potro virar contra o maiorquino. Por fim, na decisão do bronze, o japonês Kei Nishikori desbancou o favorito do outro lado.
Antes das duas derrotas no simples, porém, Nadal já tinha se consagrado com mais um ouro Olímpico: o veterano aproveitou a chance nas duplas. O amigo Marc López se tornou seu parceiro para mais um pódio. Foi uma campanha de superação do maiorquino, diante de suas limitações físicas e do esforço de quem disputava até duas partidas num mesmo dia - isso porque ainda desistiu das duplas mistas, na qual competiria com Garbiñe Muguruza.
Na campanha rumo à final, Nadal e López perderam apenas um set, nas oitavas, diante dos argentinos Juan Martín Del Potro e Máximo González. O pódio foi garantido no triunfo sobre os canadenses Daniel Nestor e Vasek Pospisil durante as semifinais. Já na decisão, os romenos Horia Tecau e Florin Mergea foram derrotados pelos espanhóis por 2-1 - parciais de 6-2, 3-6 e 6-4. Desbancando especialistas nas duplas, como Nestor e Tecau, Nadal retornou ao topo do pódio e se emocionou, às lágrimas ao lado de López.
“Vou embora com algumas sensações muito positivas. Foi uma Olimpíada fantástica, levando em conta de onde eu vinha, após dois meses sem poder treinar”, afirmou Nadal, na época. "É para ficar satisfeito. Estou consciente de que supri os problemas físicos e de condicionamento com entusiasmo e paixão pelo jogo”.
Nesta quarta-feira, Nadal rememorou: "Tive a sorte de ganhar o ouro com um dos meus melhores amigos e foi uma coisa incrível. Cada vez que estive nos Jogos Olímpicos, foram experiências incríveis. Tomara que [Paris 2024] possa se alongar por dias, que não seja curto. Vamos fazer o possível para que seja assim."
A despedida no saibro de Roland Garros
Rafael Nadal de novo fez falta nos Jogos Olímpicos em Tóquio 2020. O espanhol vinha de um ciclo excepcional, com mais seis títulos de Grand Slams entre 2017 e 2020, incluindo um novo tetra consecutivo em Roland Garros. Todavia, o veterano se ausentou de Tóquio: preferiu se poupar em uma sequência fisicamente desgastante, em decisão que também o tirou de Wimbledon naquele ano de 2021.
"Os Jogos Olímpicos sempre significaram muito e sempre foram uma prioridade como esportista. Encontrei o espírito que todo esportista do mundo deseja viver", afirmou Nadal, quando explicou sua ausência. "Eu pessoalmente tive a oportunidade de viver três edições dos Jogos e a honra de ser porta-bandeira do meu país."
No atual ciclo Olímpico, Nadal aumentou sua lista de feitos. Conquistou pela segunda vez o Australian Open em 2022, após 13 anos de hiato. E celebrou seu 14° troféu em Roland Garros, recorde absoluto no torneio. Os últimos anos, entretanto, acabaram marcados pelas lesões e pelas ausências em Grand Slams. Paris 2024 deverá marcar seu adeus dos Jogos Olímpicos - e, se ele assim preferir, até mesmo da carreira.
Nada mais simbólico, então, que aconteça no saibro do estádio de Roland Garros. Não haveria local melhor para uma despedida em grande estilo do espanhol. E mais bonito ainda que, nas duplas, ele possa atuar ao lado de Alcaraz - visto como um sucessor não apenas pela nacionalidade ou pelo talento, mas também pela recente conquista no Aberto da França. O jovem diz ser um "sonho" poder estrear nos Jogos Olímpicos ao lado do ídolo.
Nadal também declarou sua expectativa e a alegria de se juntar a Alcaraz: "Nas duplas, fico muito animado para jogar com o melhor do mundo. Carlos será um dos grandes da história", afirmou Nadal. "Esta é uma oportunidade de nos conhecermos mais, de conviver, de aprender com essas novas gerações, que têm um approach diferente. Estar com alguém como ele te rejuvenesce e te faz lembrar da energia de quando você tem 20 anos, da empolgação com o desconhecido: é bonito para mim ver alguém como Carlos viver seus primeiros Jogos."
O veterano também ponderou que há muito trabalho a ser feito: "Entendo a empolgação de nos verem juntos, mas isso não significa êxito. Não pudemos nos preparar em conjunto para um torneio como esse, mas confiamos no grande momento que vive Carlos e espero que esta semana e a última me ajudem a alcançar o nível que necessito para que funcione. Tentaremos que [essa dupla] seja lembrada de uma maneira positiva. Vamos nos esforçar ao máximo para irmos com tranquilidade de fazer todo o possível", finaliza.
Rafael Nadal celebrou como raros a oportunidade de ser um atleta Olímpico. O terceiro pódio tem chance de vir, nas quadras que melhor abrigaram sua grandeza e com aquele que melhor simboliza sua herdança.